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quinta-feira, 31 de julho de 2008

Do Presidente, à atenção de V. Ex.cias

Claro que a questão que motivou a comunicação ao País por parte do senhor Presidente da República não é politicamente dispicienda. E nem o excesso na forma como quis anunciar o veto político ao novo Estatuto Politico-Administrativo da RA dos Açores num aspecto onde o Tribunal Constitucional não viu desconformidade com a Lei Fundamental, lhe retira importância. Trata-se, afinal, da delicada questão dos poderes dos órgãos de soberania, que não podem ver-se diminuidos no entender presidencial (mesmo que em pequena escala, como é o caso) a pretexto da revisão de uma lei infra-constitucional, como é o Estatuto.
O Presidente falou alto para o país político ouvir. O País político ouviu, e agirá venerando e obrigado, encontrando com facilidade o consenso parlamentar que além de expurgar as inconstitucionalidades em que a Assembleia da República unanimemente decaiu, evite o conflito institucional com a presidência da República.
O assunto objecto da comunicação urbi et orbe do Presidente vai exaurir-se, pois, em breve. Iniciada nova sessão parlamentar, apressar-se-ão os deputados a reconhecer que com este Presidente da República não vale a pena ensaiar qualquer tentativa de redução, ainda que simbólica, do estatuto presidencial. E tratarão, sem grande discussão, de regressar à fórmula em vigor. Finito.
Mas para mim o significado político mais relevante desta inesperada intervenção presidencial, não é, manifestamente, o que atrás anotei.
Foi enorme a expectativa com que durante todo o dia os portugueses aguardaram que o Presidente lhes falasse. Estou em crer que tendo falado o Presidente, a larguíssima maioria achou que foi um mero rato o que saiu do ventre da montanha. Encolheu os ombros à preocupação do Presidente que está longe de ser a preocupação das famílias, e voltou-se para a telenovela. E, no entanto, a expectativa tensa que hoje se sentiu por todo o País, significa que os portugueses acham que o Presidente da República tem razões para falar áqueles que representa. E que todos desejam, intensamente, ouvi-lo.
Isto sim, é politicamente muito significativo.

O pretexto dos Açores

Não creio que Cavaco tenha falado sobre os Açores. Ou melhor, até falou dos Açores. Como mero pretexto para outras mensagens.
A primeira, para deixar bem entendido que já tinha chamado a atenção, a quem de direito, para o facto e não foi ouvido. Para o facto e para outros factos.
A segunda, para deixar bem entendido que a Assembleia da República não pode vogar ao sabor do oportunismo de ocasião, já que o Presidente acabou de promulgar disposições agora contrariadas no diploma em apreço.
A terceira, para deixar bem entendido que o apoio institucional e até a colaboração activa que vem mantendo com o Governo exige reciprocidade.
Cavaco, pretextando falar sobre os Açores, falou da actuação do Governo e do futuro, para deixar bem entendido que as suas opiniões sobre as opções governativas têm que ser levadas em séria linha de conta. Falou com solenidade e ritual, para melhor se fazer perceber.
Como se esperaria, e pelo que já ouvi, comentadores houve que nada entenderam. Ou, tão enfeudados ao Governo, que nada quiseram perceber.
Nada de estranho; por isso é que são comentadores oficiais!...

Descer o IVA sim, descer os preços é que não!

O exemplo deve vir de cima, já alguém dizia. Mas nem sempre é assim. Quando justamente se esperava que viesse, foi quando justamente não veio. Vem isto a propósito da recente descida da taxa do IVA de 21% para 20%.
Ouvi hoje no Rádio Clube que a EMEL não desceu os preços do parqueamento em Lisboa. Segundo a notícia:
A Empresa Pública Municipal de Estacionamento de Lisboa (EMEL) não baixou os preços do estacionamento em Lisboa com a descida do IVA. Os argumentos da empresa de estacionamento da capital são iguais à empresa de estacionamento de Évora, que ficou ontem com os parquímetros bloqueados pela ASAE, por não cumprir a lei.
A EMEL garante que desceu o IVA para 20%, mas que a mudança não altera o valor final cobrado aos utentes. Pois a questão é justamente essa. Baixou o imposto, o que aliás não podia deixar de ser, mas não reflectiu ou partilhou a redução com os utentes. O preço final a pagar não sofreu qualquer alteração. Ficou tudo na mesma!
Certamente que não temos que nos admirar com estas práticas empresariais. É o mercado a funcionar ou por falta dele a não funcionar. Mas sendo a EMEL uma empresa pública municipal seria de esperar que desse o exemplo. Seria de esperar uma descida dos preços dos parquímetros em razão da descida do IVA. Constituiria uma sinalização correcta do efeito esperado da medida fiscal, ou seja, a redução dos preços finais dos bens e serviços sujeitos à taxa normal do IVA.
Talvez porque a amplitude da descida (1%) é materialmente pouco significativa na factura mensal das famílias e sem efeitos expressivos no seu bolso os consumidores optaram pelo silêncio em lugar de questionar a eficácia da medida. Estão talvez cansados e desanimados em relação aos benefícios recorrentemente anunciados pelo governo. Uma reacção que tem contornos de anemia e que se não for convenientemente tratada pode acabar muito mal…

O computador técnico!...

Portugal é cada vez mais um país de inventores. Não daqueles pífios produtos que podem ser produzidos e comercializados, que geram emprego e riqueza, isso seria desperdiçar tempo, mas sim daquelas coisas mirabolantes, género criar, no prazo recorde de um ano, os melhores alunos de matemática do mundo.
Ouvi ontem que também inventámos o primeiro computador para a criançada dos 6 aos 10 anos e até me parece que vi Sócrates, como lídimo representante da classe e seu primeiro utilizador, a tranquilizar os desconfiados, afiançando a categoria do artigo. Claro que, a partir de agora, o progresso na matemática será imparável e avassalador. Não há tabuada nem problema ou, sobretudo, exame que resistam à poderosa e animada máquina.
Certamente já como resultado do computador infantil, há muito em testes e em voga no Ministério da Educação, também inventámos a fórmula matemática que tornou os alunos de português os mais qualificados do mundo; de facto, diz o Ministério, é difícil encontrar chinês, coreano, esquimó ou índio que consiga escrever português com menos erros em cada palavra. Lamentavelmente, nesta matéria, nem todos estão de acordo. Por exemplo, muitos Professores, encabeçados pela recalcitrante Maria do Carmo Vieira, que disse que nunca ensinaria a gramática do TLEBS, e ganhou, vieram agora propalar uma invenção verdadeiramente malévola. Inventaram que há alunos do 9º ano que demoram um tempão a encontrar o significado de palavras no dicionário, porque não sabem o alfabeto de cor!...
Mas de que tempo é a senhora? Saber de cor o alfabeto, neste tempo de computadores técnicos? Escreve-se a palavra e vem logo o significado. E se a palavra é mal escrita e não há significado? Faz-se um up-grade do computador, de forma a abarcar todas as combinações de letras, possíveis e imaginárias!...
Nada de importante, pois, digo eu. Não foi sem saber ler nem escrever que Sócrates, o inventor-mor, inventou 150.000 empregos?
P.S. Confesso que a notícia da invenção do computador infantil me deixou naturalmente satisfeito. Mas, depois de ouvir Sócrates a dizer que era um computador igual aos outros...

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Até onde pode chegar a depravação?

Sempre houve em todos os tempos da existência humana comportamentos moralmente reprováveis, demonstrativos de depravação da mente humana.
Também sabemos que a depravação não tem limites e que por isso mesmo nunca nos cansamos de nos surpreender.
A história contada pelo DN que envolve um condenado, um gato fugido, um vizinho prestável e uma vizinha desprevenida, uma tentativa de homicídio em torno de uma hilariante dita sodomização de um gato por um dito homossexual está de facto para lá dos limites imagináveis do que pode ser a depravação.
No final, cinco anos e seis meses de prisão efectiva para o dono do gato e pelo meio um gato resgatado e uma vizinha sobrevivente, atingida pelos disparos de uma pistola e submetida a uma intervenção cirúrgica. Felizmente salvou-se.
Foi assim que o juiz resumiu esta história de depravação: "Dar um tiro em alguém por ser homossexual e por supostamente ter tido relações homossexuais com um gato que ajudou a resgatar, e por isso o animal ter ficado homossexual, é talvez o motivo mais torpe que eu já vi na minha vida". É realmente repugnante!
Na verdade, a depravação introduz problemas de perigosidade na vida das pessoas e causa outros tantos problemas na inserção social de quem dela padece. A questão está em saber como tratar o desprezo pela vida e pelo ser humano algures "escondido" na mente, tantas vezes "descoberto", tarde de mais, na prática de actos tresloucados e não raras vezes praticados por pessoas aparentemente normais e pacíficas e que vivem perto de nós, no bairro ou do outro lado da rua. Enfim, um problema para o qual não parece haver, à primeira vista, uma resposta!

“Ruas para bêbados!”...

Presumo que uma vez por outra já tenha sentido uma sensação de incómodo misturado com raiva ao pretender ultrapassar um bêbado. A mim já me aconteceu e mais do que uma vez. Em determinadas ruas, sobretudo nas mais estreitas, ao pretender contornar, por exemplo, pela direita, o individuo até parece que nos adivinha a intenção colocando-se de imediato à nossa frente num equilíbrio ameaçador. Subitamente vem à cabeça a solução: acelero e ultrapassa-o pela esquerda. Mas, mais uma vez, o bêbado traça uma diagonal a um ponto imaginário à esquerda impedindo, novamente, a possibilidade de sair da situação. Mesmo parado e cambaleante consegue travar as nossas intenções. Um desespero.
Lá para as minhas bandas, agora, no Verão, desfruto algumas noites na varanda que dá para o largo onde vai desaguar uma rua íngreme em curva. De repente, aí, pelas onze, onze e meia, começo a ouvir os sons característicos desta fauna das tabernas. Monólogos estranhos, algumas vezes insultuosos, outras vezes políticos, muitas vezes sem nexo a preceder a entrada triunfal no largo. Sendo um pouco íngreme procuro ver se algum caí de costas, mas qual quê, dançam, param, tiram azimutes a tudo o que lhe aparece pela frente, as pernas dificilmente obedecem ao comando central, auto interrogam-se, alto e em bom som, por que razão as mulas das pernas não obedecem, porque é que cada uma quer fazer o que lhe apetece, e continuam assim até desaparecerem na rua contígua. Um só é suficiente para travar o passo de um não bêbado. Também já se deu o caso de um par de amantes de Baco se transformarem em verdadeiros siameses. Um deles apontou para a esquerda e o outro para o lado direito. Quando quiseram regressar ao ponto inicial, fizeram-no de tal forma que ficaram encostados ombro com ombro. Não disseram nada e, de repente, arrancaram juntos como um compasso bem aberto. Não mais se desviaram, galgando com uma rapidez nunca vista, para bêbados, a subida do largo. Uma boa solução, sobretudo para os que vêm atrás.
Esta abordagem foi despertada pelo facto de ter sido estudado pela primeira vez os movimentos de populações embriagadas, com vista a serem desenhadas ruas que permitam ajudar este pessoal a chegar à cama sem grandes problemas e sem provocar raiva nas pessoas sóbrias, já que podem originar conflitos violentos.
Investigadores da Universidade de Cardiff deslocaram-se ao centro da cidade para monitorizar a conduta destas pessoas nas Sextas-feiras e Sábados à noite. Cerca de 25% dos que consumiam bebidas alcoólicas apresentavam dificuldades na marcha.
Os modelos matemáticos criados permitiram estudar o fluxo de pessoas que, indo no mesmo sentido, são precedidos pelos “felizes” do álcool, revelando, quando um quinto vai a “dançar”, uma lentificação de 9% e de 38% quando todo o pessoal vai grosso! Estes modelos também estão a ser desenvolvidos para as grandes multidões, sobretudo em época de peregrinações.
Os autores propõem que, no futuro, as ruas sejam desenhadas de forma a facilitar os fluxos, sobretudo em determinadas zonas das cidades, assim como o reordenamento do denominado mobiliário urbano, de forma a facilitar a vida de todos.
Face a esta última sugestão, os autores do trabalho deveriam ter acesso ao velho filme português, “O Pátio das Cantigas”, de 1943, para saberem que nós, por cá, há muito que nos preocupamos com o mobiliário urbano. Naquela hilariante passagem, em que Vasco Santana, bêbado que nem um cacho, pede lume ao candeeiro e, a partir daí, a entrada em jogo do candeeiro móvel que o vai atraindo para a porta de entrada, até o levar para a cama, está bem demonstrada uma solução de mobiliário urbano móvel.
Aguardamos a apresentação das soluções para as novas ruas e mobiliário.
Já estou a ver alguns autarcas e outros políticos a exigirem medidas de protecção para as minorias abusadoras do álcool. Sim! Porque têm direitos. Não podem correr riscos de caírem, esbarrarem contra um poste ou torcer um pé no passeio.
O pior é se não forem considerados como uma minoria...

“Geraldine e os loiros”...

Adquiri há dias vários livros num alfarrabista em Lisboa. Um deles, um pequeno texto de Jacob Ri-sonos, “Os gatinhos”, publicado em Coimbra, em 1902 (Livraria Portugueza), continha uma crónica intitulada “Geraldine e os loiros”. Não resisto à tentação de transcrever grande parte, por motivos óbvios, conforme poderão concluir.
“...A partida da Geraldine foi por uma tarde, calma e fria. A formosíssima ginasta vestia um casaco comprido, claro, chapéu largo de plumas e luvas justas de inverno. Tinha o seu belo ar, perfeito e correcto, de estátua pagã - e sorria vagamente, docemente, para o Ferreira d´Almeida. Este ilustre e loiro galã guardava uma aparência discreta, triste: e nos seus olhos havia uma suave resignação de saudade e de sentimento. O Choupal era triste, o Mondego era sereno, a riba silenciosa e a viração subtil: a Geraldine, à janela da carruagem, sorria o rosto ameno, no Céu inteira a paz, no Ferreira d´Almeida uma grandessíssima lágrima...
Mas antes que a ilustre e bela ginasta nos deixasse para sempre, nós quisemos conhecer as impressões que o seu coração e o seu espírito levavam de Coimbra. Já lhe tínhamos mandado pedir ao hotel uma entrevista. Fomos ao meio-dia: a divindade estava-se a pentear, voltamos às quatro horas: a divindade estava a sorrir para o Ferreira d´Almeida: - depois eram horas de jantar e nós não queríamos fazer positivamente a nossa interview à sobremesa. Voltámos no dia seguinte...
No teatro foi impossível falar-lhe... o Ferreira d´Almeida estendia na mão um cartuchinho de rebuçados e o Lopes d´Oliveira bramia, na sombra, que aquela mulher era a Revolução social!
... Logo que entrámos na gare, dirigimo-nos à deidade:
- Donnez-vous permission, mam´zelle Geraldine?
- Oh! Yes! (O que em português quer dizer: ora essa!...)
- Nous desirons connaitre les impressions de votre esprit...
A divindade não nos deixou continuar o nosso nobilíssimo francês: interrompeu-nos logo, dizendo: - Ah! je sais!
A divindade já sabia! A divindade já sabia ao que nós íamos! Começámos então a interrogá-la. Geraldine tinha a cada pergunta nossa um leve sorriso, delicado, fino, sorriso de graça e de bondade: o seu sorriso!...
Começámos, é claro, por lhe falar da Universidade. Geraldine teve um instante o ar de quem procura recordar-se, avivar impressões: depois disse gravemente, com uma gravidade atenciosa: - Trés carèques les docteurs!... Esperámos uma outra frase de impressão. A miss sorriu apenas e volveu lentamente: “Trés carèques, les docteurs!”
Eram as impressões que a graciosíssima beldade trazia: tiram-lhe parecido muito carecas, os doutores! Explicámos-lhe então que o “pensamento não é trabalho que nos dê saúde... nem cabelo!” ((João de Deus: Carta) E ela repetia ainda: “Trés carèques! All right
Falámos-lhe então da Biblioteca. – Une jolie paysage! Uma lindíssima paisagem: a Biblioteca tinha-lhe parecido uma lindíssima paisagem... de livros!
Nisto, ao lado, o Ferreira d´Almeida mexeu-se. Ela olhou com solicitude e disse-nos, sorrindo, que achava aquele rapaz muito lindo e muito loiro! A divindade perguntou logo se havia muitos loiros na Universidade. Nós esclarecemos que na Universidade era o que mais havia era loiros... de borla: que ela já tinha visto as coroas... de capelo! Geraldine então teve uma deliciosa confidência: que era doida por loiros – une folie, une tentation! Sempre que visse um loiro, fosse onde fosse...
...Nós hesitámos um momento: que não, que ainda havia bastante loiros! – e rematámos: - Se tivéssemos sabido há mais tempo do empenho de V.Exa tínhamos-lhe arranjado aí meia dúzia de loiros... Ferreiras – e podíamos ter oferecido a V. Exa, uma coroa deles – d´Almeidas! – Oh! merci! C´est une tentation!
... Geraldine entrou à pressa para a carruagem e disse ao Ferreira d´Almeida estendendo a mão enluvada, com um ar enternecido: - Mon cher blond, adieu! E partiu...
Desta vez o Ferreira d´Almeida ia perdendo o pé!... All right!”

Resta perguntar ao Ferreira d´Almeida se sabe quem foi o Ferreira d´Almeida da Geraldine!

Preço do petróleo pode ajudar...

Sendo ainda cedo para se extraírem conclusões firmes, a redução do preço do barril de petróleo a que se tem vindo a assistir desde há 3 ou 4 semanas pode, se prosseguir, vir a ter efeitos muito favoráveis sobre a actividade das economias mais desenvolvidas – e, assim, alterar para melhor o cenário macro de 2009.
Haverá efeitos mais rápidos, quase imediatos, traduzidos na melhoria da confiança de consumidores e empresas, que vêm seus orçamentos/custos aliviados.
E haverá efeitos a prazo mais longo, neste último caso em especial através de uma menor pressão para a subida da inflação ao longo dos próximos meses.
É provável, a persistir a inversão de marcha dos preços do petróleo, que a inflação comece a dar sinais de abrandamento a partir de Agosto o que pode abrir caminho, no caso da Europa, a que o BCE alivie a política monetária baixando os juros mais cedo do que se podia prever – talvez ainda em 2008 quem sabe...
Não se pode esquecer que os efeitos dos factores de contracção do ritmo da actividade – aumento acumulado dos preços das matérias-primas, escassez e preço mais elevado do dinheiro, forte abrandamento económico dos mercados de destino das exportações - aliados ao elevadíssimo endividamento da economia, ainda deverão fazer-se sentir durante mais algum tempo, condenando sem remédio o desempenho da economia em 2008, concretamente no caso português.
Mas não é de excluir que os efeitos benéficos da queda dos preços do petróleo venham beneficiar a economia portuguesa ainda em 2009, apesar da subsistência dos problemas estruturais.

Quer isto também dizer que o indicador de confiança dos consumidores/famílias (INE), que tem vindo a deteriorar-se e que, segundo notícias de hoje, terá mesmo atingido no corrente mês de Julho um “mínimo histórico” – explicado por expectativas mais pessimistas - é susceptível de inverter a curto prazo.
A economia portuguesa pode assim, algures ao longo do próximo ano, começar a evidenciar alguns sinais de recuperação conjuntural – o que o Governo não deixará de aproveitar a seu favor até à exaustão, disso podemos estar certos.
Os problemas estruturais persistirão, com certeza, haverá mesmo a “tentação conjuntural” de os esquecer, de os deixar para 2010 ou para mais tarde.
Apesar da persistência desses problemas estruturais, a hora será de algum alívio, de alguma descompressão, o que é susceptível de alterar, até certo ponto, o estado de espírito mais negativo dos cidadãos...a oposição que se vá acautelando...

Será muito interessante verificar o efeito destas alterações no ambiente do próximo debate orçamental, daqui por 3 meses.

Alguém me explica?

Porque está para julgar a Providência Cautelar interposta pelo Boavista no Tribunal Administrativo, a Federação Portuguesa de Futebol invocou, junto do Tribunal, interesse público para iniciar o Campeonato, com a substituição do Boavista pelo Paços de Ferreira.
Independentemente do nome de um e de outro, alguém me explica qual o interesse público de o Paços de Ferreira substituir o Boavista, antes da decisão judicial?

terça-feira, 29 de julho de 2008

As papoilas saltitantes!...VIII

A pior desconsideração que se pode fazer a um trabalhador é dizer que ele representa apenas um custo para a empresa.
Hoje, praticamente todos os jornais, rádios e televisões noticiam a saída de Petit do Benfica. E todos referem que essa saída se traduz numa poupança de 2 milhões de euros para o clube, valor dos seus ordenados até ao fim do contrato. Dada a perfeita consonância dos termos usados, claro se torna que a notícia foi elaborada e distribuída aos media pelo Departamento de Imagem do clube.
Num ápice, Petit foi assim oficialmente transformado num peso morto, num mero encargo a fundo perdido, já que dele não resultaria qualquer proveito para o clube. Um dos capitães da equipa e jogador de valia que, goste-se ou não do estilo, sempre deixou tudo em campo pelo Benfica!...

Bancos: contabilidade criativa terá limites?

A necessidade aguça o engenho, é uma frase bem conhecida.
Colocados perante a necessidade de contabilizar proveitos que compensem as perdas muito elevadas que têm sido obrigados a revelar, alguns bancos encontraram uma fonte original de proveitos extraordinários: contabilizar a dívida que emitem, não pelo valor de reembolso (valor nominal, em regra) mas sim pelo chamado “fair value”, ou seja pelo preço a que o mercado cota essa dívida.
Como é que isto acontece?
Muito simplesmente, se o mercado percebe que um banco se encontrem com dificuldades, os títulos de dívida por eles emitidos passam a ser cotados abaixo do valor nominal - o “fair value” dessa dívida é inferior ao valor nominal, e essa diferença é contabilizada como um ganho extraordinário.
Em termos teóricos, assim como a desvalorização de um activo justifica a contabilização de uma perda, a desvalorização de um passivo justificará a contabilização de um ganho...
Este tema é glosado num interessantíssimo artigo na edição do Financial Times de 24 do corrente, da autoria de Jeniffer Huges, habitual colunista de assuntos financeiros.
Nesse artigo são divulgados mesmo os proveitos extraordinários apurados por alguns bancos graças a este expediente de contabilidade criativa:
- HSBC, um dos maiores bancos do Mundo, contabilizou € 2 mil milhões deste tipo de proveitos só em 2007;
- Barclays, no mesmo período, contabilizou € 800 milhões
- Merril Lynch, no 2º trimestre deste ano, USD 98 milhões
- Lehman Brothers, no 2º trimestre deste ano, USD 400 milhões

Trata-se de uma prática que, sendo permitida desde 2007, não deixa de suscitar grandes interrogações, parecendo mesmo um contra-senso.
De facto, este tipo de proveitos extraordinários só surge porque os emitentes da dívida (bancos neste caso) se encontram em dificuldades e porque, em tal circunstância, o mercado desvaloriza os títulos por eles emitidos (acções, já bem sabemos, mas também obrigações ou outra forma de dívida titulada).
Estes proveitos são assim consequência directa de uma situação de fragilidade, ajudando a compor os resultados – e tanto mais quanto mais frágil for a situação (maior a diferença entre valor nominal e "fair value")...

Pode “a contrario” dizer-se que, estando a dívida cotada no mercado, o emitente (banco) pode sempre resgata-la, pagando um preço inferior ao valor nominal e apurando, nesse caso, um efectivo proveito.
Mas este argumento é enganador pois, para ser capaz de resgatar tal dívida, o emitente (banco) terá de lançar mão de nova dívida, pagando uma taxa de juro necessariamente mais elevada do que a vencida pela dívida que é resgatada.
E o valor actual do acréscimo futuro de juros compensa, logicamente, o ganho obtido com o resgate da dívida abaixo do valor nominal – quer dizer que se está a contabilizar agora um ganho que vai ser compensado por encargos adicionais no futuro...
Por este caminho, quando é que as contas dos bancos poderão merecer confiança plena?

Desculpabilizações públicas!...

Confesso que até gosto do actual Procurador-Geral da República. Parece-me pessoa confiável, íntegra, cheio de boa vontade. Mostrou determinação quando, logo à entrada, se impôs ao establishment e à aristocracia do Ministério Público, que lhe vetou o nome proposto para Vice-Procurador Geral. Mostrou ainda conhecer a engrenagem, quando publicamente se referiu aos duques, condes, viscondes e barões, e até à marquesa, que inundam a Procuradoria-Geral. Sério, revelou também esperteza q.b., algo fácil, todavia, ao nomear determinada intocável magistrada para alguns processos quentes. A opinião publicada obviamente aplaudiu.
Ontem ouvi, mais uma vez, o Procurador-Geral a pedir o alargamento do prazo do sigilo judicial, dada a dificuldade de instrução de alguns processos complexos. Creio que aí não tem razão, nenhuma.
Primeiro, porque os tempos já são generosos e o Ministério Público sabe com o que conta. Segundo, porque se o problema é de falta preparação dos agentes para investigações financeiras complexas, a solução é prepará-los e não aumentar os tempos. Terceiro, porque os direitos dos cidadãos não podem submeter-se aos direitos, tempos e caprichos das burocracias. Quarto, porque a Procuradoria não tem falta de meios. Basta ver a gigantesca panóplia que disponibilizou para um processo menor, o Apito Dourado, como se esse fosse algo de decisivo para o país e não fosse só futebol. Se este quer e tem uma disciplina própria, pois que se avenha com ela.
Creio pois que o Procurador-Geral tem muito que trabalhar na Organização a que preside. Quanto mais adiamentos de prazos procurar, mais ineficiente está a tornar o Ministério Público e, pior do que isso, a desculpabilizá-lo publicamente pelos fracassos de investigação.
O Procurador-Geral não é, nem pode ser, um mero mais um do Ministério Público. Se se comporta como tal, deixa de o dirigir e passa a ser dirigido. Em vez de o transformar, passa a ser assimilado por ele. A ser o seu Delegado. Como parece estar a acontecer. Oxalá me engane e o Procurador Geral não esteja a ser tragado pela organização.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Finalmente...

Photobucket
... está encontrada a solução para a morosidade da justiça em Portugal.
Não são necessários novos códigos, nem aumentos das custas judiciais.
Não precisaremos de mais juízes, nem de novas instalações para tribunais.
Dispensam-se as reformas e os pactos para a justiça.
A Federação Portuguesa de Futebol foi sublime.
A solução passou a ser simples e óbvia.
Arranja-se um jurista de renome.
Pede-se-lhe um parecer.
Divulga-se o parecer.
Aplica-se o parecer.
Está feita justiça.
Já estou a ver o anúncio que será publicado pelo Ministério da Justiça.
"Estão abertas as inscrições para a pré-qualificação de gurus-substitutos-de-juízes. Os julgamentos seguem na praça pública".

Dragão desaustinado!... II


No binómio qualidade/preço, o Paulo Assunção era mesmo o melhor dos jogadores do Dragão.
Segundo é dito, renovaria o contrato por mais 600.000 euros anuais. Como a SAD achou caro, o jogador rescindiu o contrato pelo valor dos ordenados de um ano, e o clube ficou a ver navios!...
Para o substituir, os Dirigentes preferiram “investir” 6,2 milhões de euros em mais dois novos atletas, e fizeram regressar um outro, que estava emprestado. Para além do “investimento”, que se traduz em custos anuais de “amortizações” de cerca de 1,5 milhões de euros por ano, ainda há que lhes pagar os ordenados, que não virão inferiores aos do Paulo Assunção. Pior que tudo, não podem jogar os três para substituir apenas um!...
Jogando com capitais próprios, até se poderá admitir a troca de valores firmes por títulos voláteis. O pior que pode acontecer é perdê-los, os títulos e o capital.
Mas tendo já “perdido” parte dos capitais próprios em extravagâncias do mesmo jaez, prosseguir no jogo de continuar a pagar mais por menos parece forte e grave desatino.
O Dragão parece mesmo desaustinado!...
Palavra de dragão!...

4000 entradas

É um número considerável o dos posts do Quarta República. 
Fica mais este, a assinalar o facto.

Porque não registam os direitos da parangona?

QUERCUS APRESENTA QUEIXA CONTRA ESTADO PORTUGUÊS.

(Todos têm direito ao seu kit de sobrevivência mediática. O da Quercus parece ser o agendamento períodico da apresentação da queixa em Bruxelas).

O nicho de mercado

É deveras original a nossa comunicação social.
De um momento para o outro, e sem que nada o faça prever, ergue uma tempestade e faz cair granizo forte com mais umas declarações de Ana Gomes sobre os voos para Guantanamo. E aí, televisões, rádio e jornais andam dois dias num badanal!...
De repente, o vendaval passa, para, num ápice, reaparecer daí a uns tempos. Ana Gomes tem o seu nicho de mercado.
Quem também criou o seu nicho de mercado é o Eng. João Cravinho, com o tema da corrupção. Em conferências, em artigos, em palestras. Ontem, numa nova entrevista, continuou a vender o seu monoproduto. Sem alterações de talha, de forma ou de feitio. Monotonamente, sempre o mesmo.
Claro que a corrupção é um mal endémico, que urge tratar e extirpar.
Com actos, não com palavras. As palavras do Eng. Cravinho só ajudam a desenvolver o fenómeno. Como diz sempre que não há lei, leva muitos a arriscar, que o ganho compensa!...

domingo, 27 de julho de 2008

Dragão desaustinado!... I


Com mais de cinquenta jogadores profissionais nos seus quadros (e poderia apontar nome a nome…), incrivelmente o Dragão recrutou mais um. Incrivelmente chama-se Hulk. Incrivelmente, é o jogador mais caro de sempre: 5,5 milhões de euros por metade dos direitos desportivos. Incrivelmente, tem o curriculum mais incrível para justificar o preço: jogou duas épocas na incrível Segunda Divisão japonesa!...
Ou o homem é um incrível portento desconhecido que vai revelar-se de imediato ou, incrivelmente, os dirigentes do FCPorto, a começar pelo seu Presidente, e pela primeira vez, vão ter muito que explicar aos sócios, adeptos e accionistas da SAD azul e branca!...
Até que aconteça uma ou outra coisa, parece-me que o Dragão desatinou incrível e gravemente!...

Para quando um SISTEMA DE SAÚDE em Portugal?

A Ministra da Saúde deu um entrevista à "Visão" desta semana onde afirma que "tem é de defender o Serviço Nacional de Saúde (SNS) porque é ministra da defesa da saúde das pessoas e tem de garantir cuidados de saúde a toda a população..."

Ou seja, continua a ignorar-se uma (ainda) moderna Lei de Bases da Saúde, dos ídos anos 90, onde se diz que o SNS é um dos prestadores de cuidados, a par dum sector privado e dum sector social, em regime de contrato ou convenção, numa lógica de prestação plural, concorrencial, centrada no cidadão e geradora de um verdadeiro SISTEMA DE SAÚDE.

Passados 18 anos ainda lá não chegámos!
Continua uma aposta num serviço de saúde estatal, a braços com recursos escassos frente aos crescentes e desafiadores investimentos e consumos, uma inevitabilidade da tecnologia e dos inegáveis ganhos em saúde.
Vai-se continuando a puxar por uma "manta curta" que ora tapa aqui, ora destapa alí, ora reestrutura e encerra serviços, ora assiste ao grave desvio dos seus melhores profissionais (e da sua escola formativa), ora constata e se queixa que é "fornecedora" dos cidadãos que "alimentam" o sector privado, ora reconhece alguma ineficiência e desperdício de uma máquina pesada que obriga a prestar serviços a preços mais elevados...

Assim continuará, enquanto se continuar a defender que os outros dois pilares prestadores de serviços de saúde são supletivos, complementares e não concorrenciais do SNS!
Assim continuará, enquanto não se garantir ao cidadão a liberdade de escolha do prestador e da instituição, enquanto não se financiar o direito à saúde, independentemente desse acesso e da escolha recaírem na prestação pública, social ou privada.

A forte regulação da qualidade, da equidade no acesso e do preço do serviço, essa sim, compete e só ao Estado.

“Ainda vai enterrar muitos”!...

Dizer a um doente que tem um problema sério não é fácil e quando se tem 90 anos ainda é mais complicado.
Fui consultado por um senhor há poucos dias por queixas urinárias, sangue total, que não augura nada de bom. Em pouco tempo foram feitos os exames necessários que apontam para uma lesão renal e também vesical. Quanto a esta última não me parece ser a mais preocupante, até, porque já foi alvo de intervenção cirúrgica a situação semelhante há poucos anos. O pior é a lesão no rim direito.
O senhor vive na companhia de uma jovem senhora que o trata de forma exemplar em virtude das filhas viverem fora do país. Simpático, comunicativo, bem disposto e com uma cabecinha de fazer inveja a muitos jovens. Gosta imenso de conversar, sempre com um agradável sorriso.
Face aos dados, tive que lhe dizer que a lesão na bexiga era igual às que tinha sido operado anteriormente, sendo, muito provavelmente, benigna. Mas no rim havia qualquer “coisita” que tinha de ser retirada e, para o efeito, ia escrever uma carta para ser entregue no hospital a um colega especialista. Muito provavelmente teria necessidade de fazer mais um ou dois exames e, depois, ser sujeito a uma intervenção. Enquanto falava, perscrutava a sua fácies e comportamento, verificando que estava atento, mas um pouco apreensivo, traduzido por um silêncio emoldurado pelo sorriso da natural boa disposição. Adiantei que a situação iria ser resolvida e com sucesso, até, porque, apesar da idade, estava mais do que em condições físicas para ultrapassar o problema. A conversa, ou melhor, a meia-conversa continuou e, à saída, depois de ter entregue a carta à acompanhante, disse-lhe que, após a intervenção, gostaria de o ver para saber como tudo tinha corrido. Foi então que me disse, com o seu sorriso natural, agora meio entristecido, que às tantas não seria ele quem viria mas sim alguém a pedir que assinasse uma certidão de óbito. Repliquei, com muita sinceridade, que não seria esse o caso, porque acreditava que tudo ia correr pelo melhor e que os seus 90 anos não seriam grande estorvo. Sorrindo, utilizei uma velha expressão de votos de uma vida longa: - Qual quê! “O senhor ainda vai enterrar muitos”! Virou-se e disse: - Oh senhor doutor! Eu não sou coveiro. Nunca enterrei ninguém! E largou uma sonora gargalhada que me contagiou, obrigando a ripostar com uma outra.
Espero que, daqui a algumas semanas, possa ouvir e ver, novamente, uma pessoa que ama a vida, que é detentor de um sorriso simpático e partilhar alguns momentos da sua simplicidade e humildade.
Espero, muito sinceramente...

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Desendividem-se? Mas como?!

A propósito da recente divulgação de um desempenho muito abaixo do esperado da economia portuguesa no corrente ano e dos factores que condicionam o nosso crescimento, ouviram-se diversas vozes de recomendação quanto à necessidade de reduzir o endividamento ao exterior.
Entre todos, cabe referir o comentário do Presidente da República, cheio de sensatez, sobre a necessidade de vivermos mais de acordo com os nossos recursos.
Estes comentários e recomendações dirigem-se sobretudo ao endividamento excessivo das Famílias, embora tanto o Estado (em especial se considerarmos o conceito de SPA – Sector Público Alargado) como as Empresas mostrem também elevados índices de endividamento.
A economia portuguesa precisa, ou diz-se que precisa, de uma cura a que os ingleses chamariam de “deleveraging” – redução dos níveis de dívida.

Poderei dizer, em relação a estas tomadas de posição, o seguinte: muito bem, é preciso reduzir o endividamento, mas como é que isso se faz?
Esta interrogação é justificada pois, dos vários pronunciamentos conhecidos, não encontrei um só apontando o caminho para a redução da dívida – apenas sabemos que tal é necessário...
E é bom que se diga que aquilo a que estamos a assistir e vamos continuar a assistir é precisamente o contrário: estamos até a acelerar o ritmo de endividamento ao exterior, este ano e no próximo pelo menos, com o considerável alargamento do défice corrente.
A dívida externa entrou já no caminho da auto-alimentação, não pode parar de crescer. Isto é de fácil conclusão quando verificamos que a dívida aumenta este ano cerca de 6% do PIB só por efeito dos encargos que ela própria gera...
Como por outro lado nós não somos capazes de exportar bens e serviços em valor equivalente – bem longe disso – ao que importamos, temos aí mais um factor de crescimento da dívida...
Tudo junto, estamos a falar de qualquer coisa como 15% do PIB este ano e também no próximo.
Temos depois para amenizar a situação as transferências correntes e de capital, susceptíveis de gerar uma entrada líquida de pouco mais de 3% do PIB.
A dívida cresce assim cerca de 12% do PIB/ano, no actual contexto.
O cenário irá repetir-se nos próximos anos, apesar dos apelos patrióticos ao desendividamento que vamos ouvir porventura com intensidade e frequência crescentes.
Decisões como a de lançar o Programão de obras públicas contribuirão para agravar – e de que maneira – este cenário.

O maior problema colocar-se-á provavelmente em 2013, se não for antes, quando terminar o Quadro de Apoio em vigor e já não pudermos contar com os capitais disponibilizados pela U.E.
Nessa altura, os apelos ao desendividamento vão provavelmente tornar-se quase lancinantes...
Tal como hoje, caberá perguntar aos autores desses apelos: desendividem-se? Mas como?!

A "longa metragem" da pobreza (II)

Há alguns dias escrevi sobre a pobreza inspirada um pouco no Estudo sobre a “Pobreza e Exclusão Social em Portugal” recentemente publicado.
Escrevi sobre a relação existente entre a pobreza e o capital escolar. Com efeito, de entre os factores estruturais aprofundados pelo Estudo que explicam a dimensão da pobreza encontra-se a educação.
Os baixos níveis de escolaridade conduzem a situações profissionais pouco qualificadas e geradoras de baixos níveis salariais, contribuindo para a precariedade do emprego, quer no que se refere à estabilidade do rendimento quer no que se refere ao seu nível. A educação assume por isso um papel fundamental no caminho do desenvolvimento.
A quebra do ciclo vicioso da pobreza revela-se difícil quando as famílias não conseguem que os seus filhos frequentem normalmente a escola porque o seu nível de rendimento e os problemas que daí derivam (não disporem por exemplo de ambiente para estudar e aprender) não permitem fazer face às despesas que lhe estão associadas, sobrepondo-se outras de maior necessidade, como é o caso da alimentação. Nestas circunstâncias o baixo nível de escolaridade e cultural dos pais não ajuda, antes funciona como uma explicação para nada mudar, tal é a barreira tantas vezes intransponível da falta de condições para proporcionar um quotidiano de vida normal, nas suas diversas componentes, designadamente a dimensão psicológica e emocional.
Assisti há alguns dias a uma excelente e educativa reportagem da SIC sobre uma família de Chão Sobral, residente na Aldeia dos Dez no Conselho de Oliveira Hospital. Trata-se de uma família rural numerosa, constituída por onze membros, pais e nove filhos com idades compreendidas entre os quatro e os vinte e três anos de idade. A história de vida desta família – Família Luís - impressionou-me pela sua sabedoria e riqueza de espírito em contraste com a presença de grandes dificuldades e obstáculos materiais causados pela sua fraca condição económica e social.
Na Família Luís, que se sustenta com um rendimento mensal que não chega a dois salários mínimos nacionais - obtidos numa oficina caseira de fabrico de facas com cabo de madeira – e com alguns apoios sociais e a solidariedade da comunidade local, todos os filhos estudam, com excepção da filha mais pequenita ainda com quatro anos. Os três filhos mais velhos estão a frequentar o ensino superior em Coimbra e sustentam-se com bolsas de estudo. Não trabalham para poderem estudar e vivem numa residência colectiva, contando exclusivamente com aquele apoio escolar, pois os pais não os podem ajudar.
Os pais sempre tiveram a preocupação de incentivar os filhos a estudar e entendem que os seus sacrifícios, que são muitos, são sustentáveis enquanto os filhos o quiserem fazer. Este querem e desejam fazê-lo. Estes pais sabem que a vida dos seus filhos só poderá ser melhor do que a deles se estudarem e se obtiverem uma qualificação profissional. Os filhos mais velhos falam com alegria do amor e generosidade dos seus pais e têm a certeza que vão vencer as adversidades e conseguir aproveitamento escolar para, antes de tudo o mais, ajudar os pais na educação dos irmãos mais novos.
O que impressiona nesta Família é a enorme sabedoria e riqueza de espírito, em particular dos pais, que a mobiliza na vontade, esperança e certeza de que tudo devem fazer para que todos os filhos tenham a oportunidade de estudar, com condições que lhes permita um bom aproveitamento escolar. Desejam que na escola aprendam muito e que também se distraiam. É o nobre e consequente desejo de uns pais, contagiado aos filhos mais velhos, que querem que os filhos não pensem demasiado nas dificuldades da falta de dinheiro, que sonhem e projectem coisas boas para as suas vidas.
Há em Portugal muitas famílias “Luís” com fracos recursos financeiros e muitas dificuldades para quebrar o ciclo da pobreza em que se encontram e de contrariar a sua própria condição de exclusão social. Mas, infelizmente, ainda são poucas as famílias “Luís” com pais tão lúcidos e tão corajosos, tão educados e tão cultos, mobilizados para transpor as dificuldades que os apoios sociais quase inexistentes não ajudam a esbater.
Esta história ajuda-nos a perceber melhor o que é pobreza em Portugal e a necessidade de tomarmos verdadeira consciência que temos obrigação de dar oportunidades às famílias “Luís” para entrarem no ciclo virtuoso do desenvolvimento. Pensemos micro ou pensemos macro, a pobreza não tem que ser uma fatalidade para quem dela sofre e para o País! Fingir que a pobreza não é uma realidade brutal e estigmatizante para quem dela padece e para o bem estar colectivo é negar aquilo que é verdadeiramente importante na nossa existência!

quinta-feira, 24 de julho de 2008

“Oniomania politica”...

Ultimamente, tem sido dado destaque ao endividamento dos portugueses que atinge cifras muito preocupantes e que a nível das famílias está a gerar problemas gravíssimos. Pessoas a passar fome, a recorrer a especialistas em dívidas, bancos a leiloar habitações, ordenados a serem cativados em catadupa, a justiça a perseguir os incumpridores, a violência dos cobradores, as depressões a aumentar, enfim, uma perfeita tragédia, a que não é estranha as crises nacionais e internacionais e o apelo ao consumismo das últimas décadas agravada pela facilidade da banca em conceder crédito, alimentando uma usura voraz, de tal modo que, presumo, parece ser a única “indústria” lucrativa nacional!
A oniomania é uma doença compulsiva que leva as pessoas a comprar coisas desnecessárias, em excesso, e, até, repetidamente. Ao comprar, o indivíduo sente satisfação e prazer, originando uma sensação de felicidade que se transforma, muitas vezes, em posterior arrependimento. Quantas pessoas não estarão hoje em dia arrependidas de terem comprado o que não deviam? Tudo aponta para que a forma patológica ocorra uma em cada doze pessoas. Mas a tendência para comprar “futilidades” deverá ser muito superior, fazendo com que certas campanhas de “facilidades” acabem por apanhar nas suas tenebrosas malhas muitos incautos.
Os alemães acabaram de anunciar que desenvolveram uma terapêutica bem sucedida para esta doença. Trata-se de uma terapêutica de grupo destinada a reorientar o comportamento para as verdadeiras necessidades dos doentes, adquirindo autocontrolo e reaprendendo a lidar com o dinheiro. A oniomania enquadra-se dentro do grupo de doenças tipo cleptomania e piromania.
É uma realidade, entre os portugueses, a existência de um traço de oniomania que urge tratar. Mas, face aos investimentos que para aí andam a ser anunciados, e atendendo às nossas necessidades e possibilidades, a “oniomania política” é tão preocupante como a oniomania de um qualquer cidadão que foi “manipulado” pelos “agentes da economia”, se é que se podem chamar assim!. Só que, no caso da primeira, não é o decisor a pagar, logo não corre risco de se arrepender, ao contrário do desgraçado cidadão que tem de pagar as suas dívidas e as contraídas pelos outros...
Estamos tramados!

Variação do PIB em 2008 chegará a 0,7%?

Já entramos bem no 3º trimestre de 2008, no entanto em termos de resultados do PIB encontramo-nos confinados ao 1º trimestre - crescimento homólogo de 0,9%, queda de 0,2% em cadeia (1ºT.2008/4ºT.2007).
Quanto ao 2º trimestre têm sido divulgadas estimativas por alguns analistas da especialidade, trabalhando sobre modelos próprios, que apontam uma variação homóloga não superior a 0,5%.
A confirmar-se esta estimativa, que se afigura razoável tendo em conta a evolução do indicador coincidente do BdeP – sendo que este até sugere uma evolução mais desfavorável – teríamos no 1º semestre uma variação homóloga da ordem de 0,7%.
Quanto ao 2º semestre é bem provável, conhecendo o efeito desfasado de alguns dos factores que têm vindo a influenciar o comportamento da procura interna e externa – restrições ao crédito, abrandamento das principais economias, acentuação da crise em Espanha - que venhamos a observar uma desaceleração do crescimento.
Neste contexto, a variação homóloga no 2º semestre dificilmente chegará a 0,7%...
Mas vamos admitir, por agora, que é capaz de lá chegar – pode ser que o preço do petróleo acabe por dar alguma ajuda, lá mais para diante.
Sendo assim, para o conjunto do ano teríamos uma variação do PIB em torno de 0,7%, num cenário que sem ser cor-de-rosa é apesar de tudo menos mau...
Lembro que estou a assumir um grande risco, apresentando esta previsão poucos dias depois de o “infalível” BdeP ter avançado uma previsão de 1,2% - embora chamando a atenção para os elevados riscos descendentes do exercício em causa.
Mas também me parece que fazer previsões depois dos factos ocorridos, que é a especialidade dos nossos mais distintos “estadistas”- enganando-se com frequência mesmo assim – tem realmente muito pouca graça.
Previsões fazem-se a esta distância, com alto risco, para terem algum sabor…
O 4R criou um saudável hábito de convidar os seus visitantes/comentadores a participar em exercícios de previsão de eventos de diversa natureza – política e económica – e achamos interessante manter esse hábito, que para lá do carácter lúdico ajuda a descontrair o debate e a laminar algumas asperezas da vida...
Querem os nossos estimados Comentadores lançar suas sugestões/arrojadas previsões para a variação do PIB em 2008?

Que investimento público?

"Mas será esta a única discussão que queremos fazer, sobre as obras públicas, a do debate financeiro? Evidentemente que não. Foi por causa da obsessão "tem de se pagar a si mesma" que a virtuosa Expo 98 degenerou no ladrilhado Parque das Nações. Todos são santos e pecadores na tese financeira. Do PSD, que analisa o tema num microscópio, ao Governo, que adiciona variáveis na equação para tornar “sustentável” o que é “inviável”.
(…)
O País não vai recuperar o dinheiro investido nestas obras. O Governo tem a obrigação de deixar isso claro e, depois, de explicar porque ainda assim as faz. É para isso que se elegem políticos em vez de analistas financeiros, para tratar do País. A economia não é apenas finanças”

As palavras são retiradas do editorial do Jornal de Negócios (JdN) e têm a assinatura do seu director, Pedro Santos Guerreiro. O editorial é uma síntese interpretiva do que o JdN publica hoje em parceira com a Antena 1: os resultados de uma investigação, baseada em alguma da informação disponível sobre o programa de investimento público lançado pelo Governo. Os títulos escolhidos pelo JdN são, por si só, significativos: “Nem TGV nem novas estradas de Sócrates são rentáveis”; “TGV e estradas sem retorno”; “Estradas: Governo garante que portagens cobrem rendas”; “TGV só é rentável com mais 3 milhões de passageiros”; “Projecto (do TGV) não é lucrativo mas pode ser sustentável”.
O tema do “programão” das obras públicas – como aqui o baptizou Tavares Moreira – tem sido abordado no 4R nalgumas das perspectivas de análise adoptadas no JdN de hoje. É um debate que se impõe que se aprofunde. Decerto na perspectiva da utilidade e rendibilidade de cada projecto de per si. Mas tendo como pano de fundo o modelo de desenvolvimento que queremos para o País. Só assim será possível saber-se se projectos com utilidade marginal decrescente, como é manifestamente o caso das estradas e autoestradas, fazem sentido numa óptica de desenvolvimento regional apoiado, exigência da coesão nacional se não pretendermos reduzir cada vez mais o País ao litoral. Ou se, conjunturas à parte, os benefícios indirectos dos projectos (ambientais, sociais ou outras) que o Governo contabiliza – quando contabiliza – sem se perceber de que premissas quantitativas parte, justificam o ónus que se está hoje a lançar sobre as gerações futuras. Ou, mais prosaicamente, se muitas das obras não são, afinal, tiques de um País que se quer dar ares de rico, sacrificando o investimento por exemplo num melhor funcionamento da Justiça, de cujo salutar funcionamento e eficiência depende em boa parte a competitividade, ao encurtamento das distâncias-tempo quando não parece ser este em Portugal, 2008, o factor crítico do desenvolvimento.
Nós, por aqui, não partilhamos a opinião de que o País só perde com estas discussões. Que o que importa é decidir, bem ou mal. Não nos incomoda que o que estava consolidado há uns anos atrás seja hoje posto em causa. Ao invés, esta dinâmica parece-nos essencial para o acerto das decisões. E não deve incomodar quem, tendo de decidir, não se queira tornar surdo ou autista. Pelo contrário, deve servir de estímulo. O exemplo do abandono do aeroporto da Ota está aí para o demonstrar. Até o Governo, sem o dizer, aceita que se evitou um erro quando pela discussão se obrigou a estudar alternativas. Seria impossível reparar esse erro se se mantivesse surdo.

Por isso decidiu o 4R contribuir para esta reflexão, ainda que na modéstia do que pode, abrindo este espaço ao aprofundamento do debate. Assim, nos próximos meses aqui publicaremos, sem prejuízo de outras iniciativas, o depoimento de algumas personalidades de mérito reconhecido, naturalmente aberto ao comentário de quem nos vem acompanhando.

Falta o pão, RTP dá o circo!...

Mal o caso Maddie foi arquivado por falta de provas e levantada a suspeição sobre os arguidos, logo reapareceram, propagandeadas como nunca, as “certezas” e as “provas” de que foram os pais que fizeram desaparecer o corpo da filha ou mesmo a mataram, por acidente ou acto voluntário.
Tais “certezas” , as mesmas que não convenceram a Polícia, nem o Ministério Público são as mesmas que, agora, são apresentadas em livro. E irão ser tomadas por muitos como verdade irrefutável e prova definitiva. No preciso momento em que os pais acabaram de ser ilibados pelas autoridades, recomeça, em larga e inimaginável escala, o seu julgamento popular.
Critica-se o “oportunismo” do livro. Mais tarde, passado o tempo necessário, talvez fosse útil e oportuno; no momento presente, não pode ser visto senão como um mero exercício novelístico, treino para romance de maior fôlego ou forma fácil de fazer dinheiro.
No entanto, ávida de sensacionalismo, a comunicação social anda excitada com a peça. Pois que se excite, a Constituição também permite a liberdade de excitação, sem discriminação de sujeito ou objecto.
No entanto, o canal de serviço público, se aí existisse alguma ideia do que isso é, deveria ter especiais cuidados na indecorosa demonstração pública do acto. Pois é o que mais desavergonhadamente demonstra a excitação. Provocando uma das maiores campanhas de desprestígio da Judiciária e do Ministério Público e de desconfiança nestas instituições, assim como um verdadeiro linchamento público dos pais.
O autor do livro vai ser logo ouvido no principal programa de entrevistas do canal público.
Se já não confiava nos critérios do canal, ainda tinha alguma “fé” nos critérios de alguns jornalistas. Agora, até essa se perdeu. A informação deu, de vez, lugar ao espectáculo. A turba gosta. Faltando o pão, que venha o circo. Um homem e uma mulher vão ser lançados às feras. Logo, na arena da RTP!...

Vidas de encontros e desencontros

Quando Libânia telefonou à amiga, a soluçar convulsivamente, ela demorou a reconhecer naquele alvoroço a voz plácida e um pouco indolente que costumava ouvir nas breves conversas que trocavam, cada vez mais raras. Há muito que não se encontravam mas conheciam-se desde pequenas, andaram no colégio juntas e sempre souberam uma da outra, as notícias de Libânia chegavam dos vários pontos de Portugal, Continente e Ilhas, num nomadismo ditado pela ascensão do marido na carreira de juíz.
Agora, já chegadas aos oitenta anos, os telefonemas eram cada vez mais espaçados, quase só a marcar as datas que tinham ficado mais firmes na memória, por isso era terrível ouvir aquele som sufocado de angústia com que ela começou de repente a desfiar a sua vida.
-“Tu sabes, sim tu sabes que eu fui um exemplo da geração de mulheres educadas para casar, ter filhos, cuidar da casa e apoiar o marido na profissão com que ele sustentava a família. Vivi apagada na sombra deste homem, meu único namorado, meu único amigo, a ele dediquei os sonhos de juventude, lembras-te como ele se zangava quando eu ria alto, lembras-te como era sisudo e austero? Não gostava de risos nem de barulho, com o tempo deixei até de sorrir, depois passei a calar-me quando ele estava presente, uma vez porque estava cansado, outra porque só ele tinha coisas para contar. Os filhos preencheram-me o tempo vazio dele, mas cresceram ansiosos por se libertarem da tirania do pai, dos seus silências sorumbáticos ou do jeito acusador que trazia da sua profissão. Deixei de ter vida própria, gastava os dias a cuidar da família, vivia a vida dele, como uma sombra, sempre foi assim, era o meu dever.
Sim, é verdade que muitas vezes me revoltei em silêncio com a solidão, a ver a minha vida escoar-se naquela atenção discreta, impiedosa, de quem tinha que estar presente sem se fazer sentir.
Sim, é verdade que sentia como uma ofensa quando ele chegava tarde e mal humorado, resmungava um cumprimento e nem um beijo me dava, foi sendo assim, já não me lembro de alguma vez lhe ter ouvido uma palavra de carinho, um gesto de amor, nunca um presente, um telefonema de saudades, há quanto tempo não saimos juntos? Tu sabes, várias vezes me criticaste por me isolar tanto, mas o queres?, fui-me habituando, não parecia bem sair sem ele...
Fui desculpando com as preocupações da profissão, fui desculpando e esperando pacientemente que chegasse a idade da reforma, talvez então pudessemos sair, reatar amizades antigas ou ir ao cinema. Os meus filhos cansaram-se dos confrontos com o pai, seguiram as suas vidas e passam semanas que nem sei deles, não os culpo, coitados, não os culpo, mas senti-me tão só, nunca fizémos amigos, neste vaguear com a casa às costas.
Mas quando ele se reformou, há uns anos, ainda foi pior, ficava dias a fio sem vir a casa, reuniões, conferências no estrangeiro, uma roda viva, dizia-me secamente arranja-me a mala, amanhã não esperes por mim. E eu ficava aqui, sozinha, a arrumar esta casa já tão velha e tão triste como eu.
Até que ele teve aquela doença súbita, ah,não sabias?, pois foi, quando o teu marido morreu ele já não estava bem, começou a perder o equilíbrio, a não poder guiar, os médicos sem um diagnóstico certo. Voltou a semana passada do hospital, sem poder andar, a depender de mim para tudo, mas mesmo assim seco e mudo como nunca. Não, talvez mais triste, agora que penso nisso, uma tristeza inquieta, uma revolta que atribuí à desgraça de se ver tão velho e tão doente. Tive pena dele, uma pena enorme, sabes?, também me doía vê-lo assim, ele que era tão orgulhoso da sua figura e tão arrogante. Esqueci tudo, os anos de abandono, o mau humor permanente, a brusquidão dos gestos, não era agora, já próximo dos 80 anos, que seria altura de o deixar sem amparo.”
As lágrimas secaram à medida que Libânia falava em atropelo, a voz ganhava força à medida que desfiava a sua vida, já não era indolente nem conformada, na ânsia de se libertar daquele peso que a atormentava e que lhe ditara o impulso de ligar a alguém que a ouvisse.
-“Hoje pediu-me que lhe chegasse o telefone, deu-me um número para marcar e mandou-me sair da sala. E eu, para não o contrariar, fui saindo lentamente, a hesitar se o devia deixar sozinho. Foi então que ouvi como a voz dele mudava de repente, um tom doce, suave, a dizer a alguém do outro lado da linha “minha querida, não te preocupes, sim eu estou melhor, sim, só não quero que te amargures, eu falo, meu amor, descansa, eu falo-te”.Agarrava o telefone como quem se agarra à vida e depois deixou-o cair lentamente, as lágrimas a correr pela cara, chorando sem se conter, dobrado sobre o seu corpo doente como se fosse um farrapo.”
Libânia fez um pausa, para que a emoção deslizasse sem se emaranhar nas palavras que fluiam sem parar. Contou à amiga que o marido não esperou pelas perguntas, que começou a falar pausadamente, secamente, com a voz que usava quando lia sentenças irrevogáveis nos seus tempos de juíz. Disse-lhe que se tinha apaixonado há mais de vinte anos por outra mulher, como tinha sofrido por não poder viver com ela, por causa da família, por causa da vergonha de um divórcio, “por tua causa, sim por tua causa, nunca te faltei com nada, não te podes queixar, já vês como eu sofri”. Disse-lhe que a outra tinha aceite aquela indignidade por amor dele, que tinha renunciado a ter filhos, que tinha compreendido que ele tinha que manter a sua vida, a sua imagem, por ele tinha abandonado tudo.
-“ Só te peço que me deixes falar-lhe de vez em quando, ela também já está velha e doente, não posso pensar que vamos morrer sem voltar a ver-nos. Perdoa-me, mas deixa-me falar-lhe, não será por muito tempo”, e olhava para ela como um condenado a suplicar o último favor.
Foi aqui que Libânia parou de falar, mesmo antes de esperar uma palavra de conforto da amiga. A voz dele soou ao longe, imperiosa e urgente e ela desligou, muito aflita, porque ele estava a chamá-la e devia precisar de alguma coisa.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Polícia Judiciária, escola de ficção!...

Os agentes da Judiciária começam a evidenciar um perfil muito peculiar.
Nas funções de Inspecção revelam-se uns acabados ficcionistas, compõem personagens a jeito e aguentam novelas com mais de trezentos capítulos. Contudo, não conseguem solução aceitável para a trama imaginada e a obra acaba por exaustão.
Em contrapartida, quando passam à peluda, revelam-se polícias despachados e expeditos e, em três tempos, apresentam a versão autêntica dos factos e a resolução do enigma.
Sao ficcionistas na profissão e apresentam-se como "inspectores" fora dela.
Mas o que está a dar é isto mesmo. O fracasso na função é o êxito da ficção.
Depois dos romances da Joana, os romances de Maddie: a Judiciária reconverte-se em escola de ficcionismo!...

terça-feira, 22 de julho de 2008

Políticos e mensageiros ou de como só o espectáculo é notícia

Há pouco, ao telefone com o Pinho Cardão, comentávamos esta tendência para o espectáculo dos nossos políticos que aprenderam que podem dizer as coisas mais sábias que se não forem temperadas com um qualquer gesto espectacular não passam como mensagem. Ou proferir as maiores imbecilidades que se derem um bom sound bite é seguro fazerem notícia que quase sempre se fica pelo título. E falávamos também de gente que pensa bem e tem razão nas análises que faz, mas que tantas vezes se desacredita porque sente necessidade de enfeitar a razão com o espectáculo, quase sempre qualquer coisa pouco elevada, anedótica ou então desprimorosa para quem se discorda.
Terminada a chamada fui ler as novas do dia, inacessíveis na sala de audiências de onde, por exigências do ofício, não saio há duas jornadas. E uma delas fez-me pensar que, afinal, têm os políticos razão na fuga para o espectáculo.
O texto tem este título em letras garrafais "Ministra aplaudida de pé por autarca social-democrata". Admiti que ali havia mesmo notícia, pois nos tempos que correm aplaudir um ministro é coisa verdadeiramente rara. Ainda para mais, de pé! E, suprema novidade, aplaudida nem mais nem menos do que por autarca social-democrata!
Satisfeita a curiosidade com a leitura do texto, a notícia afinal era outra. E bem mais interessante e relevante do que o fait divers que o título prenunciava. Trata-se do registo de um anúncio feito pela senhora Ministra da Saúde da futura criação, numa zona pobre do interior como é Vila de Rei, de uma unidade de cuidados continuados. Uma inflexão, pois, da política de saúde, a benefício do interior. A atitude da autarca não foi mais do que a natural reacção de quem gosta e se interessa pela sua terra e manifesta a sua satisfação pelo que acontece de bom às suas gentes.
O mensageiro preferiu porém para título o gesto emotivo ao assinalável facto que lhe deu origem.
Com mensageiros destes, é de admirar que alguns políticos apostem na manipulação das emoções, que proliferem as agências de comunicação ou que a cada passo se apresentem para resolver problemas de "má imprensa" os profissionais da mediação comunicacional?

Clima de euforia económica...será verdade?

Lendo de forma articulada muitas das notícias de ontem – algumas requentadas do fim-de-semana – fica-se com a impressão de que nos encontramos em clima de euforia económica.
Vejamos apenas alguns exemplos:
1) Compras pela Internet em Portugal disparam 50% em 2007, contrariando a ideia de que se regista um abrandamento no consumo privado...
2) Défice do Estado diminui quase 30% no 1º semestre de 2008, sendo irrelevante que tenham sido consideradas as receitas de uma nova concessão do Estado à EDP sem inclusão na despesa dos encargos do pagamento à REN (fica para mais tarde)...
3) Saldo positivo da Segurança Social quase duplica até Maio - não interessando que uma parte significativa desse saldo consista em aumento de transferências do Orçamento do Estado...
4) Financiamento das Autarquias foi negativo em € 274 milhões (até Maio), significando que as Autarquias foram capazes de reduzir dívida financeira no mesmo montante, apesar do agravamento generalizado da sua situação de tesouraria...
5) Receitas do Estado aumentaram 4,48% nos primeiros 6 meses do ano, com a EDP, o BP e a CGD a darem uma ajuda decisiva, sendo indiferente que a receita fiscal continue a abrandar...
6) Indústria farmacêutica exporta € 400 milhões em 2008, demonstrando que o sector dos bens transaccionáveis se encontra de boa saúde...até exporta factores de produção para serviços de saúde...
7) Pagamentos por Multibanco aumentaram 10,5% nos primeiros 6 meses de 2008, desmentindo também as notícias de arrefecimento do consumo...
8) Empresas de cobrança de dívidas empregam cada vez mais pessoas, mostrando como o suposto agravamento do endividamento das Famílias e Empresas pode ter, a final, um efeito positivo sobre a economia ajudando à redução da taxa de desemprego...
9) Despesas com subsídio de desemprego diminuem 13% nos primeiros 5 meses do ano, podendo concluir-se que os desempregados/deserdados em Portugal podem finalmente – já não era sem tempo – viver sem a ajuda do Estado, bastam-se com a ajuda de Deus...
10) Como corolário de todos estes dados positivos, o índice PSI-20 da Euronext-Lisboa registou mais uma subida, de 1,63%...
Querem melhor? Não há nada como ter uma eficiente, bem lubrificada (com os nossos impostos, convém lembrar) e permanentemente disponível industria de notícias rosa...
A oposição que se acautele, pois ao contrário do que estará a pensar somos capazes de chegar a 2009 com a percepção de que temos uma das economias mais prósperas do Mundo, fazendo inveja não só aos nossos parceiros da zona Euro e da União Europeia, mas até aos "tigres" da Ásia...
É o País que temos, dirão os habituais pessimistas.
É só propaganda, dirá Medina Carreira...
Mas é o que vai ficando no ouvido e na memória da legião de pobres incautos, acrescentarei.

Massacre por massacre...ao menos que não o pague!...

O Canal público de televisão, em dedicada missão de serviço público, gastou os primeiros vinte minutos do seu principal telejornal de ontem à notícia do arquivamento do processo Maddie. Claro que, a modos de encher chouriço, aproveitou, pela milionésima vez, para revisão da matéria, de especial interesse na instrução dos telespectadores. Para sua melhor elucidação, até houve enviado especial e crónica em directo de Inglaterra. E foi solenemente anunciado que, na próxima 5ª feira, em entrevista exclusiva à RTP, o ex-responsável das investigações Gonçalo Amaral iria fazer revelações que causariam sensação. E até adiantou duas, uma de que já não me lembro e outra de que houve uma testemunha que terá afirmado que a pessoa vista com uma criança ao colo seria o pai de Maddie, que depois recebeu pressões, etc, etc, etc…, a tal tese de que os pais mataram a miúda.
Ora eu pergunto se não é busca de sensacionalismo rasca e barato ir à procura de revelações estrondosas precisamente junto do responsável da equipa que, por nada ter conseguido descobrir, provocou o arquivamento do processo?
Ao canal público de televisão exige-se, no mínimo, que afaste o sensacionalismo doentio e a especulação mórbida, que não são informação, mas espectáculo rasteiro; ao canal público exige-se verdade, sensatez, rigor. Tudo aquilo de que nunca deu mostras consistentes no tratamento do caso em apreço.
Ontem, as televisões privadas até conseguiram despachar o assunto mais cedo do que a RTP. Não contente com isso, o telejornal, depois dos vinte minutos iniciais, ainda voltou ao caso, pelas 20 horas e 40m, logo após um intervalo. Para melhor massacrar os espectadores.
Com política informativa como esta, a RTP demonstrou, mais uma vez, a razão por que não deve existir. Para injecções de sensacionalismo, até em dosagem menor, bastam os outros canais.
Massacre por massacre, ao menos que não tenhamos que o pagar!...

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Contracepção


Um artigo de opinião, publicado hoje, sobre a encíclica “Humanae Vitae”, que vai fazer 40 anos no próximo dia 25 de Julho, despertou-me muitas lembranças e uma certa estupefacção face a certos comentários.
O cronista considera que se trata de um dos “gestos mais corajosos do nosso tempo”, revelando a clarividência de um grande Papa e que “a Igreja não foi a autora dessa lei... mas somente depositária e intérprete, sem nunca poder declarar lícito aquilo que o não é...”.
Subentende-se que o controlo de natalidade através da pílula (e outros meios, menos o dito “natural”) continua a ser considerado como contrário à vontade divina!
É curiosa a comparação que o autor faz entre os casais praticantes que não seguem a encíclica com os “que ao longo dos séculos milhões de católicos disseram mentiras, faltaram à missa ou desviaram fundos”. Ficamos a saber que tomar a pílula é idêntico a mentir, a não praticar e a roubar! Nada mau! Mas não fica por aqui. Afirma que o Papa antecipou e viu as consequências da regulação artificial da natalidade, que estariam abertos os métodos para a infidelidade conjugal, à degradação da moralidade, à perca de respeito pela mulher que acabaria por ser considerada como simples instrumento de prazer! Ficamos a saber que a pílula é responsável pela baixa taxa de natalidade, pela degradação dos costumes e pela falta de respeito com as mulheres. Nada mau! Mas não fica por aqui. Porquê? Porque na sua opinião a pornografia em massa, a promoção do aborto, o divórcio, o deboche, a perversão, o descalabro da educação, a traição, a solidão, a depressão e o suicídio têm a ver com a tal modernidade pós revolução sexual que se estende também à sida e ao insucesso escolar! É de bradar aos céus. Como é possível tamanha catilinária? Antes da “contracepção artificial” o divino céu era na terra! Após a “contracepção artificial” o inferno! Como é que ninguém viu isto até hoje?
Recordo que tinha 17 anos e na esplanada do Café Arcada discutia-se muito sobre a nova encíclica. Ouvia os comentários dos mais velhos. Ouvia e calava, porque naquela altura não nos era autorizado a debater certos assuntos. De qualquer modo, ouvia com muita atenção o que diziam. Segundo eles o Papa fez muito bem, porque com essa coisa da pílula as mulheres passariam a “encornar” os maridos a torto e a direito. Diziam que iam apanhar graves doenças. Que quem tomasse a pílula não podia comungar, que seria excomungada, nem teria funeral cristão, porque era um pecado muito grave e Deus castigaria todas que a tomassem e iam para o inferno. Ouvia e pensava com os meus botões: Ora aqui está a melhor solução do mundo para que as desgraçadas das mulheres não tenham filhos uns atrás dos outros, não terem que fazer desmanchos, alguns dos quais eram fatais, e não serem vítimas das borracheiras orgásticas de maridos, mais que brutos, cuja violência não se esgotava na violação sexual, como ainda lhes cascavam forte e feio.
Nunca consegui habituar-me a ver mulheres com muito filhos na ordem dos seis, sete, oito, nove, dez, doze... Uns atrás dos outros. Todos os anos pariam. A fome e a miséria era tal que ainda hoje recordo ver crianças descalças em pleno Inverno, algumas delas sem calções, com os rabos azuis de frio, com o recto a balancear tipo torcida, sem testículos, porque estes com o frio deviam “subir” para o pobre aconchego da parede abdominal, raquíticos, sujos, olhos esbugalhados de fome, a mendigarem pão. A solidariedade dos pobres levava-os a partilharem o pouco que tinham com os ainda mais pobres, sobretudo crianças. Levei muitas vezes pequenos caixões para o cemitério. Outras vezes já nem perguntava por quem é que o sino tocava! Quantas e quantas vezes a mulher engravidava, queixando-se da sua má sorte, amaldiçoava a besta do homem e tentava, obtendo uns escudos de empréstimo, ir a uma mulher para fazer um desmancho. Nem sempre resultava e às vezes resultava mesmo muito mal.
Enquanto pensava nisto, na futura “libertação” das mulheres, os “machos” dos cafés continuavam a dissertar sobre os perigos da contracepção, profetizando dias horríveis para a Humanidade. Quarenta anos depois, as palavras que hoje li fizeram reviver os velhos “profetas” que, sob a arcada, protegendo-se do sol, teciam conceitos diabólicos sobre o futuro das mulheres.
Viva a pílula! Viva a contracepção! Viva a libertação das mulheres!
Graças a Deus, também dei o meu contributo, ensinando, prescrevendo e esclarecendo...
Quanto aos que não fazem “contracepção artificial”, sendo uma questão de opção individual, não tenho nada a dizer, nem a comentar.

Bolsas Pós-Doc: meus amigos, é aproveitar!...

Meus amigos, é aproveitar!...
O Estado aceita propostas e vai pagar Bolsas para trabalhos necessários, urgentes e inadiáveis que todos podemos fazer!...Uma pechincha, várias pechinchas!...
Trabalhos sobre a “construção do mundo contemporâneo”, por exemplo!...
Também sobre “cidadania e instituições democráticas”!...
E ainda sobre “identidade, migração e religião”!...
Cá por mim, vou candidatar-me ao módulo “família, estilos de vida e escolaridade”, privilegiando o módulo “estilos de vida”, naturalmente na versão de alto standard. Confio que o Estado não seja "michuruca" na Bolsa, para investigar à fartazana e à tripa forra!...
Meus amigos, é aproveitar!...
Bem sei que o Programa se destina a Candidaturas a Pós-Doutoramento e a Cientistas Sociais! Não importa!...
Peço outra Bolsa para doutoraramento em processo acelerado e vou já tomando lugar para o pós-doutoramento.
Decidi tornar-me profissional de Bolsas. Afinal, o Estado existe para velar por mim!...
Meus amigos, é aproveitar, enquanto é tempo!...
PS: Candidaturas a enviar para Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, goretti.matias@icl.ul.pt. Até 5 de Setembro!...
Avante, Camaradas!...Todos aos Pós-Doc de Cientistas Sociais!...O país agradece que se esgote a "massa" do Programa!...

O interesse da fachada!...

Alguns processos recentes impõem que se faça uma séria reflexão sobre a investigação judiciária em Portugal e as prioridades no combate à criminalidade. O Processo de Gondomar, referente ao Apito Dourado, é um deles. A poucas investigações em Portugal terão sido afectados mais meios. Dezenas de milhar de escutas telefónicas, devassa total da vida privada, familiar, profissional, social e política de dezenas de pessoas, despachos de arquivamento, desarquivamento, rearquivamento ou de reacusação, sessenta audiências em Tribunal, centenas de testemunhas, horas e horas de televisão, publicação ilegal de escutas a esmo, a gosto ou a conveniência dos jornalistas, acusações a vinte e quatro arguidos, fariam supor que se tratava da prática de condutas de alta corrupção, gravemente atentatórias do bem público ou de relevantíssimos interesses privados. E quem dizia que era só futebol era olhado de soslaio, porventura até conivente e comparsa da traficância. Afinal, é o próprio Tribunal de Gondomar que vem referir que “as consequências para o bem jurídico protegido foram diminutas, isto no crime de prevaricação e que, na área desportiva, “as condutas foram praticadas… no âmbito de uma competição de média projecção quer económica, quer social”.
Por sentença do Tribunal, as acusações de corrupção do Ministério Público foram liminarmente afastadas, dos 24 réus, 8 foram totalmente absolvidos (e um era acusado de 19 crimes), seis dos 11 árbitros acusados foram abolvidos, e de nenhum crime resultou prisão efectiva.
No fim, os réus condenados foram-no por crimes de que não tinham sido acusados e para os réus serem condenados teve que ser alterada a acusação.
Censurados os réus por sentença do Tribunal, também forçoso é concluir por uma forte censura ao Ministério Público.
Por não saber hierarquizar os processos, queixando-se da falta de meios para investigar a alta criminalidade, mas desviando-os para processos de êxito mediático garantido, mas cujas “consequências para o bem jurídico protegido foram diminutas”, segundo o próprio Tribunal.
E pela ligeireza das acusações, de que não conseguiu prova em Tribunal. Coisa de pouca monta, já que conseguiu, com o prestimoso e entusiástico apoio da comunicação social, o aplauso popular. De facto, também para o Ministério Público o que pareceu interessar foi a imagem e a fachada!...

domingo, 20 de julho de 2008

Horas de aperto

Vem nos livros. Quando a hora é de dificuldades, vá de mudar o discurso para desviar as atenções do que não corre bem. É essa, actualmente, a estratégia do PS e do Primeiro-Ministro, para a qual conta com a prestimosa ajuda de alguns aliados, como o governador do BdP, e de alguma comunicação social incapaz de se aperceber até que ponto pode ser usada desde que a hipnotizem com temas alegadamente de vanguarda.
É isso que explica o "surpreendente" despertar de Vitor Constâncio para a energia nuclear tema sobre o qual se não conhecia o interesse do governador. Ou a ideia irresistível para os media dos temas "socialmente fracturantes" como o casamento entre homossexuais no momento em que regressamos aceleradamente ao estatuto de País empobrecido.
Neste quadro se devem entender as palavras de José Sócrates, hoje, no Congresso da J.S., essa organização que dá um jeitão nestes momentos de declinação do léxico da "hora do aperto":
  • «Olho para o passado e não me lembro de um período que o PS estivesse no Governo e que em três anos tivesse deixado tanta marca no domínio da civilização, da forma como vemos a sociedade, das escolhas políticas pela autonomia, pela liberdade, das escolhas políticas progressistas, sem imposições morais nem tabus, por mais liberdade e melhores condições de autonomia individual, mas também mais liberdade e responsabilidade».
Porém, enquanto o Secretário-Geral do PS e Primeiro-Ministro se gaba de ser o campeão das marcas deixadas na civilização e das escolhas políticas progressistas, o triste retrato do País faz-se destes testemunhos...

As 18.000 escutas do Major!...

Depois de dezoito mil escutas, 18.000, o Tribunal não viu a corrupção que o Ministério Público adivinhou na conduta desportiva do Major. Apenas o condenou por abuso de poder.
Mas, na malha das 18.000 escutas desportivas, verificou-se que o Major, nas suas funções de Presidente da Câmara, adjudicou, por 19.500 euros, um trabalho para o site do Município, a pedido de um amigo. Esta “cunha” teria forçado a anulação de adjudicação anterior, referente a uma proposta mais barata, de 10.000 euros. O Tribunal deu como provado o crime e condenou Valentim Loureiro por prevaricação.
Depois disto, considero que o Major é um Autarca verdadeiramente exemplar!...
Pois, que político se pode gabar, depois de 18.000 escutas e de uma devassa total da sua vida pública e privada, de se ver surpreendido apenas por uma irregularidade num concurso de 19.500 euros?
Vi e ouvi o Major zangado com a sentença. Não me parece que tenha razão: a sentença foi um prémio. Que melhor arma pode brandir numa disputa eleitoral? Uma irregularidade de 19.500 euros, depois de ser escutado 18.000 vezes, durante meses e anos? Dificilmente vejo alguém a fazer melhor. Fosse eu eleitor em Gondomar e o meu voto era p´ró Major!...

sábado, 19 de julho de 2008

“D. Augusta e a vacina contra a gripe”...

Os doentes quando nos procuram necessitam mais do que a singular consulta ou a passagem de medicamentos. Gostam e querem conversar. Não vejo mal nenhum, pelo contrário, ao ponto de muitos, bastante perspicazes e inteligentes acabarem por "fazer-nos" uma consulta! Vêem os nossos estados de alma, se estamos com ar cansado, se estamos mais magros, enfim, doentes a preocuparem-se com a nossa saúde.
A D. Augusta, que já ultrapassou há alguns anos os oitenta, com bom ouvido e melhor cabecinha, apesar do cansaço do seu coração, procurou-me para fazer o seu reabastecimento farmacológico, desta feita reforçado, pelo facto de saber que vou entrar de férias no próximo mês de Agosto. - Então senhor doutor vai tirar férias em Agosto como é habitual, não é verdade? Mas olhe lá o que é que se passa consigo? Está tão magro! Anda doente? - Hum! Mais ou menos! Tenho feito dieta e muito exercício. Por isso estou com este aspecto. - Pois é! Disse a D. Augusta, meio desconfiada. Delicadamente, aumenta o tom de voz e adverte-me para que em Setembro ao lhe passar a vacina contra a gripe lhe prescrevesse uma melhor do que a do ano passado. - Melhor?! São todas iguais! - Desculpe senhor doutor mas não devem ser. O senhor lembra-se das gripes que apanhei este ano. - Gripes?! Mas a D. Augusta não apanhou gripe nenhuma! O que teve foram umas constipações que não tem nada a ver com as gripes. São coisas distintas, até os vírus responsáveis são tão diferentes. O povo é que tem muitas vezes o hábito de dizer que anda “engripado”, mas na realidade anda mas é “constipado”. Oh D. Augusta, às tantas a senhora nunca teve uma gripe, das valentes. - Mas pode matar, não pode? Claro que pode. É muito sério adoecer com gripe, sobretudo se for de uma certa idade, se sofrer de algumas doenças, como é o seu caso, do coração, dos pulmões e dos brônquios, de diabetes, enfim sempre que estejam diminuídas as nossas defesas. - Compreendo, mas o senhor doutor tem que passar a receita logo no princípio, porque tenho receio de que possam esgotar. Afinal, porque é se esgotam as vacinas? - Porque a maioria quer vacinar-se! - Mas não deviam ser só os doentes e pessoas de idade? Bom, em princípio nada impede que um cidadão jovem e saudável se vacine, sobretudo se, devido à sua actividade, correr mais riscos de a contrair. - Caso dos médicos? - Dos médicos e do restante pessoal de saúde ou profissionais que lidam com grupos de pessoas mais vulneráveis, caso de idosos, lares e instituições para deficientes, centros de reabilitação ou que exerçam actividades prioritárias. - Então o senhor doutor vacina-se todos os anos? - Não! Nunca me vacinei. E olhe que devo chegar a levar com "toneladas" de vírus. Sabe, os seres humanos têm necessidade de ser “agredidos” de forma a manter em bom funcionamento o organismo. Em princípio, se formos saudáveis e não muito entradotes, não vejo grande necessidade na vacinação, a não ser que o vírus deste ano seja particularmente virulento. Se for esse o caso, as autoridades mundiais e nacionais darão os conselhos necessários se valerá ou não a pena em estender a vacinação aos grupos de baixo risco. - Isso tem a ver com a gripe das aves? - Nada. Rigorosamente nada. Essa é outra história. - Mas agora ninguém fala dela! - Pois não! Com tantos acontecimentos que andam por aí, "esqueceram-se"! Não faltam notícias! Mesmo que morram patos nos lagos dos jardins já não atraem as televisões! A senhora riu-se do comentário. - Diga-me lá uma coisa. O senhor doutor disse que nunca se vacinou contra a gripe. E este ano? Vai vacinar-se? Estupefacto, questionei: Mas, por que é que pergunta? - O senhor doutor não disse, ainda há pouco, que andava mais ou menos doente e que por esse motivo começou a fazer dieta e exercício? - É verdade! - E não é médico? - Sou! Perante a subtileza da senhora, lá lhe confessei que tive conhecimento, há pouco tempo, de que sofria de diabetes, e que agora tinha que me cuidar como deve ser. – Bom, nesse caso, em Setembro, quando vier buscar a receita para a minha vacina eu lembro-lhe de que também tem que a tomar. E, pelo sim pelo não quero uma igualzinha à sua. Boa saúde e óptimas férias, senhor doutor. - Obrigado D. Augusta. Também para si. Até Setembro, e não se esqueça de tomar os medicamentos. – Não esqueço, graças a Deus eu ainda tenho uma boa cabecinha!

A "longa metragem" da pobreza (I)

Foi publicado recentemente o Estudo sobre a “Pobreza e Exclusão Social em Portugal” sob a coordenação do Professor Alfredo Bruto da Costa. Têm sido aliás divulgados aqui e ali resultados deste Estudo, mas sem o necessário enquadramento.
Este Estudo há muito que fazia falta porque não só não eram tratadas de forma compreensiva as estatísticas sobre a pobreza, mas também porque faltava uma perspectiva fundada sobre as dimensões estruturais do problema, procurando, fazer a necessária distinção entre os aspectos conjunturais e os aspectos estruturais que explicam as características da pobreza.
De entre os muitos indicadores apresentados, cuja total compreensão implica a sua leitura integrada, o Estudo conclui que a taxa de pobreza anual continua persistentemente na ordem dos 20% e que no período de 1995 a 2000 passaram pela pobreza, em pelo menos um desses seis anos, 47% das famílias ou seja quase metade das famílias portuguesas e que 72% dessas famílias foram pobres em dois ou mais anos desse período.
Estes resultados são bem demonstrativos da gravidade da dimensão da pobreza. Um outro dado preocupante é que cerca de 52% dessas famílias tem o trabalho – por contra de outrem ou por conta própria – como fonte de rendimento e 38% é proveniente de pensões
De entre os factores estruturais que explicam a dimensão da pobreza, encontra-se a educação. Não constitui novidade o baixo nível de escolaridade da população portuguesa. Apesar dos significativos progressos alcançados na educação, quando comparamos a situação actual com a que tínhamos há duas décadas atrás, a evolução não foi suficiente para contrariar a elevada taxa de pobreza
Com efeito, os dados apresentados no Estudo demonstram a nossa incapacidade acumulada de actuar sobre a redução da pobreza através da educação. A situação de pobreza que afecta os trabalhadores por contra de outrem – 30%, ou seja, 1/3 dos pobres – é explicada, segundo o Estudo, pelo baixo nível dos salários praticados, assim como refere que “existe uma forte relação entre o nível de escolaridade atingido pelos pobres e a idade em que começam a trabalhar, sendo que aquele nível é tanto mais baixo quanto mais cedo as pessoas entraram na vida do trabalho”.
Com efeito, segundo o Estudo, “da análise dos níveis de escolaridade completa da população pobre em dois momentos – 2000 e 2004 – verifica-se, …, que o baixo nível de escolaridade continua a ser uma característica estrutural da sociedade portuguesa”. Os dados de 2004 demonstram que entre as pessoas pobres 30% não completaram qualquer nível de ensino e 47% atingiram, no máximo, o 2º ciclo do ensino básico. Apenas 2,7% tinham completado o ensino superior.
É patente nos dados trabalhados a forte relação existente entre a pobreza e o capital escolar. Os baixos níveis de escolaridade conduzem a situações profissionais pouco qualificadas e geradoras de baixos níveis salariais, contribuindo para a precariedade do emprego, quer no que se refere à estabilidade do rendimento quer no que se refere ao nível do rendimento. Embora não sendo uma característica da situação da maioria das pessoas pobres, a precariedade laboral é apresentada como um factor de vulnerabilidade da pobreza,
A educação assume por isso um papel fundamental no caminho do desenvolvimento, sem o que não conseguiremos quebrar o ciclo vicioso da pobreza. Esta constatação também não é novidade, mas os dados demonstram que a ineficácia das políticas prosseguidas.
Estão em causa políticas que assegurem efectivamente condições (1) de acesso normal das crianças pobres ao sistema educativo, para o que se torna necessário conceder apoios sociais ajustados às efectivas necessidades das suas famílias, e (2) de aproveitamento escolar, através de medidas concretas de combate ao abandono e insucesso escolar. O acompanhamento prolongado, desde tenra idade, do percurso das crianças no meio escolar e a estabilidade dos apoios em meio familiar em situações de manifesta dificuldade financeira são fundamentais.
A estabilidade e a sustentabilidade destas políticas são fundamentais. As intervenções conjunturais ou no topo da pirâmide escolar não resolvem o problema, como está bem provado na caracterização da pobreza. A esta necessidade não pode estar dissociada a ideia central de que é preciso actuar sobre as pessoas e não sobre números. Uma actuação eficaz sobre as pessoas resultará positivamente sobre estatísticas sustentáveis.
Temos que ser capazes de elevar o nível de escolaridade do País, pois de outra forma não só continuaremos a sentir grandes dificuldades em obter ganhos sustentáveis de produtividade como não seremos capazes de reduzir estruturalmente o fenómeno da pobreza.
Actuar, em geral, sobre o nível educacional e, em particular, sobre a educação das crianças e jovens das famílias pobres é um caminho estruturante e sustentável, capaz de ajudar a quebrar o ciclo vicioso da pobreza. A política do subsídio, só por si, não resolverá o problema, antes contribuirá para o empobrecimento da pobreza.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Justiça que dificilmente se mantém de pé


Hoje, último dia de uma sessão legislativa fértil em debates parlamentares estéreis, a maioria aprovou, sozinha, o novo mapa judiciário. Não houve abstenções mas discordância frontal e declarada de todas as bancadas da oposição. À esquerda e à direita.

A questão da organização judiciária é complexa. Não permite aqui uma análise ainda que perfunctória do que significa a conversão das 231 comarcas actualmente existentes em 39 circunscrições ou tribunais regionais, divididos por cinco distritos judiciais para além das outras medidas que o decreto que agora segue para promulgação consagra, em especial no que respeita ao governo dos tribunais.
Devo confessar que nem sequer estou em desacordo com os princípios gerais da reforma do chamado mapa judiciário. As dúvidas que tenho incidem sobre algumas das soluções. Embora, como tenho escrito repetidamente, a crise da justiça não está a meu ver nas suas estruturas nem na sua organização, está nos actores, em todos os actores judiciários sem excepção. Sem olvidar a cegueira do poder político, neste plano mais aguda do que a cegueira da própria justiça.
O que me importa aqui assinalar é a ausência de sensatez da maioria PS. A deliberada preferência por esta forma de soberba política que nada tem que ver com o interesse do País e que se materializa na imposição da sua reforma contra todos, num sector onde se sabe que o êxito de qualquer mudança depende da convicção e do empenho daqueles que a têm de protagonizar.

Dirão alguns que governar é decidir. E que é esse o mandato do governo e da maioria que obedientemente o sustenta no parlamento. Decidir muitas vezes contra interesses corporativos a favor do interesse geral.
Estou de acordo.
Mas convém reparar que neste caso se legisla não contra os interesses de grupo ou de alguns grupos, mas contra praticamente todos. E sobretudo contra o raro consenso que se formou ao redor da ideia de que é necessário um pacto para a reforma da justiça, condição essencial do desenvolvimento do País, porque é isso, para além do direito ao acesso à justiça, que fundamentalmente está em causa.

A par da dissolução do animus da Nação, continua imparável a degradação corporal da justiça, condenada a sobreviver sem crédto de quem quer que seja, e sobretudo sem dignidade.