Na ressaca da consulta popular sobre o fim voluntário da gravidez (interrupção é algo que, por definição, pode ser continuado, o que, obviamente, não acontece se uma gravidez for “interrompida”…), muito se tem discutido sobre a figura do referendo na ainda jovem democracia portuguesa.
E, dos mais variados quadrantes, tenho ouvido, lido e visto muitos comentadores, analistas e políticos cá do burgo defenderem que a “instituição referendo” está em perigo, ou que Portugal ainda não está preparado para consultas deste género. Claro que este raciocínio resulta do facto de, em qualquer um dos três referendos realizados até agora, a grande vencedora sempre ter sido a abstenção, porque a verdade é que, em todos, nunca o número de votantes atingiu 50% dos inscritos. O que, de acordo com a Constituição, significou que os resultados obtidos nunca foram juridicamente vinculativos – ainda que, politicamente, nunca pudessem ser ignorados (como não foram…).
Não concordo com esta análise. É verdade que nos três referendos até agora realizados, o número de votantes sempre foi baixo. Apenas 31.9% no primeiro referendo sobre o aborto (1998); 48.3% no referendo sobre a regionalização (1998); e, agora, 43.4%.
Mas não creio que se possa afirmar que os temas que foram objecto de referendo constituiam temas do topo da agenda do país, ou temas que fossem considerados vitais pela população. Por mais que determinados políticos da nossa praça assim tenham querido fazer crer.
Alguém de bom senso acreditará que o fim voluntário da gravidez e a despenalização do aborto se realizado até às 10 semanas, por opção da mulher, era o problema prioritário com que os portugueses se debatiam? E que, por força de o “sim” ter vencido, todos os nossos problemas ficaram resolvidos? Será que os nossos salários vão crescer mais por causa disso? Ou que o nosso desemprego se reduzirá? Ou será que, por força deste resultado, o nosso crescimento económico vai ser tal que finalmente retomaremos a convergência real para a média europeia? Ou ainda que as listas de espera na saúde sejam encurtadas?
Aliás, para além disto, não se tratava de uma questão que podia ter sido resolvida no Parlamento?! Não é também para solucionar assuntos destes que a Assembleia da República existe?!... Para quê submeter novamente à consideração da população uma questão que, há quase 9 anos atrás, tinha suscitado muito pouco interesse e tinha resultado num rotundo fracasso? Pois apesar da subida da votação, mais uma vez ficámos longe dos 50% de votantes…
E no referendo sobre a regionalização, será que naquela altura (ou ainda hoje…), a divisão em regiões administrativas de um país que já ele é pouco maior do que algumas províncias espanholas, era algo por que os portugueses desejavam ardentemente pronunciar-se? Não creio, como os resultados demonstraram (e, mesmo assim, foi, dos três referendos, o que registou participação mais elevada…).
Penso, pois, que os referendos até agora realizados no nosso país tiveram sempre uma fraquíssima participação porque os temas sobre os quais os portugueses foram chamados a pronunciar-se não lhes captaram a atenção. Ou, se se quiser, não constituíam, claramente, as suas prioridades. Eram, talvez, a prioridade para uma determinada franja da classe política. Mas não mais do que isso. E, definitivamente, não o eram para a população.
Suponhamos agora que, em 1984 ou 1985, tinha sido submetida à consideração da população a nossa adesão à então CEE, em 1986, como acabou por acontecer. Não teria esse referendo tido uma elevada participação? É bem provável.
E imaginemos por um momento o que sucederia se hoje fosse submetido à consideração da população, em referendo, o aumento da idade da reforma. Não será que a esmagadora maioria dos eleitores votaria? Creio, obviamente, que sim…
Tristemente, os referendos que até hoje foram realizados não mobilizaram a nação. E foi por isso que, em todos eles, a abstenção foi a grande vencedora. Mas não é por isso que a “instituição referendo” deve ser colocada em causa.
Na verdade, se alguém precisa de retirar daqui ilações é a classe política (a que pertenço…). Que não submeta à consideração da população temas que só a uma minoria interessam. Sejam referendadas questões que verdadeiramente interessam o país e mobilizam a população, e estou absolutamente convicto que logo teremos resultados vinculativos e a abstenção derrotada.