Tarde de verão. O sol abrasava a terra. As águas dos rios e lagos não conseguiam dormir. Os animais da terra e do ar escondiam-se à sombra do verde das árvores e da vegetação e até os peixes procuravam as profundezas para não sentirem o calor que ondulava à superfície. Era um momento estranho, em que o silêncio dominava o mundo iluminado e aquecido pelo sol. Nesse momento uma cobra, magra, esguia e muito comprida, de cor de esmeralda, começou a serpentear em campo aberto ciente de que a sua liberdade não estaria em perigo. Sempre soube que era desprezada e odiada por todos. Evitava qualquer tipo de contacto. Tinha emergido da sua caverna onde a escuridão era compensada pela sabedoria e segredos únicos que só ela dominava, mas precisava também de sentir o calor daquele astro mais estranho do que o silêncio e mais confuso do que a negritude da sua caverna. Eis que uma águia a viu. Em voo picado aproximou-se dela. Assustada, empertigou-se, e tentou defender-se. Mas a sua cor verde fez confusão à ave que vê todo o mundo do alto dos céus. Perguntou-lhe porque é que tinha aquela cor. A serpente respondeu-lhe que era a cor da terra onde tinha nascido. O céu debaixo da terra é verde. A águia não acreditou. Só havia um céu, que era o dela, azul mesmo nos dias em se vestia de nuvens. Ela sabia o que dizia porque era a rainha e senhora dos céus do mundo. A cobra, sempre em posição de defesa, explicou-lhe que há outros mundos, desconhecidos de reis e rainhas, sejam da terra, dos mares ou dos ares. São mundos desconhecidos e ricos, sem os quais não haveria ar, terra, céu, mar, florestas e até a própria vida. Ela pertencia a esse estranho mundo. De quando em vez saía da sua casa para poder ver o azul e calor do céu e tentar dizer que o que não se vê é muito importante. Chegou a dizer à águia que não conseguia ver tão bem como ela, porque não tinha os seus olhos, mas conseguia sentir mais do que qualquer outro animal. O que sabia e sentia nunca poderá ser conhecido pelos outros animais. A águia bem tentou que lhe explicasse como era o seu mundo e que segredos encerrava. - Para isso terias de voar até lá, mas nunca conseguirás, nem tu e nem os animais que voam ou nadam. Apenas alguns animais terrestres conseguem ir até à porta desse mundo, mas nós, as serpentes, conseguimos conhecer o que mais ninguém consegue. Somos donas de conhecimentos únicos, profundos. - Diz-me uma coisa, serpente verde. Porque é que as pessoas têm medo de vocês, fogem e querem matar-vos sempre que vos veem? Porque são consideradas como seres malditos? - Simples. Porque representamos o que as pessoas são, o que pensam, o que desejam e tudo o que de mais estranho a vida tem. Somos a imagem real dos medos dos outros seres vivos. Mas a minha cor verde é apenas para dizer que há um mundo desconhecido em que a esperança existe, mas que nunca será conhecido por mais ninguém. — Nem por Deus? Perguntou a águia. A serpente calou-se. Deitou-se e, lentamente, começou a serpentear aproveitando o momento de espera da águia desejosa de ouvir a reposta enquanto olhava para o belo céu azul. Subitamente, o céu mudou de cor. Foi então que a águia deu conta que a serpente tinha entrado numa profunda caverna, deixando no local uma bela esmeralda que brilhava intensamente, iluminando o mundo em redor de uma estranha e bela cor verde. A águia ficou confusa. A partir daí nunca mais se aproximou de nada que fosse verde.
Número total de visualizações de páginas
domingo, 31 de julho de 2022
sexta-feira, 29 de julho de 2022
"Consciência é igual a trabalho" ...
Não sei o que pensar. Fazer, sei. Cumprir uma banal e ofensiva rotina. Ofensiva? Sim, porque se respeito o trabalho dos outros também quero que respeitem o meu. O pior é que este país joga o “faz de conta”. Eu “jogo” sempre a sério, mesmo com sacrifício. Respeito o trabalho, porque é a sublime expressão da dignidade humana. De todas as características humanas assinalo o trabalho como a mais sublime de todas.
Um dia, há muitos anos, numa conferência, alguém fez uma pergunta divinal, “Quando é que o homem começou a trabalhar?”. Confesso que não estava à espera. Normalmente tenho quase sempre resposta para tudo. Não sou um ser inibido ou inibidor. Adoro os espaços coletivos, onde a palavra atinge a sua expressão mais elevada. E as perguntas? Adoro que me façam perguntas. Fiquei em silêncio durante algum tempo e fui sincero. “Olhe, não sei responder neste momento, mas vou pensar no assunto. Se encontrar uma resposta, a minha, naturalmente, terei muito gosto em lhe dizer”. E assim foi. A pergunta nunca mais me largou. Passou a ser uma espécie de sombra da minha alma. Atento a tudo o que lia ou pensava, queria satisfazer a angústia despertada por aquela pergunta, tanto mais devido às minhas responsabilidades em matéria de saúde ocupacional.
Um dia, ao ler mais uma obra de Carl Sagan, presumo que deve ter sido os “Dragões do Éden”, este notável pensador e cientista fez uma interpretação, que considero uma das mais brilhantes, ao dizer que a expulsão de Adão e de Eva do paraíso foi o momento da tomada de consciência da nossa espécie. Pensei, se esse momento é o nascimento da nossa consciência, então, viver através do suor do rosto e da dor é o sinal inequívoco do começo do trabalho, logo, consciência é igual a trabalho. Se a consciência é o momento do nascimento da nossa espécie, trabalho passou a ser a nossa verdadeira e “divina” identidade. Por esta razão, considero o trabalho, seja ele qual for, como a expressão máxima do respeito e dignidade humana.
Gostava tanto de encontrar o autor daquela pergunta e dizer-lhe qual foi o momento “em que o trabalho nasceu”; para mim foi no preciso momento em que tivemos consciência da nossa existência, quando fomos expulsos do paraíso…
Quatro anos depois…
Faz hoje quatro anos que publiquei o meu último post no blog Quarta República, “Morte e anjos”, uma reflexão das minhas vivências com o denominador comum de qualquer espécie.
Tenho imensas saudades de escrever neste espaço e das amizades entretanto criadas.
Não sou dado a grandes reflexões políticas, mas sou atraído pelas de natureza social, cultural, técnica, científica e, sobretudo, pelas histórias da vida que vou colecionando e fazendo parte de muitas delas.
Tantas saudades. Parte da minha vida andou por aqui, e ainda bem, porque aprendi, sonhei e escrevi…