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domingo, 28 de fevereiro de 2010

O nosso maior passivo

A última edição do Expresso do dia 27 de Fevereiro refere um estudo publicado recentemente pelo National Bureau of Economic Research (NBER), de Kenett Rogoff e Carmen Reihardt, que mostra o comportamento do crescimento económico face à evolução da dívida pública. Aliás, a este estudo aludi já em post anterior.
O Prof. Rogoff estudou séries longas de 44 países, entre os quais Portugal. O estudo evidencia que, nos anos em que a dívida pública foi inferior a 30% do PIB, Portugal cresceu em média 4,8% ao ano. Quando a dívida pública esteve entre 30% e 60% do PIB, o ritmo foi apenas de 2,5% e com a dívida acima de 60%, caiu para 1,4%.
Estes dados confirmam os resultados de um outro estudo, que neste momento não consigo localizar, referente à década de 90. Das 3 grandes economias (EUA, União Europeia e Japão), a economia dos EUA foi a que mais cresceu e foi a que mais diminuiu a dívida pública. Ao contrário, a economia do Japão foi a que menos cresceu e foi a que mais aumentou a dívida pública.
A economia dos países que vieram a integrar o Euro cresceu menos que a americana, mas a sua dívida aumentou, enquanto a americana diminuiu; e cresceu mais que a japonesa, mas a sua dívida subiu menos do que esta.
A coerência é total: nas 3 grandes economias o crescimento do PIB é inversamente proporcional ao crescimento da dívida pública, o que significa a ineficiência da despesa pública como factor de crescimento ou de sustentabilidade da economia, nomeadamente no caso de países com débil poupança e elevada carga fiscal. Como é o caso português.
Algo que em Portugal ainda não é reconhecido, nomeadamente pelo Governo, que vem aumentando todos os anos a despesa pública, nomeadamente a corrente, em termos nominais, em termos reais e em termos de PIB. Com o consequente endividamento e as nefastas consequências, no imediato e por longos e longos anos. De 2004 para 2010, a dívida pública passa de menos de 63% do PIB para 88% do PIB.
Com a sua actuação, o Governo tem sido, ele próprio, o maior passivo deste país.

De como as más notícias correm depressa, quer se queira, quer não

Há dias assim, que começam logo mal e depois parece que tudo se desenrola dentro do mesmo signo, a dar para o torto, numa espiral em que a pessoa se sente à mercê do que possa ainda suceder-lhe.
Na 6ª feira de manhã parei uns minutos na rua ao pé de casa a cumprimentar uma pessoa e passou por nós um homem que parecia apressado, deu-me um encontrão e senti um puxão na mala que levava bem presa no braço. Agarrei-a com toda a força mas fui arrastada, poucos metros à frente um carro esperava o homem e logo arrancou com a porta aberta, por sorte larguei a mala antes de ser atropelada no asfalto. Por um triz não me magoei seriamente, mas o instinto de defesa é assim, a sorte ou o azar também, para as histórias que tenho ouvido depois disso, posso considerar que podia ter corrido pior. É tudo muito rápido, as pessoas assistem estupefactas, deve parecer-lhes um filme como me parecia a mim, num instante uma pessoa é só instinto e raiva, nem tem tempo de raciocinar. A polícia chegou pouco depois e só tenho que reconhecer o atendimento e os cuidados dispensados.
Preparei-me para recuperar a tranquilidade no fim de semana mas os meus problemas não acabaram aí.
Em regra, evito preocupar com os meus assuntos as pessoas que me rodeiam e hesitei antes de avisar as pessoas de família mais próximas do que me tinha sucedido, para não as assustar inutilmente mas, como as más notícias correm depressa, pensei que mais valia ser eu a contar e aligeirar as coisas, para evitar dramas. Foi uma sorte, porque hoje um jornal de grande circulação achou por bem publicar a notícia em grandes parangonas, com cópia de detalhes baseados nas minhas declarações à polícia, identificando-me como o meu cargo profissional que, de resto, nunca mencionei nas ditas declarações, nem vinha para o caso. Suponho que alguém viu o meu nome, associou, transmitiu e o jornal nem teve a amabilidade de me telefonar a perguntar se eu me importava que dessem conta pública de um episódio algo dramático da minha vida pessoal, ou se isso me iria causar mais danos do que os que eu já tinha sofrido. Não percebo com que direito o fizeram, nem se é hábito saberem quem declara o quê na polícia mas, já que se consideram donos da vida das pessoas que de algum modo reconheçam da vida pública, ao menos podiam pensar que, por simples humanidade, deviam poupar alarmes e grandes choques aos que as estimam, pessoas de família e amigos que ficaram aterrados com a descrição, sempre apimentada, como é hábito. Com a sua ânsia de escândalos, nem pensam no mal que fazem e, indirectamente, me fizeram fazer às pessoas de quem gosto e a quem tento poupar a aflições a todo o custo. Quem tem um jornal devia pensar nisso, que trata com pessoas e não apenas com “notícias”, mas duvido que sequer valha a pena insistir.
Bem, não havendo remédio, houve pelo menos uma vantagem. É que recebi muitos telefonemas amigos, que agradeço de todo o coração, e aproveitei para reconstituir boa parte da minha lista telefónica, que voou com o telemóvel na mala. Tudo o mais, talvez até a confiança de andar na rua com alegria, vou recuperando com o tempo e a ajuda amiga, que sempre encontro com generosidade.

Cães. Uns mordem, outros lambem.

Uma sexta-feira de manhã, fria e chuvosa, que teima em perpetuar um longo período de invernia, ofereceu aos transeuntes do Parque Verde um quadro pouco habitual. No meio das grelhas do espaço hídrico, junto ao muro dos esguichos, encontrava-se um pequenino cão preto a tremer vigorosamente, sinal de hipotermia mais do que evidente. Várias pessoas presenciavam a cena, incentivando o animal a sair de tão desconfortável situação. No entanto, o animal ignorava os diversos apelos, mantendo-se pateticamente na água fria sem que houvesse motivo, já que não estava aprisionado. Uma senhora, ao presenciar a cena, não esteve com meias medidas. Descalçou-se e mergulhou as pernas naquele pequeno lago que parecia uma amostra das águas geladas da Antártida. Ao aproximar-se, desejosa de libertar o animal de tão insólita situação, foi sujeita a uma reação hostil acabando por ser mordida num dedo. Cão pequeno, mordidela pequena. Mesmo assim, voltou à carga, mas desistiu face a um rosnar aos tremeliques mais do que suficiente para dissuadir quem quer que seja. Sem perder o controlo, solicitou a comparência de técnicos municipais que resolveram o problema resgatando o animal.
Como é que o pobre cãozito foi parar aquele sítio? Por vontade própria? Não creio. É animal, mas não deve ser estúpido ao ponto de entrar e permanecer no inóspito espaço. Será que alguém o terá lançado durante as incursões noturnas dos predadores urbanos que costumam rondar aquelas bandas? A reação do animal era previsível? Talvez sim, talvez não. Às tantas reagiu à aproximação da senhora como sendo um sinal de perigo. Não soube vislumbrar o gesto de carinho e de ajuda que lhe estava a ser oferecido. Para ele, quem sabe se a visão de um ser humano não terá desencadeado tamanha desconfiança!
Nem sempre os animais se comportam desta maneira. Há quarenta anos, no último dia de veraneio na praia, presenciei, na avenida à beira-mar, um carro a atropelar um cão. Um miúdo ao meu lado gritou e ficou especado. O carro continuou na sua marcha. Entretanto, várias pessoas pararam para ver o pobre animal que gemia, gritava, uivava, ladrava, fosse o que fosse, exprimindo sofrimento capaz de gelar a alma de qualquer um. Aproximei-me do animal e ouvi vozes a advertirem-me do perigo que corria, porque o animal podia morder. Indiferente aos avisos, olhei para uns olhos tristes, mortiços e cheios de dor. Toquei-lhe ao de leve no dorso, deixou. Em seguida comecei a fazer-lhe festas até chegar ao cachaço, deixou. Acalmou-se um pouco e a cabeça tombou no asfalto. Vi que tinha a perna partida. O miúdo que tinha dado o grito, estava à minha frente. Acocorou-se. Perguntei-lhe? – Conheces o animal? – Sim. É de um senhor que mora lá em cima. Ao mesmo tempo apontava com a sua mãozita para o cume da colina. – Como é que ele se chama? – Não sei. És capaz de arranjar um pedaço de madeira e umas tiras quaisquer para imobilizar a pata? Sai disparado e de repente traz-me umas roupas velhas e um pedaço de madeira, mesmo à maneira. O cão virava, de vez em quando a cabeça com olhos de dor, mas não ladrava, nem uivava. Deixava fazer tudo. Segura aqui no pescoço, mas docemente. – Sim. Coloquei a tala na pata traseira e com ajuda das tiras de roupa velha consegui imobilizá-la. Parti do princípio que com os animais também se aplicam os princípios dos humanos, embora andasse no segundo ano da faculdade. Após o gesto ortopédico, agarrei com muito cuidado no rafeiro e coloquei-o à sombra, no passeio, à guarda do miúdo que ficou incumbido de avisar o dono do sucedido. Estava a dar as instruções quando o animal vira novamente a cabeça na minha direção e começou a lamber a minha mão. Nem queria acreditar. Não só não me mordeu como ainda agradeceu à sua maneira. Provavelmente, no futuro, sempre que visse um carro deveria ficar com uma vontade louca de o morder, ao associá-lo ao seu drama. Mal ele sabe que quem conduz os carros são os humanos. Se tivesse sabido naquela altura quem tinha sido o autor do seu sofrimento, um ser humano, às tantas não me deixaria tocá-lo e, provavelmente, até me morderia.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Libertar o futuro

O problema dos défices gémeos de Portugal – externo e público – tem sido abordado amiúde neste e noutros espaços de reflexão. Pessoalmente, considero que o nível excessivo de endividamento que temos vindo a acumular constitui uma restrição que impende sobre a nação como a espada de Dâmocles. A manter-se tão aberrante distorção, a qualquer momento, por erro próprio, capricho externo ou outra qualquer vicissitude, podemo-nos ver colocados numa situação de grande “aperto” financeiro que obrigará a acções correctivas draconianas e sem outro critério que não aquele que for imposto por quem se decida a nos “apoiar”. Até aqui, porém, nada de novo.

O que é novo é o facto da discussão do endividamento excessivo ter deixado de ser exclusivo de alguns economistas “profetas da desgraça” e ter começado a permear o discurso político. Em particular, foi com grande regozijo que ouvi Paulo Rangel, no discurso de lançamento da sua campanha em Lisboa, enunciar como principal desígnio para o nosso país, o combate aos défices gémeos. Cunhando esse desígnio de “Libertar o Futuro”, Rangel declarou que o excesso de dívida é um elemento castrador e cerceador da liberdade individual. Ao fazê-lo, Rangel resgatou o tema do universo exíguo da economia financeira para lhe conferir uma dimensão política – diria mesmo, civilizacional. É que, convém não esquecer, o excesso de dívida é sintoma de um determinado projecto de sociedade; um projecto que assenta numa lógica de gratificação imediata, sobre a forma de um consumismo – público e privado – insustentável, que atira para as gerações vindouras o ónus, mas não o proveito.

Se, como parece estar a acontecer, o imperativo financeiro de drástica redução dos níveis de endividamento nacional se instalar de forma definitiva no discurso político, pode ser que o tormento contemporâneo se transmute num catalisador de mudança de concepção na forma como nos organizamos em sociedade.

Arte de perder tempo!...

Segundo a magistrada Cândida Almeida, no Público de ontem, "nos 10 anos do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) foram feitas 64 acusações por actos de grande corrupção e apenas 19 condenações".
Pois é, querer provar o improvável é a arte mais fácil de perder tempo e ter o pessoal a fazer que anda...

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Moda primavera-verão


Por este andar...

Sugestão para o fim-de-semana…


Josefa de Óbidos -- Natureza-Morta com Doces e Barros

Fui ver a exposição "A PRESPECTIVA DAS COISAS" no Museu Calouste Gulbenkian. É uma exposição internacional dedicada ao tema da Pintura da Natureza-Morta na Europa, sendo a primeira do género realizada em Portugal. Reúne uma colecção única de (creio) 71 pinturas dos séculos XVII a XVIII, vindas de muitos museus e coleccionadores privados.
Aqui podemos encontrar obras, sem demérito para muitos outros, de Josefa de Óbidos, Clara Peeters, Linard, Goya, Rembrandt e Chardin. É uma mostra de beleza e engenho artístico que nos convida à reflexão sobre as maravilhas da natureza.
Nesta exposição somos encantados com a habilidade e o requinte do tratamento artístico, entre outros, de frutos, guloseimas e sobremesas, caça e peixes, cozinhas, banquetes, colares e pérolas, flores e instrumentos musicais, que conduzem o visitante a experimentar uma variedade grande de sentimentos e sensibilidades. O perfume de um ramo de rosas, o sabor de um doce de chocolate, a frescura de uma maçã, o paladar de um queijo ou o som de um violino são apenas alguns dos momentos exuberantes desta exposição.
No final da visita, que apetece voltar a fazer, fica a imensa satisfação pela lembrança de prazeres desfrutados e pela vontade de continuar a descobrir os dons da natureza.
Com tantas coisas boas que fazem “crescer água na boca”, não admira que alguns dos visitantes sejam tentados a satisfazer os seus desejos gustativos, seguindo-se um programa gastronómico algures na cidade…
Aqui fica, portanto, uma sugestão para o fim-de-semana que se aproxima…

Certificados de Aforro (CA): alteração de política impõe-se...

1. Soube-se que em Janeiro do corrente ano prosseguiu a redução do stock dos CAs, que já vem do início do ano transacto, tendo-se verificado uma diferença negativa, de € 47 milhões, entre as subscrições (€ 59 milhões) e os resgates (€ 106 milhões).
2. Aparentemente, o ritmo de saída está a acelerar, uma vez que em 2009 se tinha verificado uma saída líquida de e 327 milhões - média mensal de € 27,25 milhões.
3. A explicação para este fenómeno, para além das dificuldades de financiamento por que passam as Famílias de um modo geral, está certamente na decisão, tomada há pouco mais de um ano, de alterar a política de remuneração dos CAs, reduzindo significativamente a sua atractividade...
4. Nessa altura foram alteradas as regras de remuneração que o Tesouro tinha acordado para os aforradores da Série B, determinando assim uma mudança de regras básicas “em pleno jogo”, com as consequências que são fáceis de adivinhar...e foi criada uma nova Série – C - que passava a estar disponível para subscrição.
5. Acontece que a remuneração desta nova Série C é estabelecida em função da Euribor a 3 meses (média dos últimos dez dias anteriores ao início de cada mês), aplicando-lhe um factor 0,85 e somando um prémio de permanência de 0,25% durante o 1º ano.
6. Com base nesta fórmula, a remuneração dos CA subscritos durante o mês de Fevereiro agora a findar foi de 0,824% e para Março será inferior, de 0,815% salvo erro.
7. Enquanto isto sucede, o Tesouro emitiu muito recentemente obrigações a 10 anos, pagando 4,8% e obrigações a 5 anos, pagando 3,5%, em qualquer dos casos destinadas em grande parte a investidores não residentes.
8. Não podemos esquecer que os CA são um instrumento de aforro de longo prazo, em princípio para durar 10 anos, conforme de resto se pode deduzir de o prémio de permanência assumir valores crescentes: 0,25% no 1º ano; 0,5% no segundo ano; 0,75% no 3º ano; 1% do 4º ao 7º ano; 1,25% no 8º ano; 1,5% no 9º ano; 2,5% no 10º ano.
9. Nesta perspectiva não se entende a ABISSAL diferença entre as taxas que são pagas na dívida representada por obrigações do Tesouro e a remuneração oferecida aos subscritores de CA – de 4,8% para 0,815%...
10. Nem também se entende que a remuneração de um instrumento de poupança de longo prazo esteja indexada a uma taxa de mercado a 3 meses...porque não indexa-la às taxas da dívida representada por obrigações do Tesouro de prazo equivalente, por exemplo?
11. E ainda menos se entende tudo isto quando nos damos conta da extrema gravidade da insuficiência de poupança dos residentes, evidenciada pelo enorme desequilíbrio entre o que produzimos e o que gastamos....que nos arrasta dolorosamente para os Balcãs...
12. Conclusão: alteração da política de remunerção dos CA impõe-se, sem demora.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Si non è vero... è bene trovato...

Dúvida colocada no site das Finanças:
- Sou sócio do Sporting e estou a fazer a minha declaração de IRS. Como pago a quota de sócio todos os meses, devo colocar o Sporting como meu dependente?
Resposta das Finanças:
- Claro que não. Só pode colocar dependentes na Declaração de IRS quem ganhou alguma coisa em 2009. No seu caso, uma simples Declaração de Isento é o suficiente.
O Chefe da Repartição de Finanças de Alvalade
Se for verdade, classificação máxima para o Chefe de Alvalade!...

Chamaram-lhe um figo...

A Ongoing, através do seu jornal, Diário Económico, entrevistou o ex-futebolista Luís Figo em Agosto de 2009. Com perguntas muito precisas e concretas, no sentido de evidenciar o apoio de Figo a Sócrates, tais como:
- Faz uma avaliação positiva deste governo?
-No seu entender, era desejável que o actual governo ganhasse as eleições legislativas?
Mas, para que não restasse qualquer dúvida, o entrevistador da Ongoing, fez uma última pergunta, suprema, definitiva, de forma a obter resposta irrevogável:
- Fica claro em quem vai votar no dia 27 de Setembro?
E Figo correspondeu inteiramente e fez golo: Eu vejo a energia de José Sócrates, a capacidade empreendedora, e espero que continue a ter essa capacidade de mobilizar o país. Bem precisamos!
Por mera coincidência, note-se, mera coincidência, seguiu-se a formulação de uma arrojada estratégia para promover o Tagus Park nos Estados Unidos da América e no Japão, o contrato com Luís Figo para o efeito e o pequeno-almoço com o 1º Ministro, coisas que obviamente nada têm a ver entre si.
Mas um futebolista retirado a promover um Parque tecnológico nos States e no Japão? Quer-me parecer que Luís Figo pensa melhor com os pés do que o pessoal executivo do Tagus Park com a cabeça!...

Estamos sogros!

A vida vai-se desenrolando em fases sucessivas e muitas vezes levamos tempo até perceber que se deixou para trás uma delas e se está já a viver em pleno a seguinte. Ou porque andamos muito ocupados, ou porque nos isolamos, ou porque ficamos contrariados com a juventude que foge e os filhos que se vão embora, ou seja lá pelo que for, o facto é que de repente percebemos que andávamos desfasados e enrodilhados em dúvidas próprias dessa transformação. Conforme a fase da vida, chama-se a isto crescer, amadurecer ou envelhecer, em qualquer caso é bom que aconteça da maneira certa ou seja, ajustando-nos.
Vem isto a propósito de um serão com amigos de longa data, daqueles que achamos que sabemos tudo uns dos outros porque partilhámos de perto partes fundamentais da nossa vida mas que acabámos por ver só de quando em quando, aniversários, Natal, casamentos, conversas de fugida e pouco mais. Reparamos agora que temos mais tempo para voltar a estar juntos, descontraídos, que as nossas casas voltam a ter espaço e sossego para longas conversas sem filhos a chamar, ou obrigações que medem o tempo, mas que ainda não sabemos aproveitar devidamente essa nova liberdade, depois de cumprida uma parte muito exigente da vida. Podemos encontrar-nos mais vezes, marcar em cima da hora, aparecer sem cerimónias enfim, recuperar o gosto da intimidade e da confiança mútua que tem umas raízes tão fundas que só o tempo e a permanência podem criar. E é sobretudo com esses amigos que é mais fácil perceber a transição.
Mas o que eu queria mesmo dizer é que de repente descobrimos que somos sogros. Sim, isso mesmo, sogros. Surpreendemo-nos a falar da vida dos nossos filhos com a mesma perplexidade com que os nossos pais e sogros falavam da nossa, sentimos aquela tentação de os avaliar de acordo com o nosso próprio modelo de entendimento ou de organização de vida e eles são diferentes, não os compreendemos ou tememos pela sua felicidade com os respectivos pares. O facto é que aceitamos mal que eles tenham querido e sabido aceitar o que em nossa casa não aceitavam, os rapazes não mexiam uma palha e agora são diligentes e prestimosos pais de família, as raparigas sabem definir o seu espaço profissional e não têm remorsos nem os sentimentos de culpa que nos atormentavam, mil e um detalhes que comparamos e discutimos, como se constituíssem problema e fonte de preocupação. Até que começámos a lembrar episódios com as nossas próprias sogras e mães, o que nos criticavam, o irritante que era darem sentenças sobre a nossa vida, aquela sogra que ia lá a casa e tirava a roupa toda das gavetas, voltava a lavar e a passar a ferro porque só ela é que sabia passar as camisas do filho. Ou a que mandava comida feita com medo que a nora deixasse os netos morrer à fome por ser má cozinheira. Ou a mãe que abanava a cabeça por a filha chegar tarde do trabalho, não sei como é que o teu marido atura isso… Enfim, já quase no fim do serão fez-se luz no nosso espírito e desatámos a rir: estamos sogros!
Nada como um excelente serão com amigos para aprendermos a aceitar a realidade e a saber viver com ela da melhor maneira para todos.

Portugal nos últimos 50 anos...

Desde terça-feira que se encontra disponível no Portal PORDATA o retrato político, económico, social e cultural de Portugal dos últimos 50 anos. Trata dados provenientes de várias fontes estatísticas, até agora dispersos e sem se relacionarem, e abrange um vasto campo de temas.
Segundo António Barreto, responsável pelo PORDATA, "o desígnio [do projecto] é a ideia de que informação rigorosa é uma fonte de liberdade de escolha e liberdade dos cidadãos".
Com efeito, faltava um repositório nacional de dados factuais e de indicadores construídos a partir da sua correlação que permitissem perceber a evolução do País. O rigor da informação e a facilidade de acesso aos dados são aspectos fundamentais nas actividades de académicos, estudantes e investigadores, no apoio a decisores políticos e decisores públicos e no trabalho da comunicação social.
O PORDATA é um portal que merece a classificação de favorito, que passa a estar à distância de um endereço electrónico. A entrada é livre e a sua utilização gratuita. Já fiz umas pesquisas interessantes...
Este é o primeiro projecto público da Fundação Francisco Manuel dos Santos, criada em 2009 por vontade de Alexandre Soares dos Santos da Jerónimo Martins, tendo por objectivo promover o estudo, o conhecimento, a informação e o debate público, procurando assim contribuir para o desenvolvimento da sociedade, o melhoramento das instituições públicas e o reforço dos direitos dos cidadãos.
Estamos perante uma iniciativa de louvar, que se apresenta como um serviço público de qualidade...

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Divagando...

Dizem que o Benfica reflecte o país. Portista que sou, nunca acreditei e os factos dão-me razão.
O Benfica anda glorioso, voltou ao 1º lugar após anos e anos afastado desse patamar ( com a excepção de ter sido o fugaz campeão de inverno da época passada...) e acabou de eliminar brilhantemente o Hertha de Berlim. Portugal, ao contrário, arrasta-se nos últimos lugares, a economia foi, há muito, eliminada e as finanças públicas correm o risco de baixar de divisão.
Precisamente, na semana passada, aquando do jogo em Berlim, estive na Áustria e na Alemanha. E, para grande espanto meu, as televisões de língua alemã anunciavam o jogo do Hertha com um tal Lissabon ou, na melhor das hipóteses, com o B. Lissabon, que só os iniciados presumiam ser o Benfica. A grande marca Benfica de há cinquenta anos aparecia assim sumariamente ignorada e esquecida...
Mesmo portista, não me senti bem com tal declínio. Se a prosápia é benfiquista, a magnanimidade é virtude dos portistas.
Com os 4-0 da Luz, talvez se alevante de novo o nome Benfica. Mesmo que aumente a jactância dos vermelhos cá da terra. É que eu sou pela concorrência...mas nos relvados, pois claro...

Contas externas: + 1 derrapagem...

1.Ainda mal refeitos da surpresa com um défice orçamental em 2009 muito acima do prometido-anunciado-estimado, eis que nova surpresa nos assalta, agora com um défice externo muito acima do estimado há cerca de 1 mês.
2.A informação mais recente, de ontem, dá-nos conta de um défice da balança de transacções correntes (balança corrente + balança de capital) virtualmente encostado a 9,4% do PIB, quando há cerca de 1 mês, no seu boletim de Inverno, o BdeP apontava um défice de 8,2%...
3.Esta diferença não deixa de causar alguma estranheza, pela amplitude de que se reveste…se estivéssemos a falar de 0,1 ou 0,2%, isso até seria aceitável, mesmo para um intervalo de tempo de 1 mês e mesmo considerando que a estimativa de 8,2% havia sido feita já no conhecimento dos dados até Novembro…agora uma diferença de 1,2%“não dá para entender” como dizem os brasileiros…
4.Um dos dados mais relevantes desta situação é o défice da rubrica dos rendimentos, que se esperava fosse bastante inferior ao de 2008 – que foi de € 7,82 mil milhões – uma vez que as taxas de juro oficiais foram mantidas durante todo o ano a níveis historicamente baixos.
5.Pois bem, apesar desse muito baixo nível dos juros, o défice dos rendimentos cifrou-se em € 7,77 mil milhões, montante praticamente idêntico ao registado no ano anterior, equivalente a 4,75% do PIB e deixando o sinal de que em 2010 o saldo desta rubrica pode vir a agravar-se bastante.
6.Note-se que o défice dos rendimentos absorve, praticamente na totalidade, os saldos positivos dos serviços (turismo em destaque) e das transferências dos emigrantes, fazendo com que o défice corrente seja praticamente igual ao défice comercial…
7.Este dado é muito importante, pois evidencia a extrema insuficiência de poupança, pública e privada, que a economia portuguesa enfrenta. Sem ultrapassar este problema – como não sei, pois aquilo a que temos assistido é uma tendência de agravamento – a crise financeira não terá solução.
8.Neste quadro, situações como a política de remuneração dos Certificados de Aforro por exemplo, não têm explicação.

Crise chega à República

Se fosse notícia – que obviamente não é –, o convite que me foi dirigido para participar neste prestigiado espaço de reflexão, poderia ter como parangona: “Crise chega à República”. Não me refiro à Terceira – cujos tormentos, por pudor, me tenho abstido de comentar -, mas à Quarta. Isto pela circunstância de, na qualidade de recém-chegado à “Quarta República”, não ter no meu currículo “literário” recente nada mais que análises sobre a crise internacional. Com efeito, desde a eclosão da dita, no verão de 2007, não escrevo sobre outro assunto, num contínuo profícuo de textos, de cujo enredo - confesso – já não tenho domínio. O convívio diário com a crise e o imperativo profissional de a compreender tornaram-me, não necessariamente um especialista, mas certamente um especializado, na temática da crise.

Neste processo, tornou-se patente que a crise tinha virado obsessão. De tanto, fiquei ciente numa dada noite, em que sonhei ter decido narrar a actual crise em estilo épico. (Escusado será dizer que para o exercício me faltariam os mais rudimentares fundamentos técnicos, bem como o talento). Mas tal desconchavo nocturno foi um alerta que serviu um propósito importante: o de me fazer sentir na pele quão facilmente a persistência num ângulo agudo de análise da realidade acaba por toldar a cognição dessa mesma realidade. Impunha-se uma diversificação de perspectivas. Contudo, para efectivar essa resolução necessitava encontrar um veículo.

Foi neste contexto que surgiu da bondade dos autores do “Quarta República” o desafio de, a eles, me juntar. Animado pela determinação em recuperar alguma da clarividência perdida, abracei, honrado, a possibilidade que me foi oferecida de escrever para o “4R”.

Para mim, o principal desafio consiste em desenvolver uma abordagem que me permita glosar sobre os mais variados temas e peripécias numa lógica armilar.

Perdoar-me-ão o relapso ocasional – afinal a crise ainda exerce sobre mim um fascínio pungente; e um homem não é de ferro. Porventura, haverá alturas em que a aproximação ao tema possa revestir-se de alguma utilidade. Mas fica o compromisso: quaisquer incursões nos terrenos da crise serão mantidas em doses salubres. Até breve!

Quarta República reforçado

José Maria Brandão de Brito é, com muita satisfação dos animadores deste espaço - e, estamos seguros, para gosto de quem habitualmente nos lê -, o novo reforço do Quarta República.
O nosso novo companheiro é doutorado em economia, com passagem, entre outras instituições, pelo Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal. São conhecidos os seus trabalhos nos domínios da economia monetária e internacional publicados em revistas internacionais e apresentados em diversas comunicações em seminários e conferências dentro e fora de portas, bem como os artigos de opinião sobre questões de economia e finanças internacionais, publicados na imprensa nacional e internacional.
Creio que, em nome dos restantes republicanos, posso dizer que estamos de parabéns pela "aquisição". Os próximos posts comprová-lo-ão, certamente.

Seja bem vindo, caro Doutor Brandão de Brito, e que por aqui se sinta bem.

Pressão ou estupidez?

Henrique Monteiro, director do ´Expresso´, contou hoje na Comissão de Ética da AR que "na noite de uma quinta para sexta-feira o senhor primeiro-ministro telefonou-me e pediu-me por tudo para não publicar uma notícia sobre a sua licenciatura".
Acrescentou isto que poderá passar por ser um pormenor, mas que, para mim, é o aspecto que mais me deixa perplexo: terão estado nesta conversa "mais de uma hora ao telefone"!
Nunca dei excessiva importância ao episódio da ´Independente´. Existiram e existem chefes de estado e de governo que não obtiveram formação académica superior, e isso não os incapacitou de exercer os seus mandatos. Ainda que sempre tenha pensado para mim que as declarações do PM a propósito da questão da sua licenciatura poderiam, em boa consciência, ter sido mais tranquilizadoras.
Mas ideia que nunca me passou pela cabeça - ingenuidade minha? - foi a de que algum dia vivesse num País em que um secretário de estado fosse capaz de estar mais de uma hora ao telefone com um director de um jornal, pedindo-lhe "por tudo" para que não fosse publicada uma notícia que lhe era desfavorável. E que a criatura não representasse, ainda que num lampejo momentâneo, que um dia a súplica e o rebaixamento poderiam ser também elas notícia. Notícia mais embaraçante que a que se pretendeu calar. Contam-nos que isto se passou, não com um discreto secretário de Estado, mas com o PM do meu País!
Não sei se o sr. engº José Sócrates desmentirá esta declaração de Henrique Monteiro ou se se remeterá ao silêncio. Ou se esta revelação já não impressiona ante a salsada em que se transformou esta estória da alegada tentativa de assassinato da liberdade de expressão. Também não sei se, sendo verdade o que conta Henrique Monteiro, alguém que suplica a outrém que tem o poder de espalhar a má notícia, é uma pressão ilegítima ou não o é. Agora que, a ser verdade, é uma enorme estupidez, disso não tenho dúvidas.
.
Pressão ou estupidez, tratando-se do chefe do governo, venha o diabo e escolha...

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Raiva

Nos meios políticos é relativamente comum o ressentimento e até uma certa raiva a raiar o rancor. Algumas personalidades, provavelmente por uma questão estrutural, aproveitam as arenas políticas para destilar as suas frustrações e mijar preconceitos. Incapazes de compreenderem o significado e a importância das correntes filosóficas e ideológicas, olham para os adversários como se fossem inimigos a abater. Presumo que, dentro de todos os primatas, só o homem é que consegue atingir este grau de maldade, fazer sentir ao outro que não presta, que é um ser inferior por não partilhar da sua cor. Meu Deus! Tenho dificuldade em compreender e em aceitar este tipo de comportamentos, mas que eles existem, existem, e é imperioso estar atento a todas as movimentações para não ser, artificialmente, metido em alhadas previamente delineadas com o intuito semelhante à punhalada mortífera das escuras noites medievais, ou à ingestão de poderosos venenos sob o encanto suave das luzes dos salões.
Acontece que, por vezes, dou conta de que estou a ser vítima dessa hostilidade, e, por mais que a queira prevenir, o estupor de uma ingenuidade congénita atraiçoa-me. Que fazer? Engolir? Vomitar? Ignorar? Ensinar? Ou esperar? Esperar para quê? Esperar na expectativa de que mudem e reconheçam a injustiça. Às tantas, com esta mania, ainda vou ter de esperar até aos fins dos tempos e nem sei se, ao ressuscitarem, mostrarão algum arrependimento. Que se lixe! Como não vamos ressuscitar, confio, sobretudo, nas pazadas de um qualquer coveiro para por fim à maldade e à ingenuidade. Entretanto, vou ruminando, sem conseguir adaptar-me. Mas estes comportamentos não se cingem apenas à política. A par do episódio que despertou este introito, um outro acaba de surgir. Incrível, a denotar a falta de caráter, o fascínio patológico dos preconceitos e a raiva contra quem quer o seu bem.
Um doente foi consultar um médico que lhe diagnosticou um tumor maligno. Ficou triste, choroso, revelando uma compreensível ansiedade. O colega, face à situação, começou de imediato a tratá-lo, ao mesmo tempo que delineava a estratégia mais adequada para a resolução do problema. Optou por uma terapêutica radioativa local. Para o efeito, tratando-se de um subsistema de saúde, o doente teria que adquirir o produto e, posteriormente, seria re-embolsado. Talvez por não querer aceitar esta situação, talvez por desconfiança quanto à decisão clínica, o doente, apesar do drama em que se viu envolvido, tomou uma atitude de desconfiança que merece reparo. Enquanto não fosse sujeito à terapêutica radioativa, deveria iniciar, e não interromper, a terapêutica medicamentosa de base para evitar a propagação do tumor. No dia aprazado para nova consulta, não apareceu. O médico, preocupado com a ausência e a situação clínica, tratou, de imediato, passar uma nova receita do medicamento e enviou-a por correio para a morada do doente, que é, curiosamente, carteiro. Em vez de a entregar a si próprio, devolveu-a à procedência com os seguintes dizeres no envelope: “O destinatário recusou-se a receber a carta”! E foi assim que a dita missiva acabou por chegar às minhas mãos, o que me levou a inteirar sobre o sucedido. Entretanto, fiquei a saber que o senhor já tinha dado a conhecer à funcionária que iria proceder desta forma quando foi contactado, devido a não ter estado presente na consulta programada, e que processaria o médico caso este tivesse dado o visto e, consequentemente, ter de vir a pagar a taxa moderadora. Não admitia que lhe passassem a receita sem estar presente ou a ter pedido. O médico em questão não deu o visto à consulta, continuando o doente a ser catalogado como ausente, mas, ciente da gravidade do caso, optou, e bem, por enviar a receita a fim de não ser interrompida a terapêutica.
O que é que revela este episódio? Que há pessoas preconceituosas, com falta de caráter, arrogantes e desconfiadas quanto às atitudes dos outros. Estamos perante uma personalidade triste, sofredora, mas, simultaneamente animada por uma hostilidade que, numa situação tão grave como a que está a viver, deveria desaparecer, tornando-se mais humilde e agradecendo o bem que outros lhe querem prestar. Quando em situações graves como esta consegue mostrar tamanho dislate, e falta de humildade, pergunto: como se comportaria antes?
O meu colega quis que alguém levasse a carta a Garcia, mas o mensageiro, afinal, não tem o mínimo perfil para tal, e nem se lembrou que ele é o Garcia! Um ingrato, que, infelizmente, acabará por alimentar a malignidade entretanto despertada nas suas entranhas.
Senti-me mal. Mas quem é que não se sentirá perante casos semelhantes?

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A ilusão e a realidade

Na entrevista hoje dada a Miguel Sousa Tavares, José Sócrates demonstrou que é o 1º Ministro de um país virtual, e o seu mundo é de ilusão.
Nessa ilusão, a economia portuguesa foi a primeira a sair da crise; no mundo real, nunca, como hoje, o país foi tão penalizado e visto com tanta desconfiança pelas entidades financeiras internacionais.
Nessa ilusão, a despesa pública é absolutamente necessária para apoiar a economia; no mundo real, é essa mesma despesa pública que provoca a dívida cujos juros só podemos pagar à custa de novos empréstimos.
Nessa ilusão, Sócrates lembrou a grande crise de 1929 e reafirmou as medidas intervencionistas; mas esqueceu que, nesse tempo, a despesa pública não chegava geralmente aos 10% do PIB e, agora, em Portugal, está nos 50% do Produto. Confiscando através dos impostos, uma grande parte da riqueza produzida, impedindo investimento e emprego.
Nessa ilusão, o país é uma média e as medidas tomadas por outros países são o teste da bondade das que por cá promoveu; esquece-se que, num país real, a boa medicina é a que leva em conta a especificidade da doença.
Neste país virtualmente governado, Sócrates vive com a ilusão; a nós, faz-nos viver com a infeliz realidade.

Maldita educação...

Vieram recentemente a público os resultados do último concurso para ingresso na carreira diplomática que mostram bem a falta de qualidade das bases educativas do nosso ensino. São resultados de deitar às mãos à cabeça e que atestam que não estamos a aplicar bons planos de educação. Mas o que se passou neste concurso não é novo.
Concorreram 1.180 candidatos, jovens licenciados, dos quais 700 chumbaram na prova de português, que era de escolha múltipla, quer dizer que os candidatos não foram capazes de compreender ou interpretar o que leram.
O concurso revelou também falta de cultura geral, baixo nível de conhecimento sobre a cultura portuguesa e elevado nível de ignorância sobre aspectos relevantes da história de Portugal. Marcelo Caetano foi o primeiro-ministro após o 25 de Abril, D. João V viveu na época dos Descobrimentos e a família real fugiu para o Brasil em barcos ingleses foram respostas dos candidatos aos exames realizados. Houve ainda quem não soubesse indicar três escritores de língua portuguesa do século XX ou três pintores.
A notícia refere que foi apresentado pelo júri do concurso ao Ministro dos Negócios Estrangeiros um relatório no qual é defendida uma reformulação do curso intensivo que os 30 candidatos admitidos vão ter de frequentar antes de iniciaram funções. É que para além das aulas de línguas, contabilidade e protocolo, o MNE vai ter de incluir aulas sobre arte, literatura e arquitectura portuguesas.
Ainda que com um curso intensivo, é legítimo que nos questionemos sobre a capacidade e a qualidade destes jovens para ingressarem na carreira diplomática, em que o desempenho da representação depende em muito do nível educacional.
Este retrato não nos deixa outra hipótese que não seja a de investirmos a sério na qualidade do ensino. Enfim, uma conclusão já muito cansada...

Promoção brilhante

«O plano estratégico da Taguspark apontava para a internacionalização e decidiu avançar-se com uma campanha de promoção nos Estados Unidos e no Japão, em que pudéssemos dar uma imagem do país e da empresa. Precisávamos de rostos para a campanha... e...decidimos avançar com Figo...».
Rui Pedro Soares

Brilhante ideia e adequado meio!...Similar, só a Boeing decidir avançar a promoção internacional do seu último modelo 787 Dreamliner utilizando o jornal 24 Horas...

The big sister

O Jornal de Negócios publica hoje declarações da senhora directora do DCIAP que afirma não ter dúvidas que a divulgação das escutas feitas no âmbito de investigações judiciais é crime. Mais vem dizer que «o dever de informação não é absoluto» e «estando um processo em segredo de justiça, não é um direito, é um crime, que comete quem publica seja o que for». Acrescenta mais. Como forma de combater tal crime a senhora directora do DCIAP defende a realização de escutas telefónicas aos magistrados, algo que neste momento «não está disponível», mas que, caso fosse permitido «resolveria o problema».

Estas declarações da responsável pelo DCIAP dão que pensar. Em primeiro lugar parece que o Ministério Público descobriu agora que a violação do segredo de justiça é um crime. O que terá acontecido por estes dias para para que elementos destacados da PGR tenham acordado para uma realidade que se tem repetido quase diariamente nos últimos anos na mais absoluta impunidade e sem qualquer sinal de incomodidade?

A segunda afirmação só não é extraordinária porque estamos habituados a ouvir tudo, literalmente tudo em matéria de justiça.

Segundo a senhora prouradora, se fosse permitido escutar magistrados ficaria resolvido o problema. Não sei como reagirão os senhores magistrados a esta sentença condenatória. O que eu sei é que para quem a profere, apesar dos processos terem magistrados titulares perfeitamente identificados, os autores das fugas de informação dos processos só serão detectados, segundo quem responde pelos resultados da investigação criminal em Portugal, se o ouvido da polícia se encostar também à porta dos gabinetes dos magistrados ou se se puder saber de que falam e com quem falam juizes e procuradores!

Criou-se na opinião pública a ideia de que é perfeitamente normal, e até desejável, que Presidente da República, Primeiro-Ministro, membros do Governo e outros altos responsáveis do Estado possam ser, com grande latitude, escutados. O passo seguinte é uma questão de pura lógica: porque não também quem ordena as escutas?

Orwell foi afinal um tímido nas suas profecias.

Madrid, apesar da chuva e do frio


Há já algum tempo que tínhamos planeado este fim de semana em Madrid e, apesar das ameaças do boletim meteorológico, metemo-nos a caminho. É uma cidade que conheço mal e fico sempre impressionada com a sua monumentalidade e com o incrível movimento nas ruas e nas esplanadas, apesar do frio e de alguns pingos de chuva. No sábado à tarde, apesar do chamariz da 29ª Feira de Arte Contemporânea (Arco) e dos desfiles de moda, as ruas principais estavam a abarrotar de gente e os teatros e cinemas tinham multidões nas filas de espera.
Passeámos a pé todo o dia sem entrar num único centro comercial – nem sequer no Corte Inglès! – e reparámos que em Lisboa é impossível caminhar assim horas e horas, a ver montras, a espreitar nas lojas ou a descansar numa esplanada a ver passar a imensa variedade de gente, famílias inteiras, que destinam as horas vagas a conversar ou a passear ao ar livre.
À noite, ao chegar ao hotel, surpreendeu-nos a notícia de abertura do telejornal, que falava da Madeira e da catástrofe que se abateu sobre aquele paraíso turístico e hoje de manhã fazia-se silêncio no café quando passavam as imagens da fúria das águas e da lama. Os jornais dedicavam páginas inteiras de fotografias da paisagem irreconhecível, apesar de ter havido cheias em vários pontos de Espanha neste Inverno tão duro.
Hoje amanheceu cinzento e gelado, o termómetro marcava 1º, mas mesmo assim metemo-nos a caminho de El Escorial, ou Mosteiro de S. Lourenço, mas também Palácio, mandado construir por Filipe II, que aí residiu e morreu, em 1595, a poucas dezenas de quilómetros de Madrid. Saímos da autoestrada para podermos apreciar a beleza dos caminhos junto à Serra de Guadarrama e estava tudo branco, com uma fina camada de neve, as aldeias e bairros novos encolhidos com o frio a contrastar com o movimento da cidade.
A visita demora quase três horas, subimos e descemos escadarias de granito, vimos as salas do museu de pintura, com alguns belos quadros de Ticiano, Tintoretto ou El Greco, depois os austeros aposentos reais e ainda descemos a escadaria de mármore rosa e preta que conduz à profundezas do Panteão, onde jazem os reis, rainhas e príncipes que fizeram a História de Espanha ao longo dos séculos. Visita-se a Biblioteca fabulosa, que contém várias preciosidades, com pinturas no tecto que homenageiam os vários ramos do saber, a Gramática, a Retórica e a Dialéctica, a Geometria, a Aritmética, a Astrologia e a Música e ainda a Filosofia e a Teologia.
Finalmente a visita leva-nos à Basílica, centro de toda a construção, mas onde se chega já quase enregelado, a pensar como deviam sofrer os monges e mesmo o Rei, apesar deste ter uma porta no quarto que dava para a nave principal da Basílica, para poder assistir à missa quando o tolhiam as terríveis crises de gota. Tanto poder e tanta glória e eu a lembrar-me ali, ao pé da cadeira construida para ele apoiar a perna sofrida, do poema do Fecho Eclair, de António Gedeão...

Uma bela visita, mas a fazer sentir a ausência do sol e de dias mais desanuviados!

domingo, 21 de fevereiro de 2010

“Roteiro de cheiros”

Sábado de manhã. Os sinos tocam a finados perturbando a beleza de um sol arredio e a tranquilidade de um curto repouso. – Quem terá morrido? Olho, instintivamente, para o outro lado da praça na esperança de ver os anúncios da morte. Dois! Aproximo-me e fico surpreendido. Sempre que conheço alguém, seja qual for a sua idade, a morte, mesmo que anunciada, causa-me uma certa surpresa e um profundo mal-estar, porque não consigo imaginar que venha a acontecer. Mas tem que acontecer.
Conhecia perfeitamente um dos dois. Quanto à outra, o nome dizia-me qualquer coisa, mas não consegui identificar quem era, até que, durante a tarde, me disseram quem era. Foi então que uma sucessão de pensamentos começou a percorrer o meu córtex frontal. De súbito, senti o cheiro do petróleo misturado com o ar adocicado do armazém, ambos dominados pelo forte aroma libertado pelos bacalhaus salgados pendurados das traves do armazém, a lembrar as flores de papel dos arraiais populares. Gostava de cheirar aquela estranha mistura, inconfundível, de uma forma de comércio que em tempos caracterizava as pequenas comunidades. Ao odor típico do espaço comercial associei o sabor das pequenas lascas de bacalhau, que, amavelmente, a dona concedia a pedido, ou que surripiava sem que visse. Chupava aqueles pedaços com um prazer difícil de explicar. Estas lembranças originaram, ato contínuo, a criação de um roteiro de cheiros e aromas que poderia identificar com os olhos fechados. Ao sair de casa, o cheiro característico da serradura da fábrica dava-me os bons dias. Ao passar pelo Costa levava nas ventas com a erupção típica de uma taverna, que quase dispensava o loureiro. Mais abaixo, a padaria anunciava a sua presença inundando-me do sabor a pão fresco, para logo a seguir levar com uma corrente de ar a cheirar a álcool proveniente da barbearia de portas abertas. Bastava dar meia dúzia de passos e o cheiro a colas marcava o território do sapateiro que, rapidamente, dava lugar aos odores nauseabundos e agressivos do talho. Passava à velocidade da luz na ânsia de me acalmar, aspirando os aromas adocicados da farmácia vizinha em que os perfumes imperavam. Mais à frente, salivava com as invisíveis nuvens de prazer provenientes da torrefação do café ou dos amendoins, ao ponto de a roupa ficar impregnada para todo o dia. Aqui, invariavelmente, parava durante algum tempo. Ao passar pela Fornecedora não ligava aos aromas que as farinhas se entretinham a libertar dos sacos acumulados, a não ser nos dias em que a torrefação não funcionava. Do outro lado da rua, além do cheiro típico da petroleira, o suor das mulas e dos cavalos, e os excrementos dos animais, que iam ao ferrador, não causavam grande asco. Às tantas deveria ser um mero efeito da queima do carvão e do calor provenientes das forjas do meu primo Porrudo, situado praticamente em frente. Ao passar pela Estação, o cheiro a creosote usado nas travessas estimulava os sentidos. De todos, o que mais me seduzia era o sensual cheiro a café de saco que inundava o pequeno jardim proveniente do “Zé do Café”. Um cheiro inconfundível que se perpetuava noite e dia. Na própria gare, o cheiro à cola de trigo entremeava-se com o aroma de laranjas do vendedor Humberto. Ao lado, antes de chegar aos sanitários, lançavam, frequentemente, num pequeno tanque, restos do carbureto que, em contacto com a água, libertava o gás que tinha o condão de penetrar profundamente no nariz ao ponto de me provocar dores, conseguindo, deste modo, reduzir a desagradável sensação olfativa do mijo em decomposição. Acelerava o passo, ou melhor, corria para chegar ao jardim florido que, discretamente, perfumava os sentidos. Quando ia à vila, passava por uma tasca onde os aromas acumulados de vinho impregnavam tanto as madeiras das habitações como os paralelepípedos da rua. Se fosse pela calçada, o armazém de sal, fonte de uma secura fria e sepulcral, incomodava-me sobremaneira. Logo a seguir, passava pela fábrica de sabão que lançava as escorrências a céu aberto, obrigando-me a saltar os carreiros azulados e apontar o nariz para a resineira na esperança de aspirar os vapores inebriantes do pez. Ao descer a calçada romana retardava o passo para desfrutar a tranquilidade dos aromas das mimosas que desapareciam a meio da ponte. Neste local, aspirava longa e profundamente a frescura e o cheiro único da água doce do rio, capaz de limpar todos os cheiros e até os fedores emanantes de muitas almas. Na subida, regressavam os aromas das mimosas, substituído pelas fragrâncias das flores dos campos e dos jardins anunciadores da chegada à vila. Nesta, tinha que passar pela praça onde o cheiro a peixe conseguia reinar sobre quaisquer outros. Até as pedras não conseguiam libertar-se de tão desagradável fedor.
Cheiros? Muitos! Mesmo muitos, ao ponto de conseguir desenhar mapas com base nos mesmos. Mapas geográficos, mapas de sentimentos, mapas de angústias, mapas de desejos, mapas de tristeza e de alegria. Mapas de vida.
O que seria da vida, e da memória, se não fossem os cheiros e aromas? Uma sensaboria.
A leitura de uma morte foi suficiente para estimular um roteiro de diferentes odores. É pena que a escrita não consiga libertá-los. Talvez a leitura consiga....

A beleza eterna da Madeira...

-- Jardim Botânico - Funchal --

O momento é de choque e de grande consternação pela tragédia brutal que se abateu sobre a Madeira. O momento não é de aproveitamentos políticos. O tempo é de solidariedade perante o sofrimento daqueles que perderam os seus familiares e das vítimas atingidas às mãos da fúria da natureza e da destruição que deixou à sua passagem. É tempo de respeitar a dor dos madeirenses. Estamos perante uma catástrofe nacional que todos sentimos e unidos teremos que enfrentar.
A beleza inigualável da Ilha da Madeira, que tenho agora mais presente na memória de uma viagem recente que fiz à cidade do Funchal, nunca será destruída. É eterna...

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Na mouche!


"Ética e liberdade e comissão de inqúerito. Tudo na Bimby" de Francisco José Viegas no "A Origem das Espécies".

Afinal havia outra...

... reguladora da comunicação social !!

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Iberismos

Hoje no El País sob o título "Vote lo que digo, no lo que pienso":

«"Una conversación privada refleja la autenticidad de los sentimientos". Esta frase es de Alberto Ruiz-Gallardón, alcalde de Madrid. Se refiere a una "conversación privada" de la presidenta de la Comunidad de Madrid, Esperanza Aguirre, con el vicepresidente, Ignacio González, que captó un micrófono abierto sin que la presidenta supiera que la estaban escuchando. Como ya sabe toda España a estas alturas, los sentimientos auténticos de Aguirre revelados en esa conversación son que se alegra de haber quitado un puesto en la cúpula de Caja Madrid a su propio partido y que se alegra también de que eso haya perjudicado a un "hijoputa" del PP».

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Libertem o Estado!

Chegam-nos os ecos de mais notícias sobre alegados comportamentos de aprisionamento do Estado. Aprisionamento a interesses. Partidários, económicos, jornalísticos e de jornalistas.
Estas estórias de faces até agora ocultas permitirá à opinião pública mais esclarecida, que dispensa a mediação de analistas e comentadores, retirar ilacções sobre as reais motivações de algumas das classes com efectivo poder, nelas incluídos os políticos mas sem excluir os profissionais da opinião e empresários. Mas deveria servir também para uma profunda reflexão pelos políticos ou candidatos a políticos, sobretudo os que prometem liderar mudando ou rompendo.
Aqui está um campo onde vale a pena rasgar, mudar, romper com as promiscuidades entre mundos que se não deveriam confundir.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O valor da generosidade...

Correu muito bem a resposta ao apelo recentemente lançado pelo IPS (Instituto Português de Sangue) para recolha de sangue. O objectivo era repor as reservas de sangue do país face às necessidades dos hospitais. Em apenas cinco dias apresentaram-se 6.500 doadores e foram recolhidas 5.882 unidades de sangue, o que permitiu aumentar os níveis de reserva nacional de dois dias para quatro a sete dias.
A generosidade dos dadores é ainda mais relevante se atendermos à época festiva do Carnaval e ao mau tempo que se fez sentir, factores que, à partida, poderiam constituir um entrave à mobilização. Mas os resultados superaram, de acordo com números divulgados pelo IPS, as expectativas.
A solidariedade manifestada nesta campanha de recolha de sangue é uma prova que os portugueses conhecem e praticam os valores da cidadania. É muito interessante observarmos que as pessoas têm para dar e que o fazem. Foi o que fez um grupo de cerca de trinta jovens da minha freguesia. Motivaram-se uns aos outros e lá foram ao IPO dar sangue.
Nestas ocasiões, em que estão em causa valores tão importantes como a vida, os valores humanos sobrepõem-se aos valores pessoais e a dimensão do bem colectivo ganha maior expressão quando comparado com o espaço pessoal que é uma marca de atitude dos tempos actuais.
São as motivações de natureza transcendental que explicam estes comportamentos altruístas, em que a contrapartida do dar é o bem-estar íntimo do poder ajudar ou do dever cumprido.
A generosidade é uma daquelas capacidades que não tem preço. O seu desempenho em relação a um bem tão precioso como é a vida dificilmente seria melhor se em seu lugar fosse oferecido um preço pelo “serviço” prestado.
As pessoas são, de um modo geral, muito sensíveis aos incentivos económicos, mas há motivações em que um tal sistema dificilmente faria melhor e, como tal, seria desnecessário e até contra producente a sua utilização.
Com as necessárias adaptações, lembrei-me de um caso que em tempos li num livro de economia que ilustrava justamente como os incentivos económicos podem transformar um apoio gratuito e eficiente num desempenho de sinal oposto, dispendioso e ineficiente. Muito resumidamente a história era, mais ou menos, esta. Havia um engenheiro que tinha não raras vezes dificuldades em utilizar uma ferramenta informática sofisticada indispensável ao seu trabalho. Era uma pessoa simpática e afável, estimada e considerada pelos seus colegas. Sempre que tinha um problema e pedia ajuda apareciam vários colegas prontos para o ajudar. Era o valor da camaradagem a funcionar. Um dia o engenheiro lembrou-se de fixar um preço, julgava ele simbólico mas necessário, para pagar as ajudas que recebia. Foi então que rapidamente os colegas concluíram que o preço não era atractivo para remunerar o trabalho que faziam. Alguns colegas ainda chegaram a ser pagos. Mas a partir de um certo momento, deixaram de estar disponíveis porque entenderam que o preço não era suficiente. No final, ninguém ficou satisfeito. A generosidade tinha sido substituída por uma relação mercantil.
Generosidade e solidariedade são virtudes que só dependem de nós. Pertencem a uma área comportamental que tem um grande potencial de desenvolvimento. É bom para todos, os que dão e os que recebem, um dia são uns e noutro dia serão outros...

Prosaísmos esperançosos

Um dos diários publica hoje uma notícia que me chamou a atenção por antecipar nela mais uma prova da recorrente hipocrisia da opinião publicada. Trata-se da contratação de um médico condenado a prisão efectiva e em cumprimento de pena (neste momento em regime aberto), para satisfazer necessidades de atendimento clínico num certo centro de saúde.
Comecei a ler imaginando recriminações e lamentos levados à página do jornal por pessoas que não autorizariam a divulgação da autoria dos depoimentos. Surpreendido, leio que os sindicalistas se não opõem e até aplaudem; a população não se queixa; os responsáveis consideram uma boa solução contar com a colaboração de um técnico numa zona do País em que escasseiam. Quando me preparava para concluir que o algodão às vezes engana, eis um pouco mais abaixo o esperado protesto. Vozes indignadas por se ter dado emprego a quem escorregou na vida? Não. Por uma atitude essa sim fora do comum, e por uma reacção nem por isso inesperada. O jornal explica assim:
"Contudo, a contratação criou mal-estar na unidade depois [do médico] ter prescindido do subsídio de deslocação previsto na lei e que era atribuído aos profissionais de fora que asseguram o atendimento permanente [naquele centro de saúde]. Ao prescindir destas verbas, abriu um precedente e a direcção executiva do Agrupamento de Centros de Saúde a que pertence a unidade deixou de pagar as deslocações aos outros médicos como era feito até então".
Apesar da prosaica malandrice do médico condenado e da reacção corporativa acentuarem o materialismo extremo que marca os nossos tempos, não deixa de ser um sinal de esperança e de avanço civilizacional observar que se verbera a perda da alcavala, mas se concorda com a oportunidade de reinserção social.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Biologia da pobreza

A pobreza é um dos fenómenos mais ingratos e anti-humano que se conhece embora seja produzida e fomentada pelos homens. A pobreza está associada a várias consequências, entre as quais, inevitavelmente, graves problemas de saúde que, por sua vez, perpetuam e agravam mais a pobreza. Basta olhar para alguns indicadores, como a esperança de vida ou a mortalidade infantil, entre os países mais desenvolvidos e os subdesenvolvidos para obter uma quantificação verdadeiramente obscena. Mas dentro de um país, também é possível verificar a existência de discrepâncias de uma ordem de grandeza no mesmo sentido entre as comunidades mais ricas e as mais pobres.
Portugal está a braços com uma população de pobres muito preocupante e que continua a agravar-se face às crises, interna e externa, e a um desemprego crescente. Afinal, quem é que morre e adoece mais? Os pobres, claro. Quem sofre mais enfartes? Os pobres. Quem faz mais acidentes vasculares cerebrais? Os mais pobres. Quem são os mais hipertensos? Os pobres. Quem sofre mais de diabetes e de obesidade? Os pobres. E a lista poderia continuar. Não é difícil vislumbrar que certos hábitos e estilos de vida são mais comuns nos que vivem em privação contínua. Do mesmo modo, o acesso aos cuidados de saúde, apesar do nosso serviço nacional de saúde ser universal, começa a revelar algumas fraquezas.
Hoje, já está devidamente individualizada a nova síndroma de status que condiciona e explica muitas doenças. Quanto mais baixo o nível socioeconómico maior é o risco de doença e pior são as consequências. Os fatores têm a ver com a acessibilidade, o nível cultural, quanto mais elevado mais cedo socorrem dos serviços de saúde, capacidade económica e distância que separa os doentes dos serviços especializados. Todos estes aspetos são fáceis de compreender, como é óbvio, e caiem no âmbito social. Assim, a pobreza, estando associada com a maioria dos fatores enunciados poderá explicar mais doenças e mais mortes. Agora, alguns estudos começam a apontar para o efeito da pobreza e da privação a nível da própria biologia, ou seja, as pessoas que vivem em zonas mais pobres apresentam “marcas” no funcionamento do seu corpo. Um estudo sobre a sobrevivência do cancro da mama em mulheres revelou que as que vivem em condições de pobreza apresentam uma mutação de um gene que favorece o rápido desenvolvimento do cancro da mama e morrem muito mais cedo do que as que não apresentam alteração de tão importante gene. Neste caso concreto, é assustador verificar que as más condições sociais possam associar-se, além do conjunto de fatores já analisados, a uma elevada prevalência de uma anomalia produzida a nível biológico. As mulheres mais pobres têm uma mutação mais prevalente de um gene que regula o controlo das células cancerígenas, e, deste modo, não conseguem sobreviver como as outras, morrendo prematuramente. Quais as razões para que essa mutação ocorra mais frequentemente nas zonas menos favorecidas? Não se sabe ainda muito bem, mas não é de excluir os hábitos alimentares, consumo de tabaco, de álcool ou outros fatores ainda não estudados. De qualquer modo, se se comprovar que este fenómeno é consistente, então poderemos abrir um novo capítulo da biologia, a “biologia da pobreza” que poderá favorecer não só o aparecimento da doença como conferir-lhe mau prognóstico.
Numa altura em que as despesas na saúde são uma das principais dores de cabeça da sociedade, importa investir em áreas que possam traduzir-se em mais e melhor saúde. E a principal, começa a ser o nível socioeconómico. Um combate eficiente à pobreza é a solução para muitos males da saúde, ao ponto de permitir, neste caso concreto, cancro da mama, que as mulheres possam ter uma esperança de vida idêntica às que não sofrem na sua biologia mutações de cariz “socioeconómico”.
Já não basta ser pobre, quanto mais, ainda, sofrer mutações que tornem certas doenças particularmente agressivas.

Venalidades

Nestas estórias, sempre repetidas, das tentativas de condicionar a informação, estranha-se que raramente se chame a atenção para a facilidade com que tantos profissionais da comunicação social se deixam usar, se deixam manipular. Isto a crer no que por aí se ouve e lê, dito pela boca ou escrito pela pena de outros tantos profissionais do mesmo ofício.
Só é preocupante a venalidade na política? E não o é quando se trata do poder actualmente mais efectivo, o poder dos media, sem heterocontrolos?

Dona Jesus

Há muito tempo que deixei de a ver, a arrastar-se pela rua fora agarrada a uma canadiana desengonçada, gorro enterrado na cabeça a encobrir-lhe as melenas brancas e o invariável saco de plástico pendurado no braço, com o lixo que ia encontrando e a que sempre atribuía uma utilidade misteriosa. Pensei que já não morava no casebre da esquina, o vidro da janela está partido, o muro desabou e as portas saíram dos gonzos, deixando crescer a erva como num amparo desesperado. Mas o que me convenceu mesmo de que ela teria morrido ou que os filhos tinham finalmente vencido a batalha de a levar para casa de um deles foi que já não há cães nem gatos vadios a dormir no quintaleco, debaixo do tanque manco ou à sombra da figueira torta, nem roupa velha a secar nos arbustos.
D. Jesus tem mais de 80 anos e falava pelos cotovelos, era impossível passar-lhe à porta sem ela ver e ficar ali a ouvi-la, umas palavras pegadas nas outras num monólogo atabalhoado e difícil de decifrar, o tempo misturava-se todo e ora ela era nova e mal casada, quatro filhos “à carga”, como dizia, ora era velha e dona de si, “em mim mando eu, eles bem querem ditar-me a vida mas eu não deixo, já vai o tempo”.
O marido era um homem mau, “moía-me de pancada, diziam que era do vinho mas era ruindade, a Dona quer saber que um dia deu um murro num burro que o deixou morto no chão, era bruto e todos fugiam dele, eu que o aguentasse”. Tinha medo de o ver chegar, escondia os filhos no quartinho do fundo, para eles não verem, depois era o diabo à solta, os demónios do vinho ou da alma perdida, “nem ao padre tinha respeito, desvorciei-me, pois então, tive ajuda para isso e por causa dos filhos, aqui na aldeia puseram-me de lado mas eu fiquei, da minha vida sei eu”. Mas logo se comovia e a voz se suavizava para dizer que ele era lindo, andava a estudar para doutor, o pai teve um desgosto que se curvou como um velho, falava agora do neto morto num acidente de mota, à saída de um casamento “quer ver Dona, um belo rapaz, deixou a noiva como viúva, a vida é madrasta”. Tirava do bolso uma fotografia amarrotada e as mãos nodosas a alisá-la, esquecida da conversa, como se o acariciasse na face até lhe sentir o sorriso de novo vivo, e falava-lhe, “Artur, é a tua avó, meu menino, deste-me um grande desgosto, porque não me levou Ele a mim, que não faço falta a ninguém?” e virava costas e seguia rua acima, a limpar as lágrimas com a foto pensando que era o lenço que estava no bolso, e eu ficava a chamá-la, Dona Jesus, Dona Jesus, olhe que lhe trago comida para os cães, mas ela não ouvia, lá seguia a falar sozinha, naquele vai-vem constante, “em casa é que não fico, à espera da morte”.
Perguntei por ela e a vizinha hesitou, talvez eu não compreendesse, ou pensasse mal daquele abandono, mas sim, ela ainda ali vive, já não se levanta da cama, não reconhece ninguém mas não quer ir com a filha, vira-se a ela com uma fúria e grita que se vá embora, que na vida dela manda ela e mais ninguém, até que Deus queira.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Rigor e verdade

O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas anda na corda bamba por causa de três erros detetados em volumosos relatórios. Não foram devidamente provadas certas afirmações por revistas científicas credenciadas. Deste modo, os opositores da tese de que as alterações climáticas são uma ameaça, e de origem humana, ganham forças. E porquê? Porque em ciência o rigor e a verdade têm que ser respeitados. Em termos práticos, provavelmente, os tais erros não serão suficientes para porem em causa as conclusões dos relatórios, mas houve faltas e estas alimentam os espíritos e certas correntes.
Em ciência, o rigor e a verdade são princípios basilares que não podem ser desrespeitados. Pena é que na política tal não aconteça, muito pelo contrário. Se um primeiro-ministro for apanhado a mentir é considerado a coisa mais “natural” do mundo, e tanto faz que seja o “nosso” ou qualquer outro. Rigor e verdade não são exigíveis à política. Mas na religião também se verificam fenómenos semelhantes. Os casos de pedofilia que têm sido denunciados em muitos países não são compagináveis com a missão da igreja. Os padres também são homens, argumentam alguns, e por esse motivo estão sujeitos aos mesmos desvios. Mas não deveriam ser desviantes. E o que dizer dos que “abafam” os casos e que tendo responsabilidades de os denunciar à sociedade e à justiça nunca o fizeram? Afinal, o rigor e a verdade que se exigem à ciência devem ser também exigidos à política e à igreja.
A ciência pugna pelo rigor e pela verdade e luta por elas. A política prefere a malícia e a igreja não consegue livrar-se da hipocrisia de alguns altos dirigentes.

Cobras e lagartos sem cartão de cidadão


O DN noticiou há dias o sucesso de uma acção da GNR que, na sequência de uma denúncia, encontrou numa casa 46 cobras e lagartos “em situação ilegal por não terem documentação”. A notícia sossegava-nos a alma ao assegurar que viviam “em boas condições, no espaço adequado e em recipientes individuais, como manda a lei”. Fiquei a saber que os donos de cobras e lagartos têm também que estar registados e que há mesmo uma Associação discreta especializada em répteis e nas medidas legais que tratam da posse destes bichinhos.
Confesso que nunca me tinha ocorrido que alguém pudesse ter em sua casa uma colecção de cobras e lagartos e que a lei o permitisse, exigindo identificação, arejo, espaço e outras condições de saúde fora da selva e dos baldios insalubres. Mas, pensando bem, reforço a minha admiração pelo trabalho imprevisível dos GNR, que já aqui há uns tempos tiveram que caçar tigres no asfalto e que afinal também têm que vasculhar casas para caçar dragões-barbudos, cobras-de-milho, cascavéis e camaleões destinados ao afecto doméstico ou ao comércio. Também, de resto, não sabia que havia mercado para esta mercadoria, mas hoje vende-se de tudo, mesmo do que há por aí aos pontapés, ao preço da chuva, basta-nos ligar a televisão ou abrir um jornal e saltam logo cobras e lagartos em série, gordos e luzidios.
Fiquei muito mais descansada, se cobras e lagartos não identificados são metidos na gaiola, apesar de bem tratados e de estarem de papo cheio, e quem lhes dá acolhimento leva no mínimo uma multa, os que andam por aí à solta não tarda são apanhados nalguma rusga...

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Poluição luminosa

Há dias encontrei o meu velho telescópio. Deram-mo há muitos anos para poder desfrutar as noites de verão da minha varanda, durante as férias. Na altura, aperceberam-se da minha vocação para a “astronomia”. De facto, era um encanto olhar para o céu e conseguir ver inúmeras estrelas e diversas constelações. O fascínio era tal que já sabia onde estavam certas estrelas, e até a “hora” de acordo com as suas posições. Com base em atlas que ia adquirindo, acabei por saber muitos dos seus nomes. Gostava particularmente das noites em que deveriam aparecer as “estrelas cadentes”. E apareciam! Com os anos abandonei o céu. Regressei à terra! A razão é muito simples. Deixei de ver os astros, escondidos pela poluição luminosa. Liquidaram um espetáculo que deveria ser preservado. Este fenómeno, poluição luminosa, já afeta as pequenas comunidades. É fácil de perceber que nas grandes cidades o fenómeno é particularmente grave, ao ponto de impedir as gerações mais novas de desfrutarem, no futuro, tão belo património.
Acontece que a poluição luminosa não perturba apenas os astrónomos ou os que se deliciam com a poesia e a beleza da dança dos astros, mas também, e de que maneira, os seres animais e vegetais. Insetos, aves, répteis andam desnorteados com o excesso de luz que invade a noite, perturbando as suas fisiologias, desorientando-os nas suas migrações, alterando os seus comportamentos, enfim, provocando distúrbios muito marcados no chamado ritmo circadiano. E quanto aos seres humanos? Também sofrem dos efeitos da iluminação e da violação do ciclo dia noite. Ansiedade, agressividade, hipertensão, stress, dores de cabeça, fadiga, diminuição da função sexual são alguns desses efeitos. Há, no entanto, evidências muito fortes de aumento de certas formas de cancro, nomeadamente da mama, nas mulheres que estão expostas a agressões luminosas durante a noite. Sabendo que esta forma de cancro atingirá uma mulher em cada nove, ao longo da vida, e que está em franco crescendo, devido a múltiplos fatores, alimentares, hormonais e substâncias poluentes, frutos da atividade humana, importa conhecer todos os agentes envolvidos, entre os quais se destaca a poluição luminosa. Deste modo, a poluição luminosa produzida pelas luminárias exteriores e outras fontes internas merecem alguma atenção e cuidado de forma a minimizar os seus efeitos. O mecanismo começa a ser conhecido e deve-se a uma substância que não é produzida adequadamente no cérebro das pessoas, a melatonina. A falta desta substância terá um papel muito importante ao permitir o aparecimento deste tipo de cancro que, infelizmente, atinge cada vez mais mulheres jovens. Acontece que uma fraca, mesmo fraquíssima, fonte de luz é mais do que suficiente para impedir a produção de uma substância tão importante. A poluição luminosa pode entrar pelas janelas e ser produzida dentro da habitação. A testemunhar a importância desta situação, destaca-se o facto de que as mulheres que trabalham por turnos correrem mais riscos de cancro da mama, ao ponto de, no ano passado, quarenta mulheres dinamarquesas terem recebido uma compensação do governo devido a cancro da mama relacionado com o trabalho por turnos. As mulheres com história familiar de cancro não foram contempladas. Estas atitudes reforçam cada vez mais a associação e o papel da poluição luminosa no desencadear de uma patologia em crescendo. Importa que sejam tomadas medidas destinadas a controlar e a minimizar os impactos desta forma de poluição que começa a ser conhecida. Entretanto, enquanto não são tomadas medidas destinadas a fazer regressar o escuro, a que temos direito, com consequências que não se esgotam apenas nos gastos energéticos, aumento da emissão de gases com efeito estufa, mas também em várias patologias, entre as quais o cancro, aconselha-se o seguinte: evite fontes luminosas durante o sono, durma oito a nove horas em total escuridão e evite trabalhos por turnos ou entrar sistematicamente durante a noite como se fosse dia...
Ainda tenho esperança de voltar a usar o meu telescópio nas doces e quentes noites de verão. Quando tal acontecer é sinal de que um importante fator de risco de cancro começou a ser controlado.

Desmascarem-se...

Com efeito, não é só no Carnaval que as pessoas se mascaram. Diria mesmo que andamos mascarados ao longo do ano, uns sem se aperceberem das máscaras que lhes vestem e outros sabendo bem as máscaras que enfiam a si próprios e aos outros. Sermos nós próprios às vezes não é fácil, mas deveria ser um imperativo. A satisfação é grande quando verdadeiramente o sentimos.
Mas o quotidiano está afinal cheio de máscaras e as relações que se estabelecem nos mais diversos planos são moldadas por disfarces, tornam-se opacas e sem transparência.
Embora o Carnaval esteja ligado à mascara, sabemos bem que as máscaras não são um exclusivo da época. Talvez que o clima de festa do Carnaval seja mais outra ocasião para inventar novos disfarces.
Já Vergílio Ferreira dizia: “Que ideia a de que no Carnaval as pessoas se mascaram. No Carnaval desmascaram-se”.
A todos aqueles que gostam de brincar ao Carnaval desejo que se “desmascarem” o melhor possível. O tempo não está grande coisa, mas ainda que com chuva a animação dos desfiles anunciados um pouco por toda a parte parece que promete uma terça-feira festiva. Apesar da crise, parece que o Carnaval não se desmobilizou…

Fechadura madeirense

Quando será que Alberto João Jardim percebe que agora é ele que precisa do PSD do continente ?

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Sócio de um clube norte-americano por uma noite.

O escritor norte-americano William Faulkner afirmou em tempos que “para trabalhar precisava apenas de papel de escrever, tabaco, alimentos e um pouco de whisky”. Talvez esta afirmação justifique a sua iniciativa de protesto contra o facto de no seu condado, e na maior parte dos condados do seu estado, Mississípi, a venda de bebidas alcoólicas ser muito limitada ou mesmo proibida. Mississípi foi o primeiro estado a ratificar a Proibição. Mesmo depois de ter sido levantada arranjaram maneira de impedir ou limitar a venda. Cerca de um terço dos condados continua, ainda hoje, a “seco”. Apesar de a cerveja não estar incluída na mesma categoria do vinho e bebidas espirituosas, continua banida em muitas áreas.
No ano em que recebeu o prémio Nobel, Faulkner criticou os “religiosos” que comandam esta cruzada que, nalgumas confissões, chegam a usar sumo de uva em vez de vinho! Na penúltima vez em que o assunto foi a votação, em 1977, ganharam os fundamentalistas. Agora a votação foi a favor. Mas os abstémios profissionais, talvez antecipando o resultado, venderam cara a derrota, impedindo que o comércio seja feito em garrafas (só é permitido mercadejar caixas) e à temperatura ambiente, porque vender cerveja gelada é um convite ao pecado, ao torná-la mais saborosa. Se Faulkner fosse vivo, decerto que iria comprar uma caixa de cervejas, colocá-la-ia dentro de um frigorífico e depois convidava uns amigos para celebrar esta “vitória”.
Este comportamento, curioso, e não muito compreensível nos nossos dias, fez-me lembrar um episódio que tive a oportunidade de viver há cerca de vinte anos.
Fui participar numa reunião científica na cidade de Birmingham, Estado do Alabama. Nesse encontro estiveram presentes colegas da América Latina. Conhecia alguns de outras andanças científicas.
“Aterrámos” num sábado e combinámos jantar e conviver um pouco. Quando pretendíamos escolher o restaurante disseram-nos que, como era fim de semana, não podíamos ter acesso a bebidas alcoólicas, porque a Lei do Estado assim o determinava. Foi-nos dito, igualmente, que, durante a semana, só muito poucos locais disponibilizavam bebidas com álcool, porque as licenças para o efeito eram astronómicas. Estas informações, prestadas por um colega português, que ocupava um alto cargo na Organização Pan-Americana de Saúde, surpreendeu-nos a todos, à exceção de um mexicano muito castiço. O pessoal não estava interessado em jantar e conviver com água ou Coca-Cola. Enquanto fazíamos as nossas críticas, o mexicano, já batido por aquelas bandas, sorriu e disse que havia uma solução. Perguntei-lhe de imediato qual era. - Então não é proibido consumir bebidas alcoólicas ao fim de semana? Foi então que nos explicou que se jantássemos num clube privado podíamos beber umas cervejas. – Mas nenhum de nós é sócio de qualquer clube! Ripostei de imediato. – É fácil! Muito fácil! Vamos a um clube, um de nós faz-se sócio e depois convida os restantes para jantar. – Hum! Pensei eu. Não deve ser assim tão simples. Qual quê! Sempre com aquele sorriso à mexicana, telefonou a um colega da Universidade solicitando indicações sobre clubes privados que tinham restaurantes ou um que fosse mesmo bom. Lá lhe indicaram, presumo, o melhor da cidade.
Em poucos minutos batemos à porta e um senhor conduziu-nos para um simpático átrio perguntando se éramos sócios. O mexicano disse-lhe que não, mas era nossa intenção jantar. Para isso, informou que um de nós teria de se inscrever como sócio e depois poderia convidar os amigos que quisesse. Fiquei de boca aberta. Afinal é mesmo assim! O mexicano olhou para o grupo e piscando o olho mandou-me avançar. – Eu é que vou ser o sócio?! – Claro! Respondeu-me o colega. - Eu já sou sócio de tantos clubes que, desta vez, é melhor indicar o português. Vem do outro lado do Atlântico!
Automaticamente apresentei o passaporte, preenchi a ficha, paguei a joia e a quota daquele mês (até nem era nada de especial), recebi o cartão de sócio e a seguir o senhor fez-me a pergunta: - O senhor é sócio deste clube? Posso ver o seu cartão? – Tinha acabado de o receber há meia dúzia de segundos - nem tinha lido bem o que lá constava, à exceção do meu nome -, e já estava a mostrá-lo. Perguntou-me se as pessoas que me acompanhavam eram meus convidados. Disse, titubeando, que sim e, de imediato, com muita deferência abriu-me a porta de um belíssimo restaurante. Cheiinho!
Comemos, bebemos umas cervejas (não muitas!) e passámos uma bela noite em amena cavaqueira.
Se a “ASAE” lá do sítio entrasse no estabelecimento só tinha que mostrar o meu cartão de sócio e dizer que as pessoas do grupo eram meus convidados.
Sócio de um clube norte-americano por uma noite. Palpita-me que Faulkner também deveria conhecer este expediente...

A Antártica aqui tão perto...

(clicar em cima da fotografia para ampliar)

É a minha escolha de entre as fotografias premiadas pelo World Press Photo 2010. Esta fotografia, da autoria de Paul Nicklen da National Geographic, ganhou o primeiro lugar na categoria Reportagem Natureza. Foi captada na Georgia do Sul, na Antártica. Não precisa de mais apresentações. A fotografia fala por si...

Sanções ou experiências transformadoras

Há dias um amigo meu contou-me que foi apanhado em excesso de velocidade numa autoestrada e que agora, passados muitos meses, recebeu a notificação da apreensão de carta durante um mês. Trabalha fora de Lisboa e o caminho de casa para o emprego passa por todos os tormentos do trânsito matinal, razão pela qual sai de madrugada e regressa sempre muito tarde, numa rotina instalada que lhe consome as semanas, os meses e os anos dentro do automóvel ou no escritório, num círculo fechado em que já não distinguia o que é que determinava o quê, se o trabalho intenso se o trânsito infernal para conduzir o automóvel de uma ponta da cidade para os arredores.
Neste contexto, ficar sem carta durante um mês parecia uma catástrofe difícil de rodear, um verdadeiro castigo, em suma, ao qual ele decidiu reagir sem programar nada e esperando que cada dia trouxesse a sua solução. Pareceu-me aquilo uma temeridade mas fiquei à espera da sequência.
Pois bem, já passada mais de metade da punição, falou-me entusiasmado de uma “experiencia transformadora” que está a viver com um interesse que cresce à medida que desaparece a ansiedade. Descobriu que tem comboio a dez minutos a pé da porta de casa, que o metro tem estação logo à saída do comboio e que vários colegas se disponibilizaram para o apanhar à saída do metro e o levar para o emprego, evitando-lhe o recurso à camioneta de carreira. Em consequência, passou a sair de casa apenas atento ao horário do comboio, leva um livro para ler enquanto espera tranquilamente a chegada ao destino, entra no metro a tempo e horas e vai depois a conversar com a “boleia”, que varia em função dos compromissos de uns e de outros mas que nunca faltou, mostrando-lhe uma generosa provisão de pessoas dispostas a ajudá-lonesta dificuldade. Além disso, e porque a maioria dos colegas não tem o hábito de ficar a fazer serão no trabalho, passou a conseguir sair a horas decentes, supreendendo a família que já não contava com ele a horas de jantar.
Como balanço geral, pasmo a ouvi-lo referir que o automóvel é uma “gaiola de metal”, que o surpreende a vida da multidão que se desloca nos transportes públicas, gosta de observar as pessoas, o ar atarefado da manhã para picar o ponto, a expressão cansada e cinzenta ao fim do dia, os sinais exteriores de pobreza, as mães com os filhos pela mão, tantas realidades ao mesmo tempo que passam paralelas às filas do trânsito, às notícias na rádio, à tirania do carro que fica parado horas e horas até que o levem depois de volta à garagem. Há quantos anos vive alheado da realidade dos outros, encerrado ora no carro, ora no escritório, ora no computador, não basta ver televisão, o que ele quer dizer é que agora entra nessa vida e sente-se um deles, numa identidade que o faz sentir como se um mundo novo se desvendasse. Incrível, a intensidade da vida fora da fita de esfalto que passa à volta da cidade!
Contou-me animado o livro que está a ler e que leva debaixo do braço, em vez da pasta que carregava diariamente na mala do carro e que concluiu que era um estorvo inútil porque afinal não chegava a abri-la na maior parte dos dias. Falou-me de como os colegas se preocupam em combinar as idas e vindas com ele, como se revezam de modo a não o deixar sem boleia e, em suma, confirmou que há gente generosa em todo o lado e que é uma pessoa de sorte por poder comprová-lo.
Há males que vêm por bem, quem havia de dizer que uma sanção havia de se revelar uma experiência transformadora tão positiva? É uma questão de atitude, o segredo está em não deixar que a contrariedade se transforme em sofrimento, às vezes não é tão difícil como parece...

Fechadura portuguesa

Devia ser proibida a existência de fechaduras nas pocilgas...
... assim, não tínhamos que assistir a certas chafurdices !

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Dia dos namorados

Ler poemas de amor enrubesce. Comédias estimulam a circulação. Ver faces ocultas empalidece? Pode provocar arritmias?

Acha normal?

No habitual espaço televisivo reunem os comentadores e analistas de sempre.
- Acha normal que Sócrates e o governo...?
- E acha normal que o ministro...?
- Mas acha normal que o PGR....?
Mudo de canal. Os entendidos do costume e o pivot perguntador.
- Acha normal que o presidente do Supremo...?
- Mas acha normal que o juiz...?
- Acha normal que haja empresários...?
Ninguém, agora, acha normal. Designadamente os muitos comentadores e analistas que até aqui achavam tudo normalíssimo.
E no entanto, sintomas claros daquilo que se vai revelando por estes dias e que faz abrir a boca de espanto aos que antes ridicularizavam quem se revoltava contra o ambiente de asfixia democrática, há muito que vinha sendo denunciado na blogosfera, designadamente aqui, no 4R. Nessa altura, sendo os protagonistas os mesmos, tudo era normal.
Se estou escandalizado com isto? Não, por vários motivos que aqui fomos registando ao longo do tempo, acho perfeitamente normal.

Dresden



Dresden, a Florença do Elba, destruída em 13 de Fevereiro de 1945 pelas bombas e fogo dos aliados. Faz hoje 65 anos.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Cerveja e osteoporose

Volta e não volta aparece mais um estudo sobre os efeitos benéficos da cerveja. Sofre de osteoporose? Cerveja! Bom pretexto.

O abraço


seis mil anos foram enterrados abraçados um ao outro. Porquê? Quem eram?
Curiosidade? Muito mais do que isso. Uma história que gostava de conhecer. Mas se não conseguir, o melhor é imaginar...

Iniquidades da saúde...

Apesar da "confusão geral" instalada a vida prossegue, é preciso cuidar das pessoas. Tenho escrito diversas vezes sobre o quanto me desconforta a facilidade das visões economicistas que orientam as políticas de saúde.
Confrange-me que pessoas com problemas de saúde muito graves ou que sofrem de doenças incuráveis fiquem impedidas de acederem a medicamentos ou tratamentos mais sofisticados porque não têm recursos financeiros para os adquirir. Ou então têm que aguardar - quando está em causa uma luta contra o tempo - que as farmácias hospitalares ou as autoridades de saúde se pronunciem sobre se a terapia receitada pelo médico clínico é adequada e se tem ou não comparticipação do SNS.
Tive ontem conhecimento de um caso concreto de um doente que sofre de uma doença incurável a quem o seu médico oncologista receitou um medicamento com o preço de 2.500 €. Confrontado com a impossibilidade de iniciar o tratamento porque os serviços de saúde não dispunham de autorização para o fornecer e suportar o respectivo custo, o doente acabou por pagar do seu bolso o medicamento. Os serviços de saúde não lhe deram uma indicação do prazo para uma decisão administrativa.
Certo é que o doente, perante a necessidade do tratamento e dos benefícios que lhe foram explicados, decidiu adquirir o medicamento. Valeu-lhe uma poupança em certificados de aforro que desmobilizou para o efeito.
Este caso remete-me para um texto que escrevi há uns tempos, que se mantém actual, do qual transcrevo esta parte, :
Esta actuação coloca-nos perante problemas muito graves. O primeiro é o de saber como pode uma decisão administrativa impedir ou interferir na aplicação de uma determinada terapêutica estabelecida pelo médico. Ou seja, como pode uma decisão de administração sobrepor-se à decisão médica? Como pode uma política economicista impedir as melhores práticas médicas? Coloca-se, então, a questão de saber em que consiste a defesa do interesse do doente e da sua qualidade de vida?É legitimo que a cura e a esperança de vida de um doente oncológico estejam dependentes não de critérios clínicos, mas antes de critérios estritamente financeiros? Que concepção é esta dos direitos do doente, que não defende o primado da saúde? Mas que ÉTICA é esta que rege os tratamentos oncológicos em função da poupança de mais uns milhares de euros com a vida de um doente? Mas que monstro de injustiça estamos a construir? Que lotaria é esta que o sistema obriga os doentes a jogar?”

Confusão geral...

Inspirei-me no excelente texto da Suzana Toscano que nos transporta para a dimensão que é a confusão geral que está instalada. Se é verdade que as confusões podem trazer luz, não é menos verdade que podem ser perigosas. Seria bom não esquecer que também estamos a viver uma crise social, que afecta pessoas, as suas vidas, pessoas que se confrontam com grandes dificuldades, estão preocupadas, desiludidas, tristes, zangadas.
No meio da confusão geral, corremos o perigo de perder a lucidez necessária para distinguir o que é correcto daquilo que não é, de distinguir o bem do mal, de distinguir quem fala verdade ou mentira, de distinguir o principal do acessório. No meio do caos de tudo se querer saber ou de tudo se querer esconder, do querer reparar o irreparável, do "tapar o sol com a peneira", torna-se presa fácil confundir os planos da política, da justiça e da comunicação social e fácil é, também, esquecer as exigências da lei e fazer tábua rasa de princípios e valores éticos que andam, aliás, há muito, pelas ruas da amargura. As invocações ora do “interesse público” ora do “interesse privado” para justificar esta ou aquela estratégia em nome de valores superiores ou para contenção de danos são também achas para a fogueira da confusão geral.
Em plena confusão geral, parece não haver tempo para fazer o que com tempo deveria ter sido feito. O que temos são verdadeiras corridas contra o tempo. Não faltam opiniões diferentes sobre tudo e mais alguma coisa. Toda a gente acha que tem razão e toda a gente acha que ninguém tem razão. Todos acusam o dedo uns aos outros. Toda a gente dá entrevistas. Tudo em real time, em jeito sensacionalista, com directos uns atrás dos outros, com anúncios e mais anúncios das cenas dos próximos capítulos. Até ver…
Mas esta confusão geral assim como não apareceu por acaso, não se vai evaporar por acaso. O que vão pensar os cidadãos comuns, os desempregados, as empresas e os investidores de tudo isto? Que retrato é este que estamos a passar para fora? A resposta pode bem ser a de um país que não “cresceu”, que não toma conta de si próprio, que continua invariavelmente a braços com uma falta crónica de um caminho económico ganhador. “Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão". É o que diz o ditado popular!