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sábado, 30 de novembro de 2013

Sabe bem ganhar...

Ainda me lembro a última vez, tinha 19 anos. Foi em 1970. Vi o jogo ao vivo, em pé, na geral.
Sabe bem ganhar, nem que seja de quando em vez...
Estou velho!

Por vezes também se desce...

Os alcatruzes da nora
Andam sempre a dar e dar
É para cima e para baixo
E não param de rodar
Adaptação de Fernando Pessoa (Quadras ao gosto popular)
Bom, os ciclos existem. Nos organismos, nas famílias, nos partidos, na economia. Não se sobe sempre; não se desce sempre. Mas nunca pode haver conformação. Muito menos, desistência.
E é sempre tempo de tomar balanço para nova ascensão.

"Anjo-da-guarda"...

Adoro imprevistos, desde que me deslumbrem e aqueçam a alma. Criar histórias está no interior das minhas células, que se alimentam do inesperado, do encanto, da poesia, do amor e de o respirar de gente simples, anónima, gente que ambiciona ser feliz. A história é simples, uma imagem velha, delicada, harmoniosa, cheia de silêncio, repleta de belos tempos, alvo de cuidados, adorada ou respeitada, um símbolo profundo e religioso de quem tem o poder de proteger e guardar a alma dos mais fracos e vulneráveis. Nada de especial. Um anjo-da-guarda, vindo dos confins do tempo, e que alimentou a vida de quem o possuiu, acabou por cair nas minhas mãos. A imagem levou-me a pensar nas histórias de pequenas coisas, de gente simples, e, sobretudo, das emoções e vidas associadas. Uma pequena imagem cheia de histórias e que acaba de originar mais uma. Caiu-me nas mãos. Tudo o que me caia nas mãos, seja qual for o valor que tenha, tem que ter um tratamento especial, por respeito com todos os pensamentos que absorveu e produziu nos seus donos. Só assim entendo o valor de uma oferta. Cheguei a casa e mostrei as "ofertas" da semana. Instintivamente olhei para a minha neta mais nova, que ouvia em silêncio a conversa, e disse-lhe: - Gostas deste anjinho? - Gosto. É muito lindo! Sabendo da sua apetência, perguntei-lhe: - Gostavas de ficar com ele? Não respondeu, mas os olhos brilharam com a habitual cintilação quando vai receber algo que não estava à espera. - É para ti. Sorriu com felicidade. Quando acabámos de jantar perguntei-lhe onde é que o iria colocar. Entretanto, pediu-me para o pegar. Com doçura, e muito cuidado, foi até à sala onde se sentou com o anjo ao colo. Respondeu-me que ia colocá-lo na porta de entrada. - E o que é que lhe vais pedir? Esperou um pouco e respondeu-me: - Para não ter maus sonhos. Para não cair. Para não me fazerem mal. Para não ter sangue. Para dar saúde à mamã. Disse as frases de forma pausada e séria. Subitamente, agita-se e grita: - Vovô, agora, a Nossa Senhora que tu me deste vai ter a companhia do anjo-da-guarda! Ela vai ficar feliz, não vai? - Vai pois, os santos também gostam de companhia. Calou-se durante alguns segundos e continuou: - Vovó, podias ter dado também ao João e à Mariana. - Pois podia. Mas não te preocupes, santos e santas é coisa que não me falta. Sorriu. - Eu depois dou-lhes um. Está bem? - Está. Mas conta-me a história deste anjo-da-guarda. E eu contei-lhe. Ficou absorta e satisfeita com a origem e as voltas do mesmo até lhe ter chegado às suas mãos. Fui dono durante algumas horas de um anjo-da-guarda, mas entendi que estaria muito melhor nas mãos da minha neta mais nova. Passou a ser dela. Tenho a certeza que daqui a muitos anos, muitos mesmo, ela saberá o que fazer com ele e irá contar uma nova história, simples, delicada e cheia de emoção. É assim que se constrói uma história. É assim que as histórias se alimentam das almas humanas e as almas de histórias.





Generosidade

Sempre que se recebe uma lembrança mandam as regras que se agradeça. Mas há formas peculiares de agradecer. Ontem, recebi um anjo-da-guarda que esteve nas minhas mãos por poucas horas. Ofereci-o à minha neta mais nova por vários motivos. Contei-lhe a história e, ao mesmo tempo, fiz o possível por criar mais uma, antecipando uma outra que a menina, muito mais tarde, irá contar. Precisamos de histórias para viver e as histórias precisam de ser recriadas vezes sem conta. Contei-lhe a história do anjo-da-guarda. Ouviu com muita atenção. Guardou-o junto ao seu coração. É dela. Merece-o. Hoje, lembrou-se de desenhar a senhora que foi dona do seu anjo-da-guarda. Telefonou-me a perguntar se a mãe da senhora ainda existia. Disse-lhe que sim, que estava viva, doente e velhinha. Não se podia levantar. Ficou preocupada e perguntou-me como é que ela podia comer. Expliquei-lhe quem é que lhe dava de comer e como a ajudavam. Respondeu-me que queria desenhar a senhora, mas não sabia desenhar pessoas velhas, só novas. - Vovô, como é que vou desenhar a senhora? - Não sei. Tu é que tens de saber. Calou-se por momentos e depois disse: - Está bem! Vou desenhar a preto.  Há pouco a mãe telefonou-me a dizer que a Leonor estava atarefada a fazer o desenho. Acabo de o receber. Agora tenho de o levar e dar à filha, para que mostre à mãe o agradecimento de uma menina que vai fazer cinco anos e que é a detentora do seu anjo-da-guarda e que vai acompanhá-la por toda a vida. Só espero que um dia faça feliz um novo ser, contribuindo para o perpetuar de uma história que se alimenta da vida das pessoas e que ajude a alimentar almas de boa gente. 


"Chegou a casa e desenhou a mãe da senhora acamada. Do lado direito desenhou um anjo, uma cruz e uma flor, e disse que eram para a proteger, do lado esquerdo uma janela com uma estrela e a lua!"

"A mordaça"...

Se alguém me perguntasse qual o maior atributo inerente à condição humana responderia sem hesitação, a liberdade, a liberdade de ser, a liberdade de estar, a liberdade de falar. Se alguém me perguntasse para representar a maior igualdade do mundo descreveria sem hesitação, liberdade = humanidade. Não consigo conceber que se limite ou impeça a liberdade de expressão de ninguém, mesmo que discorda frontalmente da ideologia, do credo, do clube e da forma de ver o mundo. Quando tal acontece, saio a terreiro para os defender. É meu dever, é um direito que não abdico. Esta posição não significa que aceite todas as opiniões, sobretudo quando estas caiem no âmbito do insulto ou da calúnia. Isso nunca, isso não é sinónimo de liberdade, trata-se de uma conduta que é própria dos sacanas, de gente sem escrúpulos, de pessoas sem caráter e sem dignidade, que, afinal, não passam de meros representantes da libertinagem, que é o oposto da liberdade. 
Portugal viveu anos de ditadura. Não se podia falar. Havia um desprezo pelos direitos das pessoas. Nas pequenas localidades, os "ditadorezinhos" locais replicavam o comportamento dos dirigentes  do país. Impunham e viviam à custa do medo, da represália, da humilhação e da denúncia. Uma verdadeira rede que se alimentava da negação dos direitos dos mais necessitados. Ouvi e conheço muitas histórias que ilustram esses comportamentos. A mordaça existia e era aplicada por tudo e por nada. A tristeza e a humilhação andavam de braço dado, e descalças como os pés da gente humilde e necessitada. Depois veio a explosão de alegria e de amor social, graças a uma revolução que colocou no pedestal, no altar da vida, a imagem que qualquer ser humano digno deveria adorar, independentemente da sua fé, a deusa da liberdade. Mesmo os que não têm religião são capazes, humildemente, de se ajoelharem perante esse símbolo. E devem fazê-lo, porque ajoelhar aos pés da liberdade é sinónimo de respeito pela condição humana. Custa-me que em "liberdade", quase quarenta anos depois, começam a aparecer pessoas a queixarem-se, a chorarem, porque não se sentem livres de poderem exprimir as suas ideias e opiniões. Falo de gente digna, respeitadora, consciente do seu papel e não de gente sacana, tacanha, mesquinha e com falta de caráter. Falo de gente de bem. Há neste país, pessoas de bem que começam a queixar-se de que se sentem amordaçadas, algo impensável, indigno, ofensivo e humilhante da condição humana. Não aceito que se amordace ninguém por pensar de forma diferente, pensamento que até pode ser oposto do meu, mas está a acontecer, e eu coloco-me ao lado de todos, sejam os que comungam das minhas ideias, sejam os que não concordam comigo. Respeito-os no mesmo plano, e ao fazê-lo estou a dar-me ao respeito e a contribuir para o desenvolvimento e equilíbrio social. Não consigo aturar os libertinos, os sacanas, os trafulhas, os vigaristas, mas respeito e admiro todos os que honestamente querem dar o seu melhor para o país, independentemente da ideologia, credo, ou forma de ser. 
Não às mordaças, sim à denúncia da libertinagem. 
Não consigo pensar viver sem liberdade, o maior bem que alguém pode desfrutar.

Em nome do povo!...

Vêem-se os telejornais: declarações da Intersindical, manifestações de trabalhadores, entrevistas aos porta-vozes dos grupos parlamentares, professores em luta, greve dos CTT, inconstitucionalidades, luta dos trabalhadores dos Estaleiros de Viana, deputados nos piquetes de greve, inquérito aos swaps, Fenprof, reacções do governo, pressões sobre o Constitucional, reacção dos partidos, protestos no Parlamento, greve dos transportes, comissões de inquérito, e assim por diante, hora a hora, dia a dia, semana a semana. As mesmas caras, as mesmas figuras, as mesmas atitudes, os mesmos figurões, o mesmo jornalismo, sempre, sempre a falarem em nome do Povo!...
Ironicamente, o mesmo Povo que, em eleições, sempre vem recusando tal representação. 

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Aumento "codificado" da idade de reforma, tentativa de descodificação...

- clicar em cima da imagem para ver melhor -
Nascem como os cogumelos as notícias sobre o aumento da idade de reforma e o factor de sustentabilidade, excepções, penalizações, etc. É pena que o governo não disponibilize a proposta que vai levar na segunda-feira à Concertação Social em lugar de ir colocando na rua aos soluços bocados da dita proposta. A bem dizer, tratando-se de matéria que tem de ser debatida na Concertação Social não se compreende que as medidas avançadas sejam dadas como definitivas e que os parceiros sociais antecipem publicamente o seu desacordo. Atrevo-me a adivinhar que vai haver desconcertação social. Daquilo que já é público, e entrando em linha de conta com a informação constante do OE para 2014, já é possível descortinar alguma coisa, embora com algum risco. Vejamos primeiro qual é o ponto de partida, isto é, o que temos hoje:
- A idade legal de reforma está estabelecida nos 65 anos.
- Desde 2008 que tem sido apurada, ano a ano, uma idade implícita de reforma, calculada através de um factor de sustentabilidade que tem em conta a idade legal de reforma – 65 anos – e mede os ganhos de esperança média de vida aos 65 anos na data de reforma comparando com 2006, data que foi assumida como referência.  
- Havendo ganhos de esperança de vida há mais anos de pensões para pagar, pelo que a aplicação do factor de sustentabilidade nas pensões - calculadas de acordo com as regras em vigor – traduz-se numa redução de modo a compensar financeiramente mais pensões a pagar.
- A redução nas pensões, que tem vindo a aumentar de 2008 até hoje, pode ser substituída por mais tempo de trabalho, cabendo ao trabalhador a opção de escolha: redução na pensão ou mais tempo de trabalho.
- As duas opções são financeiramente equivalentes (devem ser) em termos de custos para a segurança social.
- Como se pode ver no gráfico, em 2013 o factor de sustentabilidade provoca uma redução na pensão de 4,78%, o mesmo será dizer que a idade implícita de reforma é 65 anos e 5 meses. Ou seja, para que a redução não se verifique, o trabalhador tem que trabalhar mais 5 meses para além da idade legal de reforma.
- Portanto, de 2008 até 2013 a idade de reforma progrediu dos 65 anos para os 65 anos e 5 meses.
- Neste sistema, o factor de sustentabilidade vai ajustando gradualmente a idade de reforma em função dos ganhos do aumento de esperança de vida que têm vindo a crescer.
- Como também se vê no gráfico, com este factor de sustentabilidade, a idade de reforma ascenderá a 67 anos por volta de 2050. Isto é, a redução originada pelo factor de sustentabilidade nesse ano será de 25%, o correspondente em tempo de trabalho a mais 25 meses para além dos 65 anos.
- Num período de cerca de 40 anos a idade de reforma ascende a 67 anos.
Vejamos agora o que dizem as notícias:
- A idade legal de reforma é alterada para os 66 anos a partir de 2014. De acordo com o actual sistema, como se pode ver no gráfico, a idade de 66 anos seria atingida algures em 2029; em alternativa, para quem não optasse por trabalhar mais 12 meses, a redução na pensão seria de 12%.
- Ora, o que a decisão do governo faz é antecipar em 14 anos a idade de reforma de 66 anos, dado que com o actual factor de sustentabilidade seria alcançada em 2029.
- A consequência é que haverá um "apagão" de reformas em 2014, os trabalhadores que em 2014 completam 65 anos terão que aguardar por 2015 para se reformarem.
- O s trabalhadores não terão a possibilidade, ao contrário do que acontece no actual sistema, de trocar mais um ano de trabalho por uma redução na pensão.  
- As reformas antecipadas na segurança social continuam suspensas, na função pública será possível a antecipação, mas não se conhece, no entanto, como será calculada a redução. No primeiro caso para evitar despesa imediata, no segundo caso a despesa muda de rubrica. 
- Também foi noticiado que a idade de reforma continuará a aumentar, devendo atingir os 67 anos justamente em 2029, ano em que a manter-se o actual sistema a idade de reforma estaria nos 66 anos.
- Não se sabe como vai a idade (legal) de reforma evoluir depois de 2015: se administrativamente, sucedendo-se vários “apagões”, ou se irá sendo gradualmente ajustada por um factor de sustentabilidade.
Há muitos países da OCDE que estão em processos de aumento da idade de reforma para 66 anos e 67 anos, com e sem recorrer a factores de sustentabilidade, mas com uma grande diferença: é que estão a fazê-lo gradualmente. São desejáveis períodos de transição ou gradualismo - caminho que estávamos a fazer - por razões que se prendem com impactos no mercado de trabalho, incluindo o desemprego, na gestão das empresas e na economia e vida familiar.
Por cá anuncia-se o aumento da idade legal de reforma a três meses de entrar em vigor. O assunto não foi suficientemente debatido, esclarecido e compreendido pelas pessoas. As pessoas não sabem ao certo o que se vai passar, mas o grave é que já desistiram. 
A poupança orçamental esperada para 2014 é de 200 milhões de euros, valor que ainda não foi explicado. E quanto ao impacto na sustentabilidade dos sistemas de pensões é óbvio que será positivo, mas a demonstração também não foi feita. Pode ser que seja....

Desemprego desce pelo 8º mês...agora compreende-se melhor!

1. Informação divulgada pelo Eurostat dá hoje conta da descida da taxa de desemprego em Portugal, pelo 8º mês consecutivo, para 15,7% da população activa - desde um máximo de 17,7% em Fevereiro último.

2. Este dado reforça a ideia abordada em Post que ontem editei, no qual procurei descortinar uma relação de causa-efeito entre as notícias de melhoria da actividade económica e a multiplicação das iniciativas de Agit-Prop...

3. ...desde o famoso congresso da irritação nacional da Aula Magna (cujos promotores cometeram o equívoco de comparecer sem o traje recomendado, o camuflado) às manifestações de grande agressividade – embora planeadas e controladas, percebe-se bem – de avençados da CGTP em locais públicos cirurgicamente escolhidos, passando por múltiplas manifestações de indignação protagonizadas por grupos profissionais diversificados e aparentemente com escassa ocupação...

4. A perspectiva dantesca das políticas neo-liberais em curso poderem - contra toda a lógica e no mais deplorável desrespeito da axiologia crescimentista - vir a registar algum sucesso, é motivo mais do que suficiente para suscitar um Movimento Nacional para a Permanente Indignação (MN-PI)...

5. ...mobilizando todas as forças patrióticas, democratas de múltiplos calibres, anti-fascistas diplomados ou simples bachareis- exigindo um 2º resgate ou, em alternativa o abandono da zona Euro...em qq dos casos, suspendendo o pagamento da dívida.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

"Números desconhecidos"...

Trim, uma vez, trim trim, duas vezes, trim trim trim, três vezes, trimmmmmmmmmmmmmmmmm, vezes que lhe perdi a conta, todos os dias, de há uma semana a esta parte. Um número desconhecido a tocar insistentemente no meu telefone.
Acabei por atender, já desconfiada que se trataria de mais uma daquelas empresas que andam atrás das pessoas para vender serviços. É a D. Maria? Estamos a oferecer um cartão de crédito inovador, com condições únicas, com vantagens para o Natal que se aproxima. Gasta agora e só paga em 2014, quanto mais gastar menos paga. Como? Deixei a menina falar um pouco mais. Somos uma empresa de venda de crédito, temos um cartão para lhe oferecer, não tem comissões, basta que para tal comece a utilizá-lo dentro de duas semanas e durante um ano. Vamos enviá-lo para a sua casa, sem qualquer compromisso. 
Não aguentei mais tanto disparate. Perguntei como tiveram acesso ao meu contacto e que empresa é essa tão inovadora. Somos um canal comercial, foi-nos facultado o seu nome como um potencial cliente, actuamos em nome do cliente que nos contrata para angariar clientes. Que grande confusão todos estes clientes, pensei com os meus botões. Acabou, decidi, não estou para perder mais tempo com este tipo de actuações, não há hipótese de qualquer conversa com estes “comerciais”. É demais!
Enfim, um episódio que mal dispõe qualquer pessoa que não está interessada neste género de práticas comerciais e nos serviços que vendem. Uma selva, é o que é, invadem a vida privada das pessoas, vendem “gato por lebre”, insistem em comportamentos consumistas de preferência com endividamento. Será que têm êxito, quantas pessoas enganam, quantas pessoas iludem.
Qual é a autoridade que regula estas actividades, como são fiscalizadas? A quem nos podemos queixar? Com um número desconhecido deve ser difícil…

Agora, compreende-se melhor...

1. O INE acaba de divulgar os indicadores mensais de clima económico e de confiança dos consumidores, os quais confirmam em Novembro uma significativa melhoria das expectativas dos agentes económicos, incluindo consumidores e empresas.

2. Mais especificamente, o indicador de confiança dos consumidores atinge em Novembro o valor máximo desde Outubro de 2010, reflectindo expectativas mais positivas quanto à evolução do desemprego e da economia do País...

3. No que se refere ao clima económico, também continua em recuperação, depois de ter “batido no fundo” em Dezembro de 2012: aqui a melhoria é transversal, atingindo todos os sectores de actividade, a saber, indústrias transformadoras, construção (quem diria...), comércio e serviços...sendo a recuperação mais intensa no sector do comércio.

4. À luz destes indicadores – para bom aviso de alguns comentadores, saliento que é o INE que os divulga, não são de criação espontânea – compreendem-se melhor iniciativas como a muito decantada excursão nacional à Aula Magna, as sucessivas e laboriosas manifestações cêgêtê-pianas, as agendas de indignação mais ou menos avulsas...

5. Curiosamente, todos esses afloramentos de “Agit-Prop” apresentam um indicador comum: uma ampla, às vezes mesmo amplíssima cobertura mediática, incluindo a da RTP, PPN (paga por nós)...

6. ...à luz daqueles indicadores compreendem-se melhor essas iniciativas, dizia eu: pois importa evitar, a todo o custo, incitando à justa violência se necessário, que o País possa recuperar da grave crise em que caiu, que as políticas em vigor venham a produzir um efeito positivo sobre a actividade económica, corrigindo os graves desequilíbrios económicos acumulados por anos a fio...

7. ...seria certamente a maior de todas as tragédias, no final deste turbulento processo desencadeado por políticas Parvo-keynesianas, vir a demonstrar-se que foi graças a políticas neo-liberais que nos libertamos da asfixia financeira e da bancarrota...não, isso não pode acontecer!



quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Natalidade: ter, não ter e desejar ter...


Portugal está numa rota de declínio acentuado de fecundidade, regista entre os países da União Europeia os mais baixos índices de fecundidade. A última vez que Portugal assegurou a renovação de gerações foi em 1982 (2,08 filhos), de lá para cá a descida tem sido vertiginosa com 2012 a registar uma nova marca, 1,28 filhos por mulher.
O Instituto Nacional de Estatística publicou hoje os resultados de um inquérito que permite analisar a fecundidade - quer para quem tem filhos, para quem ainda não tem - em função do número de filhos tidos, do número de filhos que as pessoas ainda possam vir a ter e do número de filhos que desejariam ter.
O inquérito revela que a maioria das pessoas entende que deve haver incentivos à natalidade: aumentar os rendimentos das famílias com filhos (inclui redução de impostos sobre famílias com filhos, aumento das deduções fiscais para quem tem filhos, aumento dos subsídios relacionados com educação, saúde, habitação, alimentação), facilitar as condições de trabalho para quem tem filhos, sem perder regalias (inclui oportunidade de trabalho a tempo parcial, períodos de licenças de maternidade e paternidade mais alargados, flexibilidade de horários para quem tem crianças pequenas), alargar o acesso a serviços para ocupação dos filhos durante o tempo de trabalho dos pais (inclui criar mais centros de actividades de tempos livres fora dos horários escolares e durante as férias, alargar o acesso a creches e jardins de infância para quem tem filhos pequenos). 
Estes incentivos confirmam as dificuldades concretas com que os pais se confrontam no acompanhamento e educação dos filhos que todos sentimos e observamos à nossa volta. Mas os incentivos à natalidade referidos mostram também que os pais valorizam a sustentabilidade das condições económicas e dos apoios vários, ou seja, a capacidade de manter condições que não se esgotam nos primeiros meses de vida dos filhos. Os custos financeiros associados a ter filhos são o motivo mais referido para a decisão de não os ter. 
Enfim, os resultados mostram que as dificuldades económicas impedem as pessoas de terem mais filhos. E que, por exemplo, no campo da conciliação da vida familiar e vida profissional há muito para fazer. Um dado que nos deveria fazer reflectir - num país que não tem filhos - é que 70% das mulheres e dos homens têm menos filhos do que aqueles que desejariam ter. O número médio de filhos desejados ao longo da vida é de 2,31 filhos, número que permitiria assegurar a renovação de gerações. A felicidade e realização das pessoas e das famílias é um aspecto muito relevante que não pode ser esquecido.
A questão da natalidade tem sido um assunto sistematicamente adiado, afinal à semelhança da falta de esperança e confiança em que o futuro do país anda mergulhado...

"Ouvir"...

Mais um dia de trabalho, um dia frio e um dia quente. Frio, porque o tempo assim o determina, quente porque as almas aquecem quem as ouve. Eu sentia o frio da sala, brutal para os meus hábitos, até que o senhor, um pedreiro, começou a ser observado. Depois de algumas perguntas, tive de lhe perguntar pela família, se havia doenças "pertinentes". Uma pergunta de retórica que se faz sempre, embora neste caso tivesse ficado indeciso se deveria ou não fazer. Pressenti que o senhor me iria contar algo doloroso. Mas era tarde, a pergunta já vogava tão fria como o ar que respirava. - Sim. Morreu uma filha minha. Tremi mais pelo incómodo que estava a provocar do que pelo frio ambiental. Antes que continuasse, atalhei se tinha mais filhos. Nem me deixou concluir a pergunta, adivinhando-a, disse que era filha única e que tinha morrido aos 24 anos. Lancei a esferográfica para cima da secretária, encolhi-me e esperei o relato. Tudo começou aos 18 meses, um tumor da bexiga, tratado, com sequelas, com tentativas falhadas de reconstrução, com um quadro de grave insuficiência cardíaca aos sete anos, transplante aos catorze, um pequeno e maravilhoso período de "saúde" durante alguns anos, poucos, e depois o regresso ao calvário, com graves peripécias, sofrimento, paragens cardíacas, sofrimento, coma induzido, regresso à consciência para comemorar um aniversário, regresso à antecâmara da morte e finalmente o momento do passamento, tudo documentado com pormenores, datas, horas, protagonistas, locais, uma descrição que me levou a todos aqueles espaços, a ouvir as conversas havidas com os colegas e a adivinhar a angústia da família, sobretudo dos pais. Via, ouvia e confabulava. Algumas das datas perturbaram-me, coincidiam com certos momentos que consegui recordar perfeitamente. Naquelas datas festejava com os meus, e mal sabia que, não muito longe, outros sofriam na razão inversa. Mal sabia, porque desconhecia. Eu sei que acontece sempre isso, quando uns estão felizes outros sofrem e choram. Eu sei que isso está sempre a acontecer, como neste preciso momento, mas não me recordo desses momentos, porque não os conheço. Só me lembro deles quando me confrontam a alegria vivida com a tristeza sofrida. Hoje foi um desses dias. Ouvi mais uma história que acabou por se cruzar com a minha. Hoje, ouvi mais uma história, de dor, muita dor, não sou capaz de a quantificar e muito menos de a imaginar. Estive sempre calado. Perdi a noção do tempo e do frio. Limitei-me a ouvir e a registar algo que, por mais vulgar ou frequente que seja, nunca irei conseguir perceber. Talvez percebendo o meu estado de espírito, silencioso e perdido no tempo, o pedreiro, na sua humildade, terminou a exposição, dizendo que a vida é mesmo assim, não há nada a fazer, mas que dói, dói, e muito. Foi então que reparei que já não se sentia frio no gabinete.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

"Adeus"...

A noite já tinha caído há algum tempo quando terminei o dia de trabalho. Desci as escadas e fui até à capela. Tinha de ir sem falta, tinha que me despedir, dizer um adeus silencioso. Nunca gostei de me despedir de ninguém, e quando me despeço nunca digo nada, olho, penso, escuto e recordo. Não gosto de olhar para a face de quem dorme sem preocupações. Prefiro lembrar-me da vida em movimento, olhos a brilhar, lábios a sorrir, sons a encantar, maneiras a ajeitar e as rugas a ondular como que por magia. Prefiro recordar a alegria a sair pelos poros e os cabelos desregrados e soltos a esvoaçar sem medo ao sabor do vento. Olhei e esperei que abrisse os olhos a gritar de satisfação o meu nome como habitualmente fazia. Gostava de a ouvir a gritar o meu nome, nunca percebi bem porquê, só sei que tinha uma sonoridade diferente. Eu ficava contente sempre que a via, porque sabia que ia ouvir o meu nome de uma forma quente. Aquecia-me o nome e tranquilizava-me a alma. Muitas vezes, ao caminhar triste, cabisbaixo, ansioso, preocupado, ouvia, de repente, aquela voz tonitruante, que enchia o ar de alegria e de satisfação, uma adorável voz que me fazia sentir gente. Como por que encanto ficava diferente. De repente esquecia as preocupações que atormentavam a minha mente. Falávamos um pouco. Depois empurrava-me a seguir em frente. 
Olho. Ouço-a a chamar o meu nome na minha mente. 
Saio da capela. 
Afasto-me e continuo a ouvir o meu nome naquele belo espaço que a noite despiu de gente. O som vem atrás de mim, deve ser a sua forma de dizer adeus...

A axiomática "crise" do Euro...


1. Enquanto os nossos estimados comentadores e especialistas mediáticos continuam incansavelmente na pesquisa de uma saída para a “crise” do Euro – proclamando a urgente necessidade de políticas “voltadas para o crescimento e o emprego”, sem esclarecer como se produz essa “volta” – vão surgindo notícias que no mínimo se mostram curiosas...

2. Por exemplo, na edição de hoje do F. Times (pág. 26), encontra-se um artigo cujo sub-título é “Peripheral eurozone debt has become more stable than US Treasuries”...

3. Concretamente, esta notícia comenta o facto de, ao longo das últimas semanas, as dívidas italiana e espanhola, de médio/longo prazos, terem evidenciado em mercado secundário um comportamento mais estável do que a dívida pública americana para os mesmos prazos...

4. Este comportamento é revelado nos indicadores de volatilidade, os quais, no caso da dívida americana, reflectem o ambiente de incerteza em relação ao início da decisão do FED, já assumida mas ainda não aplicada, de reduzir a intensidade dos estímulos monetários (o famoso “tapering”), enquanto que na zona Euro a expectativa de uma retoma económica, ainda que tímida, tem ajudado a estabilizar os mercados de dívida.

5. Torna-se cada vez mais estranha, esta decantada “crise” existencial do Euro, e também cada vez mais difícil de explicar...salvo para os nossos comentadores/analistas, para quem essa crise tem um carácter axiomático, dispensando qualquer demonstração...

Irlanda versus Portugal

Acaba já em Dezembro o Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) que a Irlanda se viu obrigada a negociar com a Troika em Novembro de 2010, seis meses antes de o mesmo ter acontecido com Portugal.
Decidiu o Governo Irlandês não recorrer a qualquer tipo de apoio (de um designado “programa cautelar”) para o regresso pleno daquele Estado ao financiamento em mercado. Apesar dos riscos desta opção, são muito perceptíveis as razões que estiveram na base de tal decisão: (i) juros a 10 anos em redor de 3.5% (mais baixos do que em Espanha ou Itália, e quando em Portugal se situam pouco abaixo de 6%), um nível perfeitamente sustentável; (ii) amortizações de dívida pública (Obrigações do Tesouro Irlandês) de cerca de EUR 17 mil milhões em 2014 e 2015, bem abaixo das reservas financeiras de EUR 25 mil milhões de que dispõe, hoje, o Estado Celta.
E, contudo, a situação na Irlanda está longe de ser brilhante: o país continua a recuperar do estoiro de uma enorme bolha imobiliária que ainda mantém o sector financeiro em estado debilitado; o dinamismo da economia é reduzido (embora a recessão pareça ter ficado para trás); o desemprego mantém-se em níveis elevados (acima de 13% da população activa, mesmo assim abaixo dos nossos cerca de 16%). Por que está, então, a Irlanda a convencer os investidores de que será capaz de pagar os empréstimos (juros e capital) que lhe forem concedidos?... Sim, a Irlanda tem obtido sempre avaliações positivas nas avaliações regulares da Troika – mas, neste capítulo, Portugal não lhe tem (felizmente) ficado atrás. Já em termos de competitividade e flexibilidade, são evidentes as diversidades entre as economias dos dois países – e que são favoráveis à Irlanda[i]; ainda assim, creio que é nas diferenças ao nível do pragmatismo, do bom senso e da capacidade de gerar consensos que reside, no fundamental, a vantagem da Irlanda. Uma vantagem que tem caracterizado a sociedade irlandesa desde meados dos anos 80 e que se manteve na hora em que a crise chegou. Um pragmatismo, um bom senso e um consenso que envolveram partidos políticos (incluindo, claro, as forças políticas da Oposição) e parceiros sociais (incluindo, claro, movimentos sindicais) – e que não tiveram nem preconceitos ideológicos nem nenhum Tribunal Constitucional a condicionar quaisquer decisões tomadas. Um pragmatismo, um bom senso e um consenso que têm permitido que o ajustamento orçamental irlandês, iniciado em 2009, ainda antes da chegada da Troika (e, portanto, por iniciativa própria), assente, até 2014, maioritariamente na redução da despesa pública (incluindo massa salarial e prestações sociais) face ao aumento da receita (numa relação de cerca de 2/3 para 1/3) – porque, a médio e longo prazo, é esta a forma de reduzir o endividamento público que melhores e mais sustentáveis resultados produz. Um pragmatismo, um bom senso e um consenso que, apesar da subida da carga fiscal em geral, fizeram questão de não tocar no regime de IRC, mantendo a tributação directa sobre as empresas como uma das mais competitivas e atractivas da Europa – reconhecendo e confirmando que, mais do que beneficiar o factor capital, é actuando desta forma que se consegue captar investimento, criar emprego e beneficiar a vida dos cidadãos. 
Não é exagero concluir que a Irlanda percebeu, mesmo antes da chegada da Troika, as correcções que tinha que empreender, dado o contexto que enfrentava, o mundo em que vivia, e as orientações europeias. Porque o Mundo é aquele que é, e não aquele que todos gostaríamos que fosse.
Sim, a situação de Portugal é bem mais difícil do que a da Irlanda. E há factores que estão fora do controlo do Governo, dos Partidos e dos Parceiros Sociais: a evolução dos principais destinos das exportações portuguesas (dentro e fora da Europa) influenciará decisivamente a sustentação da retoma da nossa economia; as decisões da Reserva Federal dos EUA sobre as suas intervenções nos mercados influenciarão o rumo das taxas de juro das emissões do Tesouro Português. Mas há outros factores que dependem directamente de nós, em que temos dado motivos de sobra aos investidores para nos desfavorecerem face à Irlanda – mas que ainda vamos a tempo de emendar. É o caso da crise governativa de Julho passado (que os investidores ainda não esqueceram); da deterioração do ambiente político e social, seja por uma ineficaz comunicação das opções do Governo, por calculismo do PS (que foge de quaisquer compromissos que ameacem um hipotético regresso ao poder, parecendo ignorar que pouca ou nenhuma margem lhe restaria para tomar outras opções se tivesse que governar nas actuais circunstâncias), ou por uma incompreensão dos parceiros sociais (nomeadamente sindicatos) quanto à imperiosa necessidade de termos que empreender as mudanças e opções acordadas com os nossos credores e que durante tanto tempo foram adiadas; da actuação de um Tribunal Constitucional que, ao tomar decisões ignorando a emergência financeira do país, apenas cria dificuldades adicionais que promovem desigualdades e privilégios.
Desgraçadamente para nós, nunca olhámos com devida atenção para o modo de actuação da Irlanda desde meados dos anos 80 – que haveria de levar um dos países mais pobres da União Europeia a ter um dos mais elevados níveis de vida dos 28. Nem nas negociações com a Troika soubemos tomar como referência a anterior experiência dos irlandeses – o que levou a que tivéssemos acordado num PAEF com metas orçamentais irrealistas que, para serem cumpridas e possibilitarem a recuperação da credibilidade externa do País, exigiram esforços muito superiores aos inicialmente previstos. Que ao menos a forma como a Irlanda vai reconquistar a soberania perdida possa servir – por uma vez!... – como exemplo e inspiração a Portugal.

Nota: Este texto foi publicado no Jornal de Negócios em Novembro 26, 2013.




[i] Ver para o efeito, por exemplo, os mais recentes relatórios “Doing Business 2014” do Banco Mundial, e “Global Competitiveness Report 2013-2014”do World Economic Forum.

domingo, 24 de novembro de 2013

Redução de pensões: convergências e divergências...

A notícia do fim-de-semana foi o envio do Presidente da República para o Tribunal Constitucional da lei que aprova a convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social, designadamente as normas que determinam a redução em 10% das pensões em pagamento. Mas as diversas notícias divergem quanto ao montante que está em causa, o que não é indiferente quando se coloca a questão do “plano B” que o governo já declarou que não tem. 
Com efeito, a medida vale, segundo a proposta do Orçamento do Estado 728 milhões de euros. Mas de um ponto de vista financeiro a medida terá um impacto de montante inferior. O governo incluiu na proposta uma norma que determina que o montante da redução de 10% é deduzida à Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) cuja aplicação se mantém para todos os pensionistas, da função pública e da segurança social. Esta medida, que visa evitar uma dupla penalização para as pensões que estão simultaneamente sujeitas à CES e à redução de 10% vale 340 milhões de euros. Portanto, o que está em causa em termos de impacto orçamental, conjugando as duas medidas, é um montante total de 388 milhões de euros. 
Independentemente da constitucionalidade ou não da norma que reduz 10% das pensões em pagamento, a medida invocada para aproximar a convergência do sistema de pensões da função pública ao sistema de pensões da segurança social não deixa de criar, paradoxalmente, uma divergência importante. A divergência é esta: os pensionistas da segurança social continuarão a pagar CES, embora aufiram um nível de pensões que já está ajustado e para o qual a lei da convergência estabelece que o nível das pensões da função pública deve convergir.
Um tratamento diferenciado que de um ponto de vista de equidade não faz sentido. Compreende-se a preocupação do governo em encontrar uma solução para não penalizar duplamente os pensionistas da função pública, mas ao fazê-lo cria duas categorias diferentes de pensionistas dos sistemas públicos perante a aplicação da CES. Uns pagam, outros não.

Falta de memória III

“A CGTP concentra-se em reivindicações políticas com menosprezo dos interesses dos trabalhadores que pretende representar”. 
Mário Soares à RTP, 1 de Junho de 1984
"A Associação 25 de Abril é qualquer coisa que não devia ser permitida a militares em serviço”.
Mário Soares a La Republica, 28 de Abril de 1984

Rankings de Austeridade

Sempre considerei e várias vezes referi que o erro básico do Programa de Ajustamento desenhado pela Troika para Portugal era o de não ter tomado em consideração, entre outros aspectos, por exemplo, a nossa estrutura social, produtiva e de rendimentos, o nível de endividamento das famílias e das empresas, o nível de fiscalidade existente, a debilidade de muitas das pequenas e médias empresas fonte da criação de emprego. 
Em resumo, o plano adoptado não se baseou na realidade do nosso País. 
O Programa de Ajustamento foi uma receita a aplicar a todo e qualquer País ameaçado de insolvência, fosse qual fosse a origem dessa situação e as características da sociedade em causa, com a agravante de não existirem experiências anteriores de aplicação de uma tal política em situação de moeda única. 
A ideia de que a receita foi uniforme ganhou força esta semana quando surgiu o tema da comparação entre as medidas de austeridade aplicadas em Portugal e na Irlanda como se estivéssemos perante realidades comparáveis e consequências semelhantes. 
A avaliar pelos exercícios desenvolvidos e pelas conclusões avançadas, nasceu um novo conceito que visa estabelecer um “ranking da austeridade”, em que se tenta medir esta política através dos aumentos de impostos e das reduções de salários e pensões realizados. 
Com o recurso a este “ranking” pretende-se incutir a ideia que quanto maior for a austeridade, melhores os resultados obtidos. 
Seria o caso da Irlanda.
De acordo com os indicadores obtidos – cujas versões não são únicas – este país estaria numa posição de ranking superior à nossa, o que teria tido como resultado uma reentrada nos mercados sem necessidade de qualquer ajuda adicional. 
Para lhe seguir as pisadas, nada mais teríamos de fazer do que competir em austeridade. Esta fantasia não é seguida em nenhum dos relatórios do FMI ou da Comissão Europeia sobre a 8ª e 9ª avaliações conhecidos esta semana. 
Na verdade, a concretização dos valores do défice está ligada a uma taxa de crescimento do PIB o que, na prática significa o alívio da austeridade. Não o afirmam, mas é a conclusão inevitável. 
Onde os relatórios são explícitos é quanto às causas que poderão ser impeditivas de alcançar os objectivos do défice. 
Por um lado, a dúvida sobre as medidas passíveis de análise por parte do Tribunal Constitucional, vislumbrando-se o alerta quanto ao risco assumido pelo Governo quando as propôs e, por outro lado, explicita-se a consequência para os mercados da crise política do verão passado, o que é um claro aviso quanto ao perigo da sua repetição. 
Do que precisamos é de percorrer o nosso caminho com credibilidade e realismo, colocando na agenda política a preocupação com o crescimento económico para que os credores acreditem na nossa capacidade de lhes pagar. 
Foi o que fez a Irlanda.
Assim, o nosso futuro próximo não está dependente de fantasias, mas da realidade, não pode obstinar-se em objectivos rígidos, não se resolve com proclamações estéreis, mas com sensatez.
Não é muito, mas é decisivo.

sábado, 23 de novembro de 2013

Falta de Memória II

A imprensa portuguesa ainda não se habituou suficientemente à democracia e é completamente irresponsável. Ela dá uma imagem completamente falsa.
Mário Soares- Der Spiegel, 21 Abril de 1984
Basta circular pelo País e atentar nas inscrições nas paredes. Uma verdadeira agressão quotidiana que é intolerável que não seja punida na lei. Sê-lo-á.
Mário Soares, RTP, 31 de Maio de 1984

Falta de memória I

Os problemas económicos em Portugal são fáceis de explicar e a única coisa a fazer é apertar o cinto.
Mário Soares, ao DN, 27 Maio 1984
Não se fazem omoletas sem ovos. Evidentemente teremos de partir alguns. 
Quem vê, do estrangeiro, este esforço e a coragem com que estamos a aplicar as medidas impopulares aprecia e louva o esforço feito por este governo.
Mário Soares, ao DN, 1 Maio 1984

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

"Três mulheres"...

Não era dia de consulta clínica, mas, mesmo assim, pediram-me se as podia ver. Claro, disse sem hesitar, se pediram é porque precisam. A primeira entrou com um olhar confuso, lento, sem expressão facial, revelando respeito, inquietação e humildade. Pediu-me educadamente se podia sentar-se, algo pouco habitual, e que interpretei, além de um sinal de educação, como um pedido de ajuda antecipado. Estava em sofrimento psíquico. Não conseguia estar no seu local de trabalho. Deixei-a falar, incentivando-a com um silêncio em que pontuavam apenas os meus olhos. Depois confirmei a minha primeira impressão. A sua ferida crónica, depressão de muitos anos, foi aberta por um episódio em que uma pessoa a enganou. Agora tem de repor a verba. Uma quantia razoável para quem ganha pouco. Mas não é só a quantia que está em causa, o ato dessa pessoa, premeditado, revela a ausência de escrúpulos e falta de honestidade. Sentiu-se roubada e humilhada na sua dupla condição de ser humano e de funcionária de uma instituição. Fiz o que tinha que fazer e libertei-a temporariamente do ambiente que a marcou. Estou certo de que irá recuperar em breve. A segunda mulher entrou com um quadro sintomático atípico, que sugeria alguma ansiedade. Nestas circunstâncias os doentes valorizam muito os seus sintomas como sendo a tradução de algo muito grave. Mandam as regras que não se desvalorize o que quer que seja e muito menos comentar que a situação se deve aos "nervos". O exame foi realizado e, no final, à queima-roupa, perguntei-lhe o que estava a acontecer em termos de vida pessoal. Como não estava à espera desta minha deriva, fixou-me os olhos e contou-me o sofrimento da sua mãe, ainda nova, com uma doença mental degenerativa muito grave e que a consumiu durante muitos anos. Agora está hospitalizada, mas entrou no momento em que o sofrimento acumulado começa a fazer das suas. Conversámos, expliquei-lhe as razões deste fenómeno, espécie de "ressaca tardia", mediquei-a e, sobretudo, aliviei-a das suas preocupações de saúde física. A terceira entrou, também, com um quadro clínico atípico, a sugerir problemas emocionais. Estava muito preocupada, mas depois de ser interrogada e examinada, disparei à queima-roupa, o que é que lhe tinha acontecido recentemente e que lhe provocou sofrimento da alma. Ficou com os olhos pendurados no vazio a procurar algo, até que me respondeu, o meu pai morreu há pouco tempo. - De quê? A senhora passou a descrever todo um drama e um calvário difícil de descrever. Deixei-a falar. Eu também falei e expliquei-lhe o que é que estava a acontecer. Saiu calma. 
Três mulheres, três sofredoras, aflitas, cada uma à sua maneira. Doentes da alma à procura de ajuda para os seus tormentos. Saíram mais confortadas, os corpos estavam bem, e passaram, também, a compreender melhor as causas das dores da alma, umas vezes motivadas pela falta de escrúpulos de alguns, ou, então, pela perda dos seus e pelo sofrimento irreversível e humilhante de quem mais adoram e amam.

Malfeitorias do F. Times: Crescimentistas, em guarda!

1. A edição de hoje do F. Times insere um artigo intitulado “Portugal edges closer to second Bailout”, no qual revela um elevado grau de maldade na apreciação da situação portuguesa em relação à conclusão do Programa de Assistência e ao “day after”...

2. O texto, da autoria de Peter Wise (correspondente em Lisboa há bastantes anos) e de Peter Spiegel, frisa que existem riscos muito elevados – com a expectável jurisprudência do TC no topo da lista – de Portugal vir a precisar, NO MÍNIMO, daquilo que a Irlanda decidiu prescindir, ou seja, de uma linha de crédito de “back-up”, providenciada pelo ESM...

3...mas acompanhada, necessariamente, de significativas medidas de consolidação (vulgo austeridade) que assegurem o cumprimento, em 2015 e seguintes, dos objectivos de consolidação orçamental e de contenção e subsequente declínio da dívida pública em % do PIB...

4. Ou seja, o FT começa a levantar o véu daquilo a que um número considerável de almas caridosas tem entre nós apelidado de “Programa Cautelar” e que mais não será, como aqui sugeri há pouco tempo, do que um Programa Complementar do actual PAEF...

5...Com uma dotação financeira de cerca de € 16 a 17 mil milhões (10% do PIB), em ordem a suprir, se necessário (por falta de resposta do mercado), as necessidades de financiamento da República em 2014/2015 que o jornal aponta, sem detalhar, serem de € 51 mil milhões nesse dois anos.

6. Esses € 16 a 17 mil milhões acresceriam aos cerca de € 7,9 mil milhões que ainda restam da ajuda financeira ao abrigo do PAEF, a desembolsar em 2014, bem como às previstas disponibilidades de caixa do Tesouro, no final de 2013, da ordem de € 7 mil milhões...

7. Quer isto dizer que a República teria garantido, à partida, cerca de 2/3 das necessidades de financiamento em 2014 e 2015, contando com a tal linha de “back-up” do ESM, tendo que fazer pela vida para encontrar o restante 1/3 no mercado, em emissões de OT’s e em produtos de retalho (c. Aforro e do Tesouro)...

8.... este exercício supõe, razoavelmente diga-se, que as emissões de BT’s serão feitas pelo montante exactamente necessário para cobrir os respectivos vencimentos, não tendo assim impacto, negativo ou positivo, nas necessidades de financiamento...

9. Uma razoável patifaria pois, esta do F. Times, alertando-nos para a dura realidade da vida, agravando a afrontosa pressão sobre o TC (calculo que a maioria dos magistrados já nem dorme a pensar nas maldades que nos vão impor), abrindo o jogo sobre o decantado Cautelar...e, ainda pior, admitindo que a alternativa a este belo cenário será...um 2º resgate! Safa! Crescimentistas, em guarda!



Liberdade de informação

O país que aparece na comunicação social é o país dos funcionários públicos em greve, dos trabalhadores das empresas públicas que querem ser sempre funcionários, daqueles professores do ensino público que tudo contestam e nada aceitam, dos polícias em manifestações, dos militares contestatários, dos deputados que, num contínuo palavreado oco e violento, mostram que nada entendem da sua missão e da tolerância que a democracia impõe, dos políticos profissionais doentes e incendiários por falta de protagonismo ou de poder. E dos seus "compagnons de route", que sem tal nicho de mercado desapareceriam por completo de cena. 
Escondido, há o país que trabalha. Que investe e motiva, que produz e exporta, que labuta sem greves nem desânimo. O país a quem todos devemos ser ainda país. E aquele a quem o primeiro deve o receber o ordenado, maior ou menor, no fim do mês.  
A comunicação social, inculta e ignorante, e também arrogante, aplaude o primeiro, promove-lhe a agitação, acompanha-lhe os passos, cobre-lhes as iniciativas em directo. Ao mesmo tempo que, dando-lhes toda a voz, censura, em absoluto, o segundo. 
E dizem que isto é liberdade de informação. 

O que se passou ontem à noite na Aula Magna?

Um encontro das "esquerdas" em defesa das conquistas de Abril, como ouvi? Um grito de alerta de todos os que não se conformam com as políticas deste Governo e querem defender a Constituição e o Estado Social, como constava da convocatória? Um convite à união dos verdadeiros democratas para uma alternativa ao poder atual, como diziam alguns comentadores?

Escutei  com atenção algumas das intervenções e um ou outro comentário. E no meio de tudo estou certo de uma só coisa: nada de saudável para o País saiu daquela sala. Bem pelo contrário.
Compreendendo bem o extremo cansaço, o desapontamento e o desencanto da larga maioria da população com a situação atual e em particular com quem governa. Tenho, porém, dificuldade em entender a súbita perda de memória de alguns. Não a perda de memória quanto às responsabilidades de quem nos trouxe aqui,  mas à absoluta falta de noção sobre as razões que aqui nos trouxeram. Ontem foi uma noite de amnésia geral sobre os últimos anos da vida do País, sobre os motivos da perda de parte da nossa soberania, apesar dos avisos de não pouca gente ao longo do tempo.

Vi ali uma tentativa de instalar um maniqueísmo que só existe na cabeça de quem parece interessado em todas as divisões. Não haverá português algum, da esquerda à direita, que não defenda direitos e liberdades, que não defenda um Estado prestador de muitos e universais cuidados. O que distingue a larguíssima maioria dos portugueses que se alinham em correntes doutrinárias de contornos todavia cada vez mais fluidos (embora haja quem vislumbre graves cisões ideológicas na sociedade portuguesa) é, afinal, a ideia de um Estado garante da qualidade de vida assente num modelo de redistribuição da riqueza versus a de um Estado mínimo que se remeta  à condição de regulador das relações sociais e (algumas) económicas. Porém, seja qual for a visão de cada um, ninguém pode ignorar que só se distribui a riqueza que se cria. E aqui está o problema com que o Portugal se debate mas que, ao que parece, muitos se recusam a debater.

Ontem à noite, na Aula Magna, entre saudosistas do passado e conservadores do presente, fadistas e membros da novel burguesia revolucionária, autodenominadas relíquias da social democracia, existiu alguma preocupação em discutir caminhos diferentes para garantir o que a democracia nos permitiu alcançar individual e coletivamente? Para saber como e com quê se reconstrói um País, uma sociedade e uma economia que deixem de andar de mão estendida, alienando a soberania de uma Nação que não quer deixar de o ser,  que quer manter a sua dignidade perante credores e burocratas estrangeiros? Também não ouvi, nem creio que fosse esse o propósito.
 
Foram claras as habituais manifestações de vaidade, as exibições da intelectualidade apaparicada pelos basbaques, as proclamações de superioridade moral do costume, os gritos de demissão de quem exerce funções em nome e representação da maioria revelada por regras da democracia que os democratas ali reunidos convenientemente esquecem. E o mais, que não imaginava ser possível  após 40 anos de pacífica convivência entre os portugueses, incentivos mais ou menos implícitos à violência, com o requinte de se legitimarem por antecipação atuações contra instituições da própria democracia. Eis, em todo o seu esplendor, a coerência de quem diz defender a Constituição!

Não preciso protestar a minha social-democracia para revelar o desencanto com o atual estado de coisas. Com esta Europa. Com este sistema de partidos. Com este governo. Mas jamais utilizarei os meus direitos de participação cívica em prol destas manifestações que escondem o País para fazer sobressair vaidades e dificultar uma solução política racional, que não passa, felizmente, por nenhum daqueles atores do palco da Aula Magna.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Jogos de palavras, palavras que não jogam...

Estamos todos muito cansados de jogos de palavras. E com muita razão. O debate de hoje na Assembleia da República nada esclareceu, de novo a troca de acusações mútuas tomaram conta do suposto debate. A oposição diz que os cortes nas pensões são “retroactivos”, o governo chama-lhes “retrospectivos”. A oposição acusa o governo de ter ultrapassado a “linha vermelha”, o governo acusa o PS de ter aceite colocar no memorando um corte nas pensões a partir de 1.500 euros. O PS acusa o governo de ter aprovado cortes a partir de 600 euros, o governo justifica-se que foi além do que está no memorando porque tem obrigação de garantir a sustentabilidade, de garantir que no futuro haverá pensões. Mas a pergunta que se coloca é: quem pode garantir pensões, como, que pensões?
Nada pode ser pior para uma sociedade do que a perda da esperança e a falta de confiança no sistema de segurança social e na decisão política, com a incerteza sobre as pensões a tomar conta das actuais gerações de pensionistas e das gerações mais novas. O debate de hoje, e todos os outros que o antecederam, em lugar de esclarecer as pessoas serviu para ajustar contas políticas. O País ficou uma vez mais "esclarecido"...

Contas externas:melhoria confirma-se, até Setembro, no entanto...

1. A evolução das contas com o exterior (Balança de Pagamentos) é assunto a que tenho aqui dado particular atenção, por se tratar de indicador fundamental para aferir a capacidade de correcção dos graves desequilíbrios que afectaram a economia portuguesa ao longo de praticamente 15 anos (até 2011).

2. É este indicador que, em última instância, nos mostra se a economia, globalmente considerada, é capaz de inverter o ciclo infernal de endividamento daquele longo período e que nos trouxe até à fronteira da exaustão financeira/bancarrota, impondo a necessidade da negociação de um Programa de Assistência...

3. Já tive oportunidade de afirmar – usando a variável mais representativa das contas com o exterior, que é o saldo conjunto das Balanças Corrente e de Capital – que em 2013 se dá uma inversão fundamental, passando este saldo a apresentar valores positivos bastante expressivos.

4. Assim, com base em dados hoje divulgados pelo BdeP, até Setembro de 2013 aquele saldo conjunto cifrava-se em € 3.641 milhões, um superavit equivalente a 2,2% do PIB, valor praticamente idêntico ao registado até Agosto, que foi de € 3.727 milhões – o que confirma plenamente o processo de desendividamento da economia...

5. Já no que se refere à Balança Corrente, o saldo até Setembro, de € 1.016 milhões (0,62% do PIB), mostra uma ligeira quebra em relação ao acumulado até Agosto (€ 1.163 milhões), a qual se explica pela forte subida do défice dos Rendimentos, em mais de € 400 milhões...reflectindo o enorme peso do endividamento e do serviço da dívida ao exterior...

6. Quanto à Balança de Bens e Serviços (Balança Comercial), o saldo até Setembro apresenta uma ligeira melhoria em relação ao valor de Agosto, passando de € 2.336 milhões para € 2.430 milhões (1,475% do PIB).

7. Resumindo e concluindo, confirma-se a extraordinária correcção dos desequilíbrios da economia portuguesa, encetada em 2011 – mérito fundamental das Empresa Privadas e das Famílias – tendo esta evolução merecido, mais uma vez, agora na 8ª/9ª avaliação do PAEF, o reconhecimento de que se trata de um indicador que excede largamente as expectativas...

8. No entanto, a melhoria parece ter atingido um patamar em que se afigura bastante difícil apresentar resultados muito melhores, uma vez que não se espera que a procura externa possa expandir muito mais (e os ganhos de quota de mercado também têm limites) e que a procura interna continue a contrair como nos últimos 2 anos (já se viu no corrente ano)...



Desabafo matinal

Uma a uma sinto calarem-se as vozes do bom senso, desaparecerem as inteligências sadias do meu País. No seu lugar aparece, sempre amplificado, o populismo mais primário, de mãos dadas com a soberba intelectual de uns quantos que desdenham do Povo e dos seus sentimentos, e a oportunista exploração da ensandecência. Tudo em nome dos maiores valores.
Rimos e bebemos até à beira do precipício, como escreveu Madame de La Tour du Pin.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Juro da dívida pública irlandesa a 7 meses do termo do Programa, como era?

1. Andam os nossos ilustres comentadores e analistas mediáticos, por estes dias, muito afadigados tentando explicar ao Povo como poderá Portugal sair do PAEF usando como termo de comparação o caso (de sucesso, até agora) da Irlanda.

2. A postura geral, que já aqui tenho comentado com o cepticismo que na minha opinião deve merecer, tem consistido em tentar adivinhar como será o misterioso “Programa Cautelar” que, apesar de inteiramente desconhecido, conta já entre nós com tantos subscritores...

3. Uma das medidas mais utilizadas para perceber a distância que separa o caso português do sucesso da Irlanda tem sido a diferença ACTUAL entre as taxas de juro implícitas na cotação das respectivas dívidas públicas (yields) no prazo de 10 anos: 6% no caso português (hoje) e 3,55% no caso da Irlanda (hoje).

4. Curiosamente, ninguém se tem lembrado de uma comparação bem mais sugestiva: das ditas taxas de juro em ambos os casos a 7 meses do termo dos respectivos Programas, que é a distância que nos separa do fim do PAEF subscrito por Portugal...

5. Pois bem, a 7 meses do termo do seu Programa (Maio de 2013), a taxa de juro implícita na cotação da dívida pública irlandesa ao prazo de 10 anos era...3,5%, ou seja praticamente a mesma que é hoje...

6. ...Depois disso teve algumas subidas episódicas, para um nível em torno de 4% (Junho e Julho e novamente em Setembro), situando-se em torno de 3,5% desde o final de Setembro...

7. No caso português, a 7 meses do termo do Programa de Assistência, a taxa de juro situa-se confortavelmente em 6% e o TC ainda não entrou em acção...para bom entendedor, creio que esta comparação é suficiente...

8. Continuem pois a discutir o misterioso Programa Cautelar, que vão por muito bom caminho...

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Os Reitores da Mula Ruça

Reitores cortam relações com o Governo, devido às restrições orçamentais, ouvi eu há pouco na televisão.
Ora aí está a solução de reitores da mula ruça. Científica, pois claro, ou não fosse ela genuinamente universitária. 

Cautela com o dito ("Programa") Cautelar...

1. Já aqui expressei, há relativamente pouco tempo, o meu cepticismo em relação à utilização sistemática, por Comentadores e opinion-makers locais, da expressão “Programa Cautelar”: sempre me pareceu equívoca a utilização de tal expressão (e expliquei porquê) e sempre suspeitei que os muitos utilizadores de tal expressão não tinham uma ideia precisa - ou nenhuma mesmo - daquilo de que estavam a falar...

2. O episódio da Irlanda veio confirmar plenamente essa suspeita: a Irlanda veio dizer, PRETO no BRANCO, que ninguém verdadeiramente sabe em que consiste essa “Apis Rara” a que se convencionou chamar “Programa Cautelar”, que condicionalismo envolve, que riscos apresenta, que vantagens ou desvantagens oferece – na interpretação dos responsáveis irlandeses, os riscos e as desvantagens seriam tais que decidiram avançar, sem qualquer rede, para a fase pós-Programa de Assistência...

3. Não obstante a clareza da mensagem transmitida pelos responsáveis irlandeses, os nossos incansáveis comentadores e opinion-makers não desistem a até redobraram de intensidade nas suas perorações em torno do famoso “Cautelar”: até há quem recomende ao Governo que se lance desde já nessa estranha aventura, que comece sem demora a negociar o dito “Cautelar”, mesmo sem haver qualquer ideia das suas implicações ou condicionalismos...

4. É verdadeiramente feérico este cenário mediático, em que impera a confusão total de ideias e em que se assiste à tentativa de cada um se chegar à frente com a sugestão mais brilhante, com a frase mais inspiradora...ou com a última proposta salvífica para o País, evidentemente sem ter a responsabilidade de a executar, nunca correndo o risco de falhar a execução...

5. Pela minha parte, limito-me a dizer: atentem bem no caso da Irlanda, muita cautela pois com o dito “Cautelar”...que de cautelar, a crer no que dizem os irlandeses, terá mesmo muito pouco...

Este País de fingidores

   O poeta é um fingidor.
    Finge tão completamente
    Que chega a fingir que é dor
    A dor que deveras sente.
(Fernando Pessoa, Autopsicografia)

O Diário de Notícias deu destaque à frase dita na entrevista :"A maior parte dos pensionistas não são pobres e estão a fingir que são pobres." Lido no contexto, parece que o exemplo pretende ilustrar o caso dos que resistem às medidas de redução de rendimentos invocando situações de limite mas que na verdade "em nome dos pobres querem defender o seu. Estão a defender o seu e a fingir que são pobres!" Deduz-se, portanto, que em Portugal só quando se cai na situação de pobreza é que há direito de defender "o que é seu" ou seja, nada. Nessa altura, e só então, é que os gritos de desespero devem merecer misericórdia e ser ouvidos por quem pode acudir à desgraça. Até lá, é tudo fita. Se a tese é assustadora, o exemplo é muito ilustrativo de uma certa mentalidade que se instalou e que estala por todos os poros quando se fala com mais entusiasmo. A tese de que os pensionistas devem ser pobres e, até que o sejam, façam o favor de deixar que lhes tirem o que "é seu" ou seja, não é seu, pelos vistos, uma vez que pode ser "tirado" sem que seja legítimo defendê-lo. De outra forma, para que precisariam de fingir? Quando se finge, é porque se tem a consciência de que a sua situação real não é bem aceite, ou o torna vulnerável. Ficámos assim a saber que um pensionista, ou é pobre, ou tem que fingir que o é para merecer alguma consideração quanto à sua situação financeira. Podemos exportar o mesmo raciocínio para outras situações, por exemplo, os empregados não têm nada que se opor à legislação liberalizadora do desemprego, invocando as taxas elevadas, porque o que estão é a defender o seu trabalho, e a fingir que estão em risco de perder o emprego! Ou então os saudáveis, que têm que fingir que têm pouca saúde para não acharem lá muito bem que lhes aumentem as taxas moderadoras! Ou mesmo, quem sabe, um dia, depois de já haver poucos fingidores reformados e poucos fingidores empregados, chegue a vez dos fingidores pagadores de impostos, esses mentirosos que andam aí a fingir que a carga fiscal é excessiva mas o que querem é que não revejam as tabelas do IRS! Ai, aí, com este país de fingidores, mas já com raros poetas, como poderemos progredir?

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Portugal surpreende...

Chamou-me a atenção o título "Portugal surpreende e é o 3º país com melhor desempenho entre os 58 mais industrializados" sob o qual alguma imprensa divulga o resultado da avaliação das medidas contra o aquecimento global. Sintomático o espanto pois estamos sempre à espera do pior. E quando não se abrem os olhos de surpresa há quem muito se entristeça quando o que fazemos afinal dá resultado. Ora, nesta matéria, e à nossa escala, temos feito muito, a começar pela consciencialização das gerações a quem vamos passar testemunho.
De alguma sorte compreende-se que assim continue a ser. Afinal, para os profissionais do "quanto-pior-melhor" uma boa nova sempre é uma péssima notícia...
Vem-me à memória o episódio, intensamente por mim vivido, do desastre nos mares da Galiza com o petroleiro Prestige, ultimamente muito falado por causa do julgamento que terminou na passada semana, creio. Faz agora 11 anos. O assunto foi diariamente debatido no Parlamento. Senti, sempre que ouvia os senhores deputados a ele se referirem, que existia por ali quem não se conformava com o facto de a mancha de poluição não atingir a costa portuguesa. E mesmo quando já existiam certezas de que o perigo tinha passado, nas TV "cientistas" juravam, de mão estendida sobre modelos matemáticos que conjugavam ventos, marés e correntes, que era inevitável a contaminação de Caminha até Setúbal.
Somos assim. Melhor, alguns são assim. Estes quase sempre com audiência nos media para quem o escândalo, pequeno ou grande, é a alma do negócio.

E os marcianos são eles?

Altos voos. Ora aí está a grande competição com Marte!...
Para os mais curiosos:
http://quartarepublica.blogspot.pt/2009/12/aeroporto-para-avioes-que-nao-voam.html
http://quartarepublica.blogspot.pt/2012/11/licoes-de-economia-da-excelencia-do.html
http://quartarepublica.blogspot.pt/2011/10/existe-mesmo.html
http://quartarepublica.blogspot.pt/2009/12/aeroporto-de-beja-e-governabilidade-do.html

domingo, 17 de novembro de 2013

"Moral tribal"...

O comportamento moral é ditado por regras biológicas que estiveram na base da evolução humana. Vários estudos, das áreas da psicologia e da neurologia aliados à capacidade de "ver" o funcionamento do cérebro, revelam que existem duas formas de nos comportarmos face a certas situações e dilemas, emocional e racionalmente. A base biológica da moral começa a ser entendida. Há uma força irracional que leva as pessoas a agruparem-se de forma a garantirem o sucesso da sua existência, um "eu" que se transforma em "nós" e que ao transformar-se neste último, "nós", permite separar de os "outros". Tudo isto baseado numa moral cujas raízes mergulham na emoção. Uma moralidade que se distingue da de os outros, logo, torna-se numa fonte de conflitos. Onde se vê isso? Na política, na economia, na religião, no desporto, nos partidos e em muitas mais coisas. A base da sobrevivência humana é a tribo, que, de facto, foi determinante para a nossa sobrevivência durante o longo período de caçador/coletor. Tudo bem se vivêssemos na idade da pedra, mas o pior é que interagimos cada vez mais, estamos em cima uns dos outros, falamos e vivemos porta com porta com pessoas que pertencem a partidos diferentes, religiões diferentes, ou sem religião, com interesses económicos diversos, adeptos de clubes diferentes, tudo num mundo cada vez mais pequeno. É certo que parece haver um rudimento elementar do que é o mal e o bem, o qual já se observa nas crianças, mas o pior é saber quem é o "bom" e quem é o "mau". Se um grupo achar que ele é o "bom", então o outro passa a ser o "mau". Daqui ao conflito é um passo. Os tutsi e os hutus, no Ruanda, têm, também, essa noção, mas quando passaram para a prática, o outro é que era o mau. A forma irracional e emocional como o homem se comporta foi útil na sua evolução, mas hoje não serve para grande coisa. Seria necessário passar para a "razão" de forma a tratar os problemas, admitindo que o "mal" também está dentro de nós, e não só nos outros, mas o homem prefere a moralidade da emoção e evita a que devia ser sustentada na razão. Os estudos de "imagiologia" cerebral mostram inequivocamente quais as zonas de decisão e de escolha, pelo que há um substrato anátomo-funcional que permite compreender melhor a moralidade e contribuir para a criação e desenvolvimento de uma meta moralidade suscetível de mudar o futuro do homem, o que, muito provavelmente, nunca irá acontecer. A "moralidade emocional" é um sinal de inquietação, desajustada ao momento presente, e que está na origem de preconceitos em que certos valores são considerados como os mais corretos. Não há área que não demonstre esse princípio, desde a religião, passando pelo desporto, economia, até à política. O ser humano esquece-se frequentemente dos seus pecados, e arvora-se, na maioria dos casos, como vítima do sofrimento. Esquece-se que também faz sofrer os outros e identifica-se com os grupos que lhe permite garantir a sua identidade e "razão". "Razão emocional", favorecendo o já longo comportamento tribal. Teria de ser mais racional e desenvolver uma outra forma de moral, mais utilitarista, mais adequada ao mundo moderno, que é pequeno, sobrepovoado, demasiado diversificado, e que ainda pensa, e se comporta, como se estivesse na idade da pedra. Mas não está. Mas para lá poderá voltar um dia destes..

"Prova dos nove"...

Viver numa pequena localidade tem ainda os seus encantos e permite-nos descobrir o passado entre as suas paredes, nas suas gentes, nos seus gestos, no seu comércio, no seu dia-a-dia, sempre envoltos nas mais modernas tecnologias, em aspirações mundanas ou nas vivências ditadas pela moda e futilidades da vida. Estranhas combinações que, de braço dado, vão caminhando sem saber para onde e nem porquê. Viver numa pequena localidade é isso mesmo, viver em tempos diferentes no mesmo espaço, ambicionando o que o passado nunca deu e o futuro que ainda não prometeu. Permite ter conversas desfasadas, ricas, desproporcionadas, bem e mal-intencionadas, justificando falsas vontades ou despertando o olhar para a necessidade de renascer a bondade. Viver numa pequena localidade tem o seu encanto que depressa tanto se pode afundar num qualquer desencanto ou deixar-se enlevar por um sedutor e estranho canto. Tudo acontece e o que não acontece passa para o campo da imaginação, em que a língua afiada aponta diretamente ao coração. É uma maravilha viver numa pequena localidade, onde não se consegue esconjurar a maldade, nem manter viva eternamente a bondade. Numa pequena localidade é fácil encontrar fontanários de felicidade onde qualquer alma pode matar a sede da verdade. Numa pequena localidade é fácil usar a prova dos nove para ver se as contas estão certas. Um lápis, um papel, a tradicional desconfiança, a vontade de calcular e passado um bocado a conta certa para ajustar. Tudo acontece numa pequena localidade, até usar a prova dos nove. A tecnologia não move nem desperta o interesse, o passado não morre, a desconfiança continua, indiferente a tudo e a todos, como se o tempo não existisse. Viver numa pequena localidade é viver tempos diferentes no mesmo espaço, em que tudo muda e fica quedo, em que ainda se move a velha prova dos nove.

sábado, 16 de novembro de 2013

"Dignidade"...

Alguns seres humanos comportam-se nos tempos atuais de uma forma que faz lembrar o passado em que os senhores faziam o que entendiam dos seus escravos. Existe uma tendência para dominar o próximo, chegando a ponto de o humilhar. Alguns, para poderem ser superiores, fazem que os outros sejam tratados de forma pouco digna. Não é preciso comprá-los, vendê-los ou chicoteá-los, basta controlá-los, mediante o acesso ao emprego ou ao trabalho. Depois de serem criadas as respetivas ligações de dependência, muitos patrões, senhores dos tempos modernos, manipulam e fazem o que entendem. Inicialmente tratam-nos com deferência, pagam o que lhes é devido, comportam-se de forma atenciosa até chegar ao ponto de dependência máxima. Quando veem que atingiram esse momento, ou seja, quando a dependência económica está estabelecida, passam a protelar os seus deveres, esquecendo-se dos compromissos e adiando a retribuição das compensações que são devidas aos seus funcionários, os quais, perplexos, interpretam como sendo um lapso, um esquecimento, algo que em breve será restabelecido. O tempo passa e o acumular das obrigações passam a constituir um fardo pesado e doloroso para quem tem o direito a ser compensado pelo seu esforço. A desconfiança começa a instalar-se, e, sempre que surge uma oportunidade, atreve-se a recordar os pagamentos em falta na expectativa de poder resolver o problema. Chega o momento em que a arrogância e o desplante passam a ser uma realidade provocando-lhe mal-estar, sofrimento e angústia. Dominar o semelhante e abusar da sua boa vontade constituem atentados aos direitos dos homens. Por vezes, nestas condições, o melhor é explodir em ondas de dignidade e de nobreza, mesmo que constituam fonte de problemas ou de inquietações. Não há nada que consiga substituir a dignidade e a honra humanas. Recordo, frequentemente, muitos casos, histórias, obras e exemplos de seres humanos que foram capazes de sacrificar o seu bem-estar, interesses e conforto a troco da sua dignidade sempre que foram confrontados com os tais atos de domínio e pseudo superioridade. Não há dinheiro, não há nada, que consiga pagar ou substituir o direito à dignidade humana. Quando nos comportamos desta maneira conseguimos dar um pequeno passo no sentido de melhorar uma pobre humanidade que viveu e vive à custa do domínio e da "escravidão" de outros seres humanos. Uma verdade que dói e que existe por todo o lado e que reflete a verdadeira essência de muitos que "sabem" viver à custa dos outros. Mas lições de dignidade podem surgir de onde menos se espera, e quantas mais melhor. Para quê? Não sei!