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terça-feira, 30 de setembro de 2008

Já era sem tempo...

Até que enfim! O Primeiro Ministro garante que as poupanças dos portugueses estão seguras:
Quero tranquilizar os portugueses quanto às suas poupanças. O sistema financeiro português tem mostrado boa resistência a boa saúde, mas isso não dispensa que os EUA façam o que têm que fazer".
Subscrevo esta mensagem de confiança. Entre ontem e hoje recebi vários telefonemas de familiares e amigos preocupadíssimos com a segurança dos seus depósitos e aplicações financeiras. Receio é a expressão que melhor encontro para descrever o seu estado de espírito. As pessoas estão a despertar para a crise financeira...

Valha-nos a boa disposição! - II

A notícia (JN): "Secção de Banditismo da Polícia Judiciária assaltada".
O "furo": "PJ consegue apanhar o ladrão".

Valha-nos a boa disposição!

Perguntava no post anterior o que pensariam os portugueses dos comentários do ministro Pinho sobre a situação ontem agravada com a recusa da Câmara de Representantes dos EUA em aprovar o plano proposto pela Administração Bush. Uma das rádios nacionais foi para a rua sabê-lo. Eis um pouco do que ouvi esta manhã nessa rádio.
(Em estúdio) - O nosso repórter está já na rua para saber a opinião do cidadão anónimo. F... tens aí alguém contigo?
(Repórter) - É verdade. Tenho aqui comigo, para saber o que pensa da crise das bolsas, um cidadão anónimo. O seu nome?
(Cidadão Anónimo) - Edmundo...

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O fim do mundo, segundo Pinho

Perante uma plateia de empresários, o ministro Pinho acaba de anunciar que o mundo da prosperidade finou. E disse mais. Disse que ele, Pinho, já sabia que ia ser assim. Citando o profeta "o facto de se exportar mais para a Suíça do que para a China, bem como o alta do preço do petróleo, dava a entender que vinha aí a actual crise financeira".
Também eu tenho de há muito uma suspeita. Suspeitava que somos dirigidos por uma espécie de Pitonisas que governam não em função de necessidades e possibilidades reais, mas em razão de previsões. E como são voláteis estas Pitonisas e as suas previsões! Se não, recordemos.
Há precisamente um ano, por alturas da apresentação do OE para 2008, o PM e o ministro Pinho eram a personalização do otimismo. Aos que pediam para que se atentasse nos sinais evidentes de degradação do clima financeiro mundial, respondiam que Portugal respirava com saúde, aliás como o mundo. Colocaram o agente económico Estado a agir em conformidade com este otimismo.
Há seis meses, já não podendo ignorar a crise instalada, dizia o PM e repetia o ministro Pinho, que Portugal escaparia porque estava melhor preparado para resistir e que os resultados do crescimento económico (umas décimas de ponto acima das perspectivas) eram a prova irrefutável de que o País com este governo estava aí para o que desse e viesse.
Agora, Pinho, lançando da Horta Seca o seu olhar reflexivo sobre o que se vendeu para a Suiça e o que a China não comprou, revelou o que a sua aguda percepção sempre lhe indicou mas que guardou para si: era inevitável, acabou-se o que era doce!
Para os que de há muito alertam para a imoderação do otimismo governamental, o ministro Pinho não é o profeta da desgraça. É a corporização da extrema leveza deste governo. O governo que nesta conjuntura lança o programão das obras públicas. Estimula o consumo. Prefere a propaganda ao fomento efectivo das actividades produtivas. Que continua a aumentar a carga fiscal e a diminuir a capacidade de reacção das empresas. Que desvia a pequena poupança de instrumentos seguros (como eram os certificados de aforro) para produtos de alto risco.
E no meio de tudo isto, ouvindo o discurso de Pinho, o que pensará a grande maioria dos portugueses que nunca sentiu os tempos de prosperidade cujo final acaba de ser decretado pelo nosso ministro da economia?

O cancro não pode esperar...

A falta de pessoal é uma queixa recorrente de muitos dirigentes da administração pública para explicar problemas de funcionamento, designadamente o não cumprimento de prazos regulares ou legais.
A notícia hoje divulgada sobre o não cumprimento de prazos por parte do Infarmed, a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, passaria despercebida se fosse mais um caso de falta de pessoal para justificar os ditos problemas de funcionamento.
O problema é que a falta de pessoal é apresentada para justificar o incumprimento dos prazos previstos na lei para a aprovação de novos medicamentos. Segundo a nova lei - aprovada em Janeiro de 2007 - os novos medicamentos só podem ser introduzidos no mercado depois de avaliadas as vantagens terapêuticas e as mais-valias económicas. Segundo a lei a avaliação deve estar concluída em 45 dias.
Mas o problema aumenta se pensarmos nas consequências de, numa doença tão sensível e terrível como é o cancro, os medicamentos do foro oncológico não se encontrarem disponíveis por o Infarmed não ter capacidade para proceder no prazo legal estabelecido à sua avaliação. Sem avaliação os medicamentos não podem ser colocados no mercado. Em quase dois anos, desde de Janeiro de 2007, apenas um medicamento para o cancro foi aprovado. Desde aquela data que há oito fármacos oncológicos à espera de uma decisão do Infarmed.
Se é um avanço que os medicamentos sejam sujeitos a “uma avaliação que pondera as mais-valias terapêuticas para os doentes e a chamada relação custo-benefício”, já é totalmente incompreensível que por falta de técnicos os doentes de cancro não possam ser ajudados com medicamentos que pelos vistos estão em filas de espera no Infarmed, numa espera tão longa quanto as esperas penosas de muitos doentes de cancro que aguardam meses e anos por uma cirurgia nos hospitais do SNS.
Estes são problemas graves que não deveriam se quer existir. Não se admite que por falta de pessoal os doentes de cancro não possam beneficiar de medicamentos inovadores, quando muitas vezes o que está em causa é uma luta contra o tempo…

Grandes fascistas, esses trabalhistas ingleses!...

Numa entrevista hoje ao Público, o Secretário de Estado da Educação de Sua Majestade Britânica, o maior responsável pelas escolas da Grã-Bretanha, declarou e transcrevo:
“ Ainda a semana passada, o Primeiro-Ministro, Gordon Brown, na Conferência do Partido Trabalhista, deu a garantia aos pais de que, nos próximos três anos, haverá legislação que garanta aos pais o direito fundamental de que os seus filhos, na escola primária, aprendam a ler, escrever e contar”.
Pelos vistos na Inglaterra também se seguiu aquela pitoresca doutrina pedagógica que ainda prevalece nos sábios do nosso Ministério da Educação de que a aprendizagem pode causar graves traumatismos psicológicos às crianças, pelo que a solução é passar de ano, independentemente do que se saiba.
Ficamos então a saber essa extraordinária revolução pedagógica: na Inglaterra, os meninos da primária vão ser obrigados a aprender a ler, a escrever e a contar e que isso constitui um direito fundamental dos pais!...
Cá em Portugal, já há muito, Salazar defendia ser esse o principal objectivo da escola primária.
Grandes fascistas, esses ingleses!...

A Videira

Ferreira de Almeida citou Torga a propósito das “Vindimas do meu Douro”. Homem das terras altas, quentes e frias, ricas de videiras fonte da bebida que aquece o coração.
“Ofereço-lhe” um belo poema nascido do coração de um dos maiores poetas que nasceu no Alentejo, Al Mutamid, o “poeta do destino”.



ao passar junto da vide
ela arrebatou-me o manto,
e logo lhe perguntei:
porque me detestas tanto?
eis que ela me respondeu:
porque é que passas, ó rei,
sem me dares a saudação?
não basta beberes-me o sangue
que te aquece o coração?

Al Mutamid

Programão encalhado...o que fazer?

As notícias que vão chegando dão conta de que o célebre Programão, que aqui temos denunciado convictamente como erro de política, já terá conhecido “melhores” dias.
Multiplicam-se as declarações que dão conta de um crescente desconforto por parte dos candidatos ao negócio ou partes dele, sustentando a necessidade de uma revisão muito considerável, para cima, dos custos projectados...
A escassez e o encarecimento do crédito, que se têm vindo a acentuar, aditaram ao Programão uma nova faceta: para além de constituir um erro – um tremendo erro – das opções de política face à necessidade de correcção dos desequilíbrios da economia, parece que o Programão está agora desprovido de meios para prosseguir, emperrou ou encalhou na insuficiência de recursos financeiros e no custo cada vez mais elevado dos que ainda estarão acessíveis.
Os grandes ideólogos do Programão – JS, ML, MP e outros – guardam um curioso e rigoroso silêncio...

Insistir nesta altura dos acontecimentos com a peregrina ideia de lançar uma infindável sucessão de obras públicas seria não apenas um erro e uma temeridade, mas um verdadeiro atentado contra a economia nacional: iria virtualmente secar os parcos recursos para os restantes sectores da economia, sufocando a actividade económica – PME’s sobretudo – e agravando rapidamente os já enormes e irreversíveis desequilíbrios que afectam o desempenho da economia e comprometem o presente e o futuro...
Estamos pois num ponto de viragem: depois dos ribombantes anúncios quanto às virtudes e ao arranque em força do Programão, a regra agora passou a ser silêncio sepulcral...silêncio que neste caso aparenta ser a forma de disfarçar um enorme embaraço perante uma realidade incontornável...
É caso para perguntar o que vai ser feito:
- Das 10 concessões rodoviárias prometidas para o curto prazo se nem a segunda conseguiu ainda avançar?
- Do TGV?
- Do novo Aeroporto?
- Dos N novos hospitais, incluindo o novo IPO?
- Da nova travessia do Tejo?
- Do grande projecto da Frente Ribeirinha do Tejo?
- Das grandes obras projectadas para a zona Oeste, a título de compensação pelo cancelamento da Ota?
- De tantas outras promessas de grandes investimentos, anunciadas a esmo?

Por quantos anos será necessário congelar esta parafernália de grandes obras – e que novas prioridades estabelecer perante uma realidade que veio subverter brutalmente a “ordem” até agora vigente - ou que veio por a nu uma incapacidade até agora menos perceptível?
Estará o Estado disponível para aceitar os custos e os riscos financeiros de todo o Programão, emitindo dívida directa com o seu impacto no orçamento?
Quando vai haver coragem para confessar sem rodeios esta nova realidade?
Quanto mais tarde pior será, é o que me parece...

Tristeza

"Jamais fique completamente ocioso. Leia, ou escreva, ou reze, ou pense, ou dedique-se a algo para o bem de todos." (Tomás de Kempis).



Tenho verificado ao longo dos últimos anos uma apetência febril para o consumo de psicofármacos por parte dos doentes e uma explosão de prescrições por parte dos clínicos. Os primeiros sofrem e os segundos, não podendo combater a maioria das causas, fazem por “esconder” o sofrimento como se estivessem diante de uma parede atacada por bolor acabando por a pintar de novo. Mas o bolor e a humidade ficam e, ao fim de algum tempo, tudo volta ao mesmo.
Retirando os casos ditos de depressão major, somos obrigados a reflectir se grande parte dos casos são motivo para tratamento. Muito provavelmente, não! A medicalização das sociopatias, que estão na base de muito sofrimento, pode constituir um problema de saúde pública pela dependência provocada pelos fármacos, pelos efeitos cognitivos, diminuição da memória e da criatividade, e diminuição da capacidade de resposta a certos estímulos, para não falar noutras.
Acontece que a maioria dos “doentes” sentem uma “tristeza própria da alma”, como foi designada pelo monge Tomás de Kempis há mais de cinco séculos. A facilidade na prescrição, os interesses na mesma, e a “diminuição” da resistência à “tristeza da alma” explicam o incremento do seu consumo, ao ponto de 32% dos utentes adultos do Serviço Nacional de Saúde andarem sob o efeito dos mesmos. Transformar a tristeza em depressão é merecedora de revisão.
Há casos em que a alma anda mais do que triste, mas sim esmagada, destroçada, apunhalada e violentada até a dor ser insuportável, como foi o caso de uma senhora de idade que veio à consulta por causa do seu braço direito que a impedia de trabalhar e dormir. Bastante inflamado informei-a que em poucos dias ficaria aliviada. Olhou-me e disse que era impossível. - Impossível como? Vai ver que as dores desaparecem. – Mas não desaparece o resto. Vi logo que havia mais alguma coisa. A senhora precisava de desabafar. É fácil libertar a língua de um sofredor. Contou que teve de criar o neto desde pequenino porque a mãe tinha morrido de leucemia fulminante. Bom aluno e bom neto. Há poucos anos morreu o avô. – O senhor doutor conhecia-o, era seu doente. Disse quem era. Recordo ter vindo à consulta e no dia seguinte sofrer um enfarte fatal. Depois desse dia o neto começou a ficar triste, deprimido e deixou de ir às aulas, mas no último período conseguiu recuperar e entrar na faculdade com boas notas. Foi então que tentei saber um pouco mais da doença e conclui que o rapaz sofria de esquizofrenia. Anda a ser tratado. – Como o senhor doutor sabe, às vezes começa com aqueles comportamentos e eu fico logo aflita, nem imagina. Ao longo destes anos ando sempre em sobressalto e a idade avança e não sei o que vai acontecer.
- Bom. Na próxima semana vamos ver como está o braço e depois trataremos da alma! Esboçou um sorriso, agradeceu e disse que sim que viria falar comigo. Vamos ver como se pode ajudar a “tristeza” desta alma. Para já, quer que a ouçam. E saber ouvir é meia cura para muitos males...

Por caminhos da Dácia e da Trácia: A Cruz de Raphael e o Superior burocrata

O Mosteiro de Rila, património da humanidade de que falei há dias aqui no 4R, tem um museu muito rico, sendo, no entanto, de destacar uma verdadeira obra-prima, a Cruz de Raphael, nome do monge que a criou.
A Cruz tem a particularidade de exibir nos seus braços, de oitenta por quarenta centímetros, esculpidas em madeira, num maravilhoso trabalho de miniatura, mais de cento e quatro cenas bíblicas com 600 figuras humanas cujo maior tamanho será o de uma unha.
O trabalho de Rafael durou doze anos e só podia ser feito em dias claros de sol.
Como quase sempre sucede, o seu trabalho artístico não teve a compreensão de muita gente; é facto que Raphael recebia reprimendas constantes e porventura até punições do Superior do Mosteiro, um monge mais dado às burocracias do que às artes, sempre que chegava atrasado às cerimónias conventuais, tentando aproveitar, ao máximo, os primeiros e os últimos raios do sol.
Este trabalho de fina escultura começou em 1790 durou 12 anos, ao longo dos quais Raphael foi ficando com a vista cansada até cegar por completo.Com o sacrifício das reprimendas e da cegueira, Raphael fica para a história dos grandes criadores de uma obra-prima notável na arte da miniatura. Do Superior burocrata parece que a história não reza.

domingo, 28 de setembro de 2008

Vindimas no meu Douro


O que é bonito neste mundo, e anima,
É ver que na vindima
De cada sonho
Fica a cepa a sonhar outra aventura...

(Miguel Torga)

Chamar as coisas pelos nomes: imoralidade e falta de ética...

No meu post de ontem "A quem interessa a falta de transparência?" critico o poder discricionário instalado na CML na atribuição de casas a privados, casas que são para todos os efeitos património público, e que, por isso mesmo, não podem ser geridas ao sabor da vontade de quem decide em função de conveniências ou de circunstâncias sejam elas quais forem.
A este respeito vale a pena ler no Público de hoje a opinião de Vasco Pulido Valente em "Pequenos favores", da qual transcrevo a seguinte passagem:

Por mais que se mude, não se mudam os portugueses. Vem isto a propósito do novo "escândalo" da Câmara de Lisboa. Parece que, desde o começo do regime, a Câmara de Lisboa resolveu (por razões que excedem o entendimento) "atribuir" casas a quem lhe apetece. Até agora já "atribuiu" 3.200 com uma renda média de 35 euros. Pedro Feist, vereador de Aquilino Ribeiro Machado a Carmona Rodrigues, não vê nada de extraordinário nisto: é uma "realidade histórica", explica ele, como se a duração do abuso o justificasse. Ele mesmo "meteu uma cunha" ao "seu colega da habitação" para um motorista que murava na Curraleira e acha a coisa "perfeitamente humana". Toda a gente, de resto, fazia o mesmo, com a mais tranquila consciência. A título de caridade oficial ou particular. (...) De qualquer maneira o que espanta neste episódio é inocência da autoridade. Uma inocência genuína e profunda. Que um funcionário (eleito ou não eleito) distribua como quem distribui uma mercê propriedade da câmara, ou seja, do contribuinte, não perturba a cabeça de ninguém. Então um favorzinho, que não custa nada, é agora um crime? Os portugueses sempre se trataram assim: com um "jeitinho" aqui em troca de um "jeitinho" ali. E a administração do Estado fervilha de grupinhos de influência e de pressão que promovem, despromovem, transferem e demitem - e vão, muito respeitosamente, ganhando o seu dinheirinho por fora, com uma assinatura e um carimbo. Ética de serviços? Quem ouviu falar nisso?

Arte de envelhecer

“A arte de envelhecer é a arte de viver, até ao fim”. Trata-se da maior conquista civilizacional, porque, sendo a velhice, na Natureza, um estado de excepção, o homem criou uma nova idade que podemos catalogar como a condição superior da existência humana.
O processo gerontorevolucionário em curso exige atenção e medidas destinadas não só a garantir auxílio e respeito pela dignidade dos nossos concidadãos mais velhos, como também o aproveitamento dos seus saberes e capacidades para melhorar e estimular o crescimento da nossa comunidade.
Numa sociedade cada vez mais envelhecida não faz qualquer sentido “dispensar” e ostracizar os seniores como não tendo praticamente qualquer utilidade. Um absurdo para o qual tem contribuído as reformas prematuras que vêm apenas agravar o bem-estar e a saúde das pessoas que, ao adquirirem a categoria de aposentado, acabam, num número significativo de casos, por se remeter para uma solidão e inactividade crescente. É indispensável terem aspirações activas e alegres que lhes permitam continuar a procurar a realização de projectos de vida, baseando-se no princípio de que “a primeira obrigação de todos nós é viver bem no dia-a-dia, com alegria”.
A preparação para a reforma deverá ser tomada a sério e de forma estruturada. Os limites legais para o efeito têm que ser equilibrados com a necessidade de prolongar no tempo a actividade profissional, embora a um ritmo e com horários compatíveis com a idade e limitações. Dar tempo ao tempo sem roubar o direito a que cada um seja dono do seu próprio tempo.
Quantas pessoas, com oitenta e mais anos, continuam a exercer actividades em prol da sociedade, tremendamente activos e felizes, ajudando-se e ajudando os outros? Muitos.
Envelhecer com arte e estimular a arte do envelhecimento transformar-nos-á em seres mais activos, produtivos e criativos numa sociedade em rápida mudança.
Não devemos ter medo do tempo, que está associado à inevitável morte. O tempo, na perspectiva aristoteliana é eterno, sendo assim “obriguemos” a eternidade a passar por nós...

sábado, 27 de setembro de 2008

O estado a que chegámos!...

A atribuição de casas de rendas sociais pela Câmara Municipal de Lisboa, para além de algumas decisões controversas de alegados favorecimentos ilegítimos ou ilegais, a comprovar, está a revelar um outro aspecto, tanto ou mais importante que o primeiro e que explicita, de forma clara, a profunda doença que vem atingindo, já não sei se a justiça, se a sociedade portuguesa no seu todo, que tal permite.
Refiro-me ao caso que tem sido noticiado de um pedido feito aos Serviços da Acção Social da Câmara de Lisboa por uma cidadã, Margarida Sousa Uva, mulher de Durão Barroso, com vista ao alojamento, em casa da Cãmara, de uma mulher extremamente carenciada, com três filhos, que viveriam em situação degradante.
Acontece que, segundo o DN de hoje, o Ministério Público está a tentar descobrir neste acto indícios de tráfico de influência, tendo já ouvido Margarida Sousa Uva.
Isto é, se um qualquer cidadão, por exemplo, eu próprio ou um dos leitores, tiver conhecimento de um caso de miséria extrema e actuar, por dever de compaixão e de cidadania, junto de organismo competente, Governo, Santa Casa de Misericórdia ou outro, corremos o risco de ser acusados de tráfico de influência.
Um cidadão, qualquer cidadão, não pode ser limitado no exercício dos seus direitos, o que acontece se corre o sério risco de vir a ser penalizado pelos seus actos de cidadania.
A ser verdadeiro o que o DN refere, é uma vergonha de comportamento esse o da Justiça, que leva o cidadão a não olhar para o seu semelhante em dificuldades, a tornar-se inumano, a privilegiar o egoísmo e a desprezar essa tão necessária virtude da solidariedade.
Porventura por pensar que a mão do Estado a tudo chega e por tudo vela, considerando ilegítimo o inestimável contributo do cidadão. Ou, então, por mesquinhas razões políticas.
Ao estado a que chegámos!...

Declaração de Conimbriga

1. Envelhecer é o maior atributo da vida, expressão completa da existência.

2. Todo o ser humano tem o direito a envelhecer com saúde, segurança e dignidade.

3. A sociedade deverá proporcionar a todos os que atingirem a fase superior da vida meios para uma existência condigna em termos sociais, familiares, económicos, médicos e culturais.

4. Os seniores têm a obrigação de transmitir à família e à sociedade a cultura e sabedoria acumuladas ao longo da vida.

5. Os seniores têm direito ao convívio com os seus netos naturais e adoptivos, ajudando-os e acompanhando-os e transmitindo, pelo exemplo, valores, princípios e ensinamentos.

6. Os seniores têm direito a que sejam respeitadas as suas disposições e vontades, no estrito respeito pela ética e pela lei.

7. A sociedade tem a obrigação de adaptar e construir as estruturas, de valorizar e modificar a organização social e ensinar os cidadãos em função da nova realidade social, fruto do envelhecimento.

8. Os seniores devem associar-se, formal ou informalmente, na defesa dos seus interesses e na promoção dos seus valores.

9. Os seres humanos têm o direito e o dever a envelhecer com arte e a estimular a arte do envelhecimento.

Conimbriga, 27 de Setembro de 2008.

EXPOVITA SENIOR

Nos últimos três dias, decorreu, em Conimbriga, a EXPOVITA SENIOR cujo programa científico e cultural focou a problemática do envelhecimento (envelhecer com ética, arte de envelhecer, envelhecimento activo e política para o envelhecimento) com a participação de várias personalidades dos diferentes quadrantes do conhecimento.
No final do encontro foram elaboradas várias recomendações e uma declaração de princípios, a Declaração de Conímbriga.


Recomendações da EXPOVITA Sénior

Conímbriga, 27 de Setembro de 2008



“A arte de envelhecer é a arte de viver”
(António Arnaut)


O envelhecimento é um valor, uma verdadeira conquista civilizacional, sinónimo de condição superior da existência humana.

As sociedades actuais do mundo ocidental, nomeadamente a portuguesa, estão cada vez mais envelhecidas, o que constitui um problema para o seu equilíbrio social e económico no futuro. Em 2007, em Portugal, o número de nascimentos foi inferior ao de óbitos com uma diminuição anual superior a 3.000 nascimentos.

À luz do princípio da subsidiariedade, e na medida que se vive em geral mais tempo e com qualidade, é preciso admitir a necessidade de trabalhar até idades mais avançadas, mas de forma plenamente adequada às potencialidades e condicionalismos dos seniores.

Uma das medidas fundamentais para combater o envelhecimento demográfico, e garantir a segurança dos mais velhos, assenta numa estratégia de apoio à natalidade.

A procura do “elixir da juventude”, ancestral aspiração dos seres humanos, está ao alcance de todos através da restrição calórica - alimentação equilibrada com um menor consumo de gorduras e açúcares.

A educação e a cultura são muito importantes para ajudar a encarar o envelhecimento e a morte de uma forma positiva.

Ser-se velho não é uma questão trágica. Antes pelo contrário. Deveríamos seguir os exemplos da antiguidade em que os anciãos eram considerados os depositários da sabedoria. A desdramatização do envelhecimento passa pela educação e pela solidariedade intergeracional.

A situação do idoso é muito diferente consoante as características e os costumes de cada território, o tipo de aglomerado e a classe social. A qualidade de vida do idoso, sobretudo nas idades mais avançadas, depende dos meios de vida, do acesso à saúde e, principalmente, do apoio e do afecto da família e dos amigos ou vizinhança. A implementação de redes de inter-ajuda e de convívio é uma forma de reduzir a solidão, o isolamento e fomentar o voluntariado.

Os meios de entretenimento do idoso, nomeadamente a televisão, devem respeitar a sua dignidade e procurar encontrar formas que os motivem e que mantenham o seu nível cognitivo e de sociabilidade, evitando a infantilização.

A falta de estímulos cognitivos, sociais e de actividade física contribuem para o isolamento e a solidão. O problema da velhice radica, também, na falta de afectos, de solidariedade, de humanismo.

A criação e o desenvolvimento de estruturas culturais, lúdicas, artísticas e desportivas deverão ser acarinhadas a vários níveis desde as Juntas de Freguesias ao Governo, passando pelos lares e universidades da terceira idade.

Os idosos representam um peso cada vez maior no orçamento da saúde e da segurança social. Por estes motivos o Governo, e a sociedade em geral, devem empenhar-se no desenvolvimento da rede nacional de cuidados continuados, no apoio domiciliário e na articulação com os cuidados de saúde.

A permanência do idoso na sua casa é a melhor opção No caso de perder a autonomia a solução será viver no seio da família quando esta disponha dos meios necessários. O recurso aos Lares da Terceira Idade, de qualidade devidamente certificada, dependerá da situação do idoso e da sua família.

Infelizmente, grande parte dos Centros de Dia e Lares de Terceira Idade não dispõem de meios e de recursos humanos qualificados para lidar condignamente com os interesses, necessidades e dignidade dos idosos.

É fundamental que o idoso se mantenha activo, solidário e útil no plano familiar e social, nunca descurando uma participação cívica e política para fazer face à atonia social que se verifica e defender os seus interesses.

Deve ser apoiada a investigação no âmbito das ciências biomédicas e sociais e exigida a educação e a formação profissional, a todos os níveis, na área da gerontologia, e respectivas acreditações.

Atendendo às características da nova população emergente - a velhice dos tempos actuais -, a sociedade deverá ter capacidade para responder aos seus anseios em termos culturais e lúdicos, propiciando o desenvolvimento do lazer e turismo activos.

A sociedade deve olhar para os anciãos como uma mais valia, sinal de desenvolvimento e de riqueza civilizacional.

“A primeira obrigação de todos nós é viver bem no dia-a-dia,
com alegria”
(Adília Alarcão)



A quem interessa a falta de transparência?

A semana que agora acaba, não fosse a crise financeira mundial, esteve à beira de ser monopolizada por entrevistas e notícias sobre irregularidades, ilegalidades, cunhas, favoritismo, corrupção, falta de transparência, abuso de poder e outras tantas designações que querem dizer o mesmo na atribuição de casas pela Câmara Municipal de Lisboa.
O jornal Expresso deste fim-de-semana fala da atribuição sem regras de habitação do chamado “Património Disperso da Câmara”, do qual fazem parte apartamentos, palácios, lojas, armazéns e casas recebidas como contrapartida das cooperativas de habitação às quais a CML cede terrenos para construção.
Ao longo da semana, depois do que li e ouvi, fiquei também com a ideia de que a atribuição de habitação social também sofre da falta de regras.
Sendo património disperso ou sendo habitação social, estando em causa a sua atribuição para utilização de terceiros, seja em regime de arrendamento seja em regime de venda, é de elementar conclusão que a transparência é um princípio básico e um valor fundamental, o único que protege esses bens públicos e que garante a sua correcta afectação e utilização, numa perspectiva simultaneamente de eficiência económica e equidade social. A transparência salvaguarda valores como a não discriminação e previne a manipulação da decisão.
A gestão discricionária destes bens públicos é totalmente inadmissível porque como é óbvio não garante em cada momento que a decisão seja tomada segundo regras claras, conhecidas dos cidadãos, da qual não dependem outros factores que não sejam a elegibilidade das situações susceptíveis de atribuição das casas e a verificação dos critérios previamente aprovados.
Parece que há trinta anos que a gestão deste património é feita na CML sem regras e sem controlo. Não admira que depois surjam suspeições e acusações, jogadas pelas diversas facções partidárias e políticas umas contra as outras, ora para atacarem ora para se defenderem. Um jogo em que todos perdem. Uma vergonha.
Um quadro destes em nada prestigia a CML e em nada favorece as instituições, os partidos e os políticos. Pelo contrário, só contribui para adensar a suspeição de laxismo e de permissividade, de abuso do poder e de injustiça.
Um sistema sem regras, para além de pecar pela falta elementar de um quadro regulamentar ou legal, peca por ser imoral. Somos tão férteis em produção de legislação, legislando sobre tudo e mais alguma coisa, que até nos esquecemos de afinal legislar sobre realidades tão importantes como a da atribuição por entidades públicas de bens públicos a privados.

Singela memória...

Lembram-se de “A Torre do Inferno”? Lembram-se do arranha-céus mais alto do mundo, consumido em chamas? Lembram-se do arquitecto dessa imponente obra arquitectónica? Era Paul Newman.
Foi assim que conheci Paul Newman, num filme grandioso, à época uma obra de grandiosa ficção!
Um filme que me marcou pela catástrofe, que me ensinou o elevado preço da corrupção.
Um filme que associo à fantástica prestação de Paul Newman. Foi um grande Actor. Foi também um grande Homem, defensor de causas humanitárias.
Paul Newman morreu aos 83 anos. O tempo passou muito depressa. Julgava-o mais novo. É, assim, mais novo, com os seus grandes e sedutores olhos azuis, que o recordo no intemporal filme “A Torre do Inferno”.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Ricardo Reis dixit: plano Paulson para o lixo!

Temos o famoso Professor Reis hoje de regresso aos títulos dos nossos media, em mais uma intervenção tremendamente premonitória...agora em directo de Columbia University para a Lusa.
Desta vez não é para dizer, como em Agosto de 2007, que os problemas que começavam a manifestar-se nos mercados financeiros não passavam de um pequena perturbação no mercado interbancário - da qual não se falaria mais dentro de 30 dias, como advogou no seu arrojadíssimo comentário de Agosto de 2007, festejado pela imprensa lusa em grande álacre...
Desta vez a questão é ainda mais séria: trata-se de arrasar, sem mais, o tão falado plano Paulson, também conhecido por TARP (Troubled Assets Refief Program) ou TARA (Troubled Assets Refief Act) .
Adianto desde já que prefiro a segunda designação, não só por ter carácter definitivo mas também porque, para ser sincero, acho a ideia mesmo uma TARA!
Não é esta a opinião de Ricardo Reis que entende, em resumo, o seguinte:
- “O plano é perigoso, errado, injusto, e terá porventura, consequências desastrosas”.
- “Deve ser deitado ao lixo”
- “Entre aplicar o Plano e nada fazer, prefiro que não se faça nada”
- “É mais do que legítimo que o Congresso dos USA questione este Plano”
- “O melhor, no entanto, seriam medidas alternativas que existem. Mas não vale a pena consertar o que nasceu torto. É preferível começar tudo de novo”.
O Professor Reis está de “faca afiada”, realmente...desferindo os mais duros comentários contra o muito competente mas infeliz secretário do Tesouro, que já não deve dormir há mais de 7 dias...
Resta assinalar que estes comentários do Professor Reis foram proferidos no mesmo dia em que parece estar muito próximo um acordo no Congresso sobre o plano Paulson...vamos ter o TARA, finalmente, ao que parece!
A acontecer tal acordo, hoje ou amanhã tanto faz, mais uma vez o Professor Reis parece manter os seus instrumentos de previsão em total desatino...sem prejuízo de se reconhecer e apreciar o extraordinário arrojo de suas previsões!

Bem orquestrada!

Prossegue a campanha contra o recente regime jurídico da responsabilidade civil extra-contratual do Estado e dos seus agentes, em especial no que tem que ver com o erro judiciário.
Bem organizada. Diria mesmo, finissimamente orquestrada.
Agora "ataca-se" aí, onde se julga que a opinião pública é mais sensível em tempos de grandes dificuldades: divulgam-se gigantescos montantes de mera contigência, isto é, que o Estado teria de pagar a particulares se viesse a ser condenado em todas as acções propostas contra ele por quem se sentiu lesado pelo funcionamento grosseiramente errado do sistema de justiça.
Escreve-se hoje no DN que "se o Estado português fosse condenado a pagar todos os pedidos de indemnizações apresentados apenas na área cível de Lisboa, teria de desembolsar qualquer coisa como 700 milhões de euros".
Impressiona este número não impressiona? Pois é. Mas não deve impressionar porque o Estado é chamado a pagar. Deve sim fazer-nos perceber o ponto de degradação a que chegou o sistema de justiça que - ainda com a lei antiga em vigor pois boa parte destas acções foram propostas antes de 2007 - leva a esta torrente de processos. Apesar das custas serem altas. Dos honorários dos advogados serem em geral elevados. Dos incómodos de fazer uma prova próxima do diabólico neste tipo de acções.
Apesar disto tudo, só em Lisboa são reclamados 700 milhões de euros!
Sabendo-se que as acções propostas representam um pequena percentagem das reacções de quem se sente prejudicado, e mesmo descontados aqueles casos em que a invocação do direito não tem razão de ser, quantos mais danos materiais e morais ficam por reclamar, porque muitos são os cidadãos que se conformam com a desgraça de um dia terem sido vítimas do erro ou do atraso injustificado da Justiça? Quantas? Há por aí algum observatório que no-lo diga?

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A realidade e a ilusão

Foi um alarido a distribuição do computador Magalhães nas escolas, ao que ouvi dizer objecto imprescindível para a educação, logo a partir dos sete anos de idade.
Para tais idades, não creio que seja tão imprescindível como isso. Se pode ser um estímulo para aprender a ler, não traz qualquer vantagem para a miudagem aprender a escrever e, muito menos, a fazer contas. E, independentemente da necessária formação noutras áreas educativas, é nos primeiros anos que os alunos têm que sair instruídos nessas tarefas prosaicas, mas que ainda ouso chamar essenciais, de saber ler, saber escrever e saber fazer contas.
Sobretudo no que se refere à Matemática, o computador vai ser uma tragédia. A Associação Portuguesa dos Professores de Matemática, num raro bom senso nos tempos que correm, vem chamando a atenção para a grave consequência da utilização das máquinas de calcular. O computador só irá piorar a situação.
Como se já os conhecessem, o Primeiro-Ministro e a Ministra da Educação não se cansaram de assinalar os extraordinários efeitos benéficos de tal medida, e venderam como realidade palpável e indiscutível uma mera presunção, a comprovar apenas no futuro.
Sob a capa de lhe estar a criar melhores condições, a educação deixou de ser objectivo para o Governo; a educação passou a mero instrumento de propaganda.
Eficaz para o Governo, não duvido, mas ilusória para os portugueses.

Cancro em África. Um problema político.

Os países mais pobres apresentam valores muito preocupantes de corrupção, com base no “índice de percepção da corrupção”, anualmente publicado pela organização Transparência Internacional, tradutores de um desastre humanitário que não só ameaça a luta contra a pobreza como também impede o mínimo de cuidados médicos. Muitos desses países pertencem a África, continente infeliz, governado por dirigentes corruptos.
Os africanos morrem como tordos de malária, de sida, de tuberculose, de fome, de guerras e agora de cancro. Calcula-se que daqui a uma década ocorrerão anualmente mais de treze milhões de novos casos de cancro, morrendo mais de um milhão. Os tumores que começam a aparecer não são fruto de um discreto envelhecimento da população mas, sobretudo, devido a doenças infecciosas e a uma ocidentalização dos hábitos. Veja-se o caso do tabaco. No Ocidente esta peste começa a estar sob controlo, mas em África não. Não se vende tabaco na Europa ou na América do Norte? Não faz mal, vende-se, e bem, naquele continente e ainda por cima com qualidade muito baixa. As indústrias são poluidoras na Europa e na América do Norte? Não faz mal. Deslocam-se para África. Resíduos? Mandam-se para África.
Calcula-se que seria possível prevenir cerca de 50% dos cancros africanos com medidas que já estão ao alcance dos europeus e norte-americanos. A vacinação contra a hepatite B e contra o vírus do papiloma humano responsáveis por muitos dos cancros do fígado e do colo do útero, respectivamente, seria uma medida muito eficaz. O pior é que tudo isto custa dinheiro. E mesmo que fosse possível produzi-las a um custo muito baixo não seria de espantar que os corruptos africanos lhe metessem a unha. Mas o problema não fica por aqui. A falta de técnicos especialistas decorrentes de vários fenómenos, entre os quais a sida, têm um papel determinante, originado carência e insuficiência nos tratamentos e cuidados paliativos dos africanos. Enquanto os líderes recorrem aos cuidados mais sofisticados no Ocidente, deslocando-se nos seus aviões particulares, os seus “súbditos” morrem à míngua, mesmo debaixo dos nosso olhos.
A sida é um problema politico e agora o cancro também tem de ser considerado como tal. São necessárias medidas urgentes.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Duas "Colombo", dois destinos diferentes...

Estive a semana passada no Rio de Janeiro. No meio dos afazeres do trabalho tive tempo para ir tomar um chá à Confeitaria Colombo, localizada no centro histórico. Trata-se de uma confeitaria fundada em 1894 por dois emigrantes portugueses – Joaquim Borges de Meireles e Manuel José Lebrão – ao estilo de arquitectura art nouveau, decorada com esplêndidos espelhos de cristal, que mais tarde li foram trazidos de Antuérpia, por elegantes vitrinas adornando as paredes e recheadas de loiças e cristais antigos e por belos vitrais e bonitos candeeiros rendilhados suspensos em tectos trabalhados em madeira. A grande sala é polvilhada de mobiliário do mesmo estilo e o serviço irrepreensível é prestado por empregados impecavelmente fardados, solícitos e simpáticos que convidam o visitante a sentir-se em casa. A gastronomia requintada é irresistível, com uma selecção fantástica de chás e uma variedade infindável de bolos, muitos deles portugueses, a proporcionar momentos de tudo querer saborear.
Visitar a Confeitaria Colombo é uma verdadeira viagem no tempo, um momento de alegria de ser português em terras brasileiras. A sensação é como que a de estar em Portugal.
A lindíssima Confeitaria Colombo fez-me recordar com saudade a elegante pastelaria Colombo de Lisboa, situada na Av. da República, da mesma época, com uma arquitectura de interiores ao mesmo estilo art nouveau, um ambiente artístico e cultural muito semelhante e, mais ainda, com uma ementa doceira em tudo idêntica à Confeitaria Colombo. Um espaço menor, é certo, mas em tudo o mais idêntico. Requintado e charmoso.
Ao contrário dos brasileiros, que carinhosamente preservaram a obra “portuguesa” e dela se orgulham, Lisboa deixou fechar, já lá vão muitos anos, a sua Colombo para dar lugar a um MacDonalds. Como aliás aconteceu com muitas outros espaços característicos de Lisboa. Trocou um espaço clássico por um fast food, trocou um valor artístico e cultural por um símbolo moderno, enfim, trocou um pedaço de identidade pela fama de uma marca internacional.
Lisboa ficou do meu ponto de vista mais pobre. A harmonia entre a tradição e o moderno é com certeza um exercício muitas vezes difícil de fazer, mas esquecer que a identidade própria de uma cidade ou de um local é um bem que deve ser protegido, significa descaracterizar o seu “código genético” em desrespeito pela memória daqueles que no passado a fizeram viver e reviver e comprometer o seu futuro.
Falta-nos sensibilidade. O caso da pastelaria Colombo não é, infelizmente, excepção. Esta preocupação estende-se obviamente a muitos outros valores culturais e artísticos das nossas cidades, designadamente a bairros, ruas, edifícios ou fachadas, espaços públicos, actividades culturais, profissões, comércio tradicional, etc.
Continuamos a privilegiar o “betão”. Fazemos mal. Vai sendo tarde para preservarmos o que de bom ainda temos...

Bacalhau a pataco

Minhas senhoras e meus senhores,
Não é um bacalhau, é um computador.
Não é Salazar, pois o homem já se finou há muitos anos.
É o nosso primeiro-ministro, acompanhado pelo Governo em peso.
O bicharoco chama-se Magalhães e distribuem-no a pataco pelas escolas.
Em cerimónias pomposas e com a devida cobertura dos media.
E ainda dizem que a história não se repete...

Crise financeira: Actuar para acalmar, mas também para… prevenir

No post anterior defendi que a intervenção que as autoridades americanas têm tido ao longo dos últimos meses no sistema financeiro no sentido de minorar os efeitos da crise do subprime me tem parecido acertada e reveladora de grande bom senso.

No entanto, ela deve, em minha opinião, ser – obviamente!... – complementada com uma actuação responsabilizadora e penalizadora que garanta que a situação que deu origem à actual crise tenha, no futuro, fraquíssimas probabilidades de voltar a acontecer.

E, entre estas, destaco, por exemplo, a designação de novas equipas executivas em casos que são bem conhecidos (com as injecções de capital efectuadas, o Fed – banco central dos EUA – tornou-se accionista maioritário das já mencionadas AIG, Fannie Mae, Freddie Mac e Indymac Bank), bem como a sua responsabilização. Creio que poderia ser considerado no mínimo estranho que quem teve responsabilidades objectivas no descalabro financeiro daquelas companhias (executivos, auditores e agências de rating, por exemplo) pudesse continuar em funções como se nada tivesse sucedido… ou nem sequer ser responsabilizado e penalizado. Afinal, o dinheiro que está a ser injectado é público – logo, pago … pelos contribuintes norte-americanos!...

Ao mesmo tempo, parece-me evidente que têm que ser reforçados os poderes de regulação e de supervisão. Um dos maiores rumores que corre actualmente em Wall Street diz respeito aos resultados do agora falido banco de investimento Lehman Brothers, que supostamente já seriam negativos desde 2006 – e não, como a companhia reportou, apenas na segunda metade de 2007… Uma situação que, a confirmar-se, nos traz à memória o sucedido na Enron ou na Worldcom – e que, além de responsabilizar as administrações das empresas, os auditores e agências de rating (que, evidentemente, nunca poderiam ter deixado passar “maquilhagens” de resultados) compromete igualmente… os supervisores e reguladores, que também ficam muito mal na fotografia. É, pois, essencial aprofundar a supervisão e a regulação. A proibição, para já apenas temporária, das práticas de short selling, quer normal quer abusivo (o chamado naked short selling)[*] de títulos relativos ao sector financeiro, quer nos EUA, quer em vários países europeus (entre os quais Portugal, Alemanha e Reino Unido) ou ainda na Austrália, é uma medida acertada – mas espero bem que se possa ir mais longe.

É indispensável perceber que na origem da actual situação estiveram quer

(i) um fracasso do mercado (em resultado da avareza generalizada do sector financeiro devido, em boa parte, à pressão anual para a obtenção de resultados record); quer

(ii) um fracasso total da supervisão e da regulação.

Logo, a “culpa” deve ser repartida quer pelo mercado quer pelo regulador: o primeiro, pelo excesso; o segundo, por… ter permitido esse excesso. Foi uma embriaguez sem precedentes que conduziu à violenta ressaca que estamos a viver – e que leva a que seja ainda cedo (provavelmente, muito cedo…) para se saber como vai acabar (e quais as reais consequências sobre a economia).

Urge, assim, não só acalmar os mercados mas, de igual forma, agir para minimizar a probabilidade que situações como a que estamos a viver voltem a ter lugar. Doa a quem doer. De outro modo, a actuação de emergência, do meu ponto de vista acertada, que as autoridades americanas têm vindo a desenvolver, de pouco terá servido.

Nota:
[i] O short selling é uma prática que consiste em vender acções a descoberto (pedidas por empréstimo), apostando na sua queda e numa compra a valores (significativamente) mais baixos; no short selling abusivo (naked short selling) o investidor não possui as acções que pretende vender nem por empréstimo.

Este post é uma versão abreviada do artigo publicado hoje, Setembro 23, 2008, no Jornal de Negócios.

Uma lástima, a economia...nem com a crise aprendemos!

Ontem divulgados, os dados provisórios das contas com o exterior até Julho mostram claramente que o principal desequilíbrio da economia portuguesa não só não se resolve como continua a agravar-se...
Com efeito, no período de Janeiro a Julho de 2008, o défice corrente com o exterior aumentou quase 40% sobre período homólogo de 2007.
Com a contribuição dos capitais da EU, o ritmo do agravamento "reduz-se" para 34%...
Temos pois que o endividamento externo da economia portuguesa está imparável...
Com a actividade praticamente estagnada, um agravamento destes significa que deixou praticamente de existir possibilidade de solução para esta espiral de endividamento.
Vamos endividar-nos indefinidamente até que os mercados nos tapem a boca?...
Continuamos apostados em afectar mais e mais recursos aos “sectores protegidos” da economia – (i) Estado - Administração Central e suas Empresas nos mais diferentes sectores desde os transportes à saúde, (ii) Estado – Administração Local e suas centenas (milhares?) de empresas, desde o saneamento básico até ao lazer, (iii) Estado – Administrações Regionais e suas muitas empresas desde os transportes até ao saneamento básico, (iv) sectores monopolistas ou oligopolistas.
O famoso Programão – cujo anunciado infanticídio, a confirmar-se, seria uma benesse – é um bom exemplo de uma política económica cujo insucesso é assustador.
É nestes sectores protegidos, em que a produtividade é tema menor ou inexistente, que a parte de leão dos escassíssimos recursos disponíveis continua a ser aplicada, recursos que ou geram mais dívida (sobretudo) ou são retirados via fiscal das empresas que operam nos sectores expostos à concorrência doméstica e internacional e que, como se compreende, vão tendo crescente dificuldade em suportar a concorrência.
E depois queixamo-nos de que a produtividade da economia portuguesa não melhora e que sem essa melhoria não conseguimos corrigir este imparável desequilíbrio externo...
Com cinismo freudiano, apelida-se o desequilíbrio de “insustentável” e proclama-se a necessidade de o “reduzir”...
Seria bem mais sincero dizer que os desequilíbrios são insustentáveis - de acordo - e que por isso se estão tomando medidas para os agravar...
Curiosamente este tema está praticamente ausente do debate público...as culpas e as desculpas de todos os males vão agora para a crise financeira internacional e mais concretamente para os USA/Bush, transformados em perversos autores dos problemas que somos incapazes de solver...
Quando, manda a verdade dizer, entre a chamada crise financeira, com epicentro em Wall Street, e os nossos problemas, não existe qualquer nexo de causalidade...
Acontece que essa crise vem por a nu, com maior evidência, os equívocos fundamentais da política económica que teimamos em prosseguir...
Se fossemos capazes de entender os sinais da crise, até poderiamos aproveita-la a nosso favor, mudando as opções...mas não, tudo indica que a vamos usar somente como "excuse" das nossas próprias incapacidades e erros.

Poluição

A poluição constitui, desde há muito tempo, um dos principais problemas que tem afligido a humanidade. Presentemente, a situação agrava-se a olhos vistos. Todos os esforços para conseguir que determinadas substâncias não ultrapassem determinados valores de “segurança” começam a revelar que são insuficientes, para não falar de actividades criminosas ligadas à produção de determinados produtos.
As crianças que nascem nos dias actuais comportam à nascença mais de uma centena e meia de compostos, muitos deles perigosos, tradutores de uma verdadeira “poluição uterina”. Ainda não viram a luz do Sol e já estão a sofrer os efeitos dos que já cá andam! A culpa não é das mães, naturalmente, já que adoptam as devidas medidas para alimentar e proteger os seus rebentos. A culpa é do que respiram e do que comem.
Muita da investigação que tem sido feita aponta para os riscos que correm as crianças expostas durante as fases mais críticas do seu desenvolvimento. Recentemente, foi demonstrada uma associação entre a “poluição uterina” por compostos organoclorados e um risco acrescido de excesso de peso em crianças, depois de controlados todos os outros factores que lhe estão associados, nomeadamente alimentares e socioeconómicos. Mesmo nos adultos, o risco de sofrer diabetes aumenta quando ocorre exposição aos denominados POPs (poluentes orgânicos persistentes), também conhecidos pelos “doze malditos” e que foram objecto da Convenção de Estocolmo. É muito curioso este achado, porque sendo a diabetes do adulto uma consequência de inadaptação biológica de um organismo face à abundância e sedentarismo, mas que foi indispensável para a sobrevivência da espécie humana nos longos períodos de carência, venha agora demonstrar, mais uma vez, que muitos de nós não estão “preparados” para viver neste estranho e poluente mundo. Assim, os que são diabéticos e os que se preparam para o ser – e são tantos, meu Deus! – têm de se preocupar não só com os seus hábitos alimentares e exercício, mas também com a exposição a poluentes que andam por aí e cujas fontes são as mais variadas, muitas das quais são “menosprezadas” ou “desvalorizadas” por responsáveis políticos e económicos. Mas não chega. Temos que ir mais longe, à barriga da mãe, não para que estes últimos possam mudar de ideias, mas para evitarmos que crianças inocentes sejam vítimas de algo para o qual nunca contribuíram. E a este propósito o que se está a passar na China é paradigmático da violação dos direitos dos seres humanos. Um crime de lesa-majestade, fruto de falta de escrúpulos, de interesses económicos mas também da ausência de vigilância adequada por parte das autoridades, colocando as crianças e os pais numa situação delicada e angustiante. Para quem fez e construiu os últimos Jogos Olímpicos, para quem é tão eficiente em calar e cercear a liberdade das pessoas, melhor fora que protegesse os seus cidadãos e sobretudo as crianças.

Por caminhos da Trácia-O cirílico como "produto" de marketing da fé ortodoxa

Como é sabido, a Bulgária utiliza o alfabeto cirílico, que data do século IX e é atribuído, por uns, aos dois irmãos búlgaros, Cirilo e Metódio, por outros, ao seu discípulo Clemente de Orhid.
O que eu não sabia, e fiquei a saber na Bulgária, era que a criação de tal alfabeto se devia a uma razão religiosa. A criação do Império Romano do Ocidente e do Oriente tinha dado a um maior exarcebamento e tensão entre as igrejas católicas de cada um dos lados do império, tensões essas que atingiram divergências mais profundas na época de Cirilo e Metódio.
Cirilo e Método eram monges da religião cristã que se revia nas posições teológicas do bispo e patriarca de Constatinopla, e estavam empenhados na difusão da sua doutrina. Os Búlgaros eram um povo eslavo e o alfabeto latino ou o grego não incluíam de forma suficiente todos os vários e diversos sons da pronúncia dos povos eslavos. Assim, Cirilo e Metódio lembraram-se de criar um alfabeto que traduzisse esses sons na linguagem escrita, como forma de melhor fazer chegar a mensagem religiosa. Para ir de encontro às características próprias do idioma falado, o cirílico continha inicialmente 43 letras, combinações de caracteres latinos, gregos e hebraicos, tendo actualmente uma versão mais simplificada de 30 letras, na Bulgária, ou de 33 letras, na Ucrânia.
A interacção do albabeto cirílico com a religião ortodoxa foi um completo êxito, que se pode medir pelo facto de a imensa maioria dos povos eslavos que a professam terem adoptado o cirílico como alfabeto. A Roménia é o único povo de religião maioritária ortodoxa que adoptou o albafeto latino, por razões muito peculiares e específicas.
Pelo seu "produto" bem sucedido em termos de evangelização, Cirilo e Metódio foram justamente canonizados pela Igreja ortodoxa, canonização essa também reconhecida pela Igreja Católica.
A inovação num alfabeto que trouxe milhões e milhões de "consumidores"!...

Na terra do tango, no rasto dos portugueses

Por aqui os jornais relatam em tons muito dramáticos a crise financeira mas a presidenta Cristina foi a Cimeira de Nova York garantir que a Argentina está em boas condicoes para resistir á crise e que os investimentos encontrarao aqui um porto seguro. Embora com muitas reticencias, aguardam-se os resultados com alguma ilusao.
Buenos Aires é uma cidade que nasceu a sonhar grande, com olhos em Paris mas a querer ser ainda maior, com avenidas largas e prédios elegantes. Depois quis ser aristocrata e copiou alguns bairros ingleses, para logo se medir com os arranha céus americanos e a arquitectura moderna com espelhos, vidros e linhas depuradas. Pelo meio perdeu-se, algures, e os estilos misturam-se com prédios e bairros modestos, com ruelas estreitas e com muitos sinais de um progresso e riquezas esgotados. Os passeios estao quase intransitáveis, quer porque as lages estao todas partidas quer porque o novo presidente da Camara foi eleito pela promessa de os mandar arranjar todos até ao fim do ano, de modo que há obras de pavimento por todos os lados. Mas é uma cidade irresistível na sua simpatia, na exuberancia de gentes, comércio e transito, no caos do parque automóvel, que com frequencia nos leva aos anos 50 ou 60.
Hoje fomos a Colónia do Sacramento, na orla do Uruguai, separado de Buenos Aires pelo Mar da Prata, onde o rio de la Plata tem mais de 40km de largo, 1 hora no barco rápido.
Colónia foi descoberta pelo portugues manuel lobo, no séc. XVI, que daí organizou um ponto de contrabando intenso, só destronado pelos espanhóis dois seculs mais tarde. Era pouco mais que um forte e duas ou tres casas senhoriais e assim ficou, ainda que seja património mundial. Lembra um pueblo espanhol esquecido no tempo, semi arruinado, semi povoado, a vida sonolenta virada para os turistas que atravessam o rio, vestígios do passado só mesmo uma casa térrea portuguesa, recuperada com o apoio da Fundacao Gulbenkian, onde uma pressurosa funcionaria local mostra as duas divisoes minúsculas e uma cozinha de pedra.
De regresso deste dia de calma e passeio, ainda houve tempo para ir ao cafe Tortoni, um dos inúmeros cafés com história aqui em Buenos Aires. Este era o café dos intelectuais e dos escritores, J. L. Borges, claro, mas muitos outros, que se sentam, agora em estátua, a volta da sua mesa do costume. A noite há sessoes de tango, música e danca numa salinha apinhada, é assim há décadas, e é assim que os portenhos conservam viva esta paixao. Ficamos fas, claro, amanha já vamos a outro café assistir a novo espectáculo, hoje partilhámos a mesa com um casal de colombianos mas os nativos sao quem dá alma a estes locais.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Abençoado “Socialismo” Americano?...

Encontramo-nos a atravessar a pior crise financeira desde a que precipitou a Grande Depressão de 1929-33.

Até agora, as perdas acumuladas já reconhecidas por instituições financeiras desde o início das más notícias, em Julho de 2007, ultrapassam USD 500 mil milhões (quase duas vezes e meia a dimensão da economia portuguesa…), sendo repartidas na sua esmagadora maioria entre EUA (50%) e Europa (45%); ao mesmo tempo, um bear market parece ter-se instalado e a desconfiança é generalizada.

E, em minha opinião, a situação só não é mais negra devido à intervenção das autoridades americanas em todo este processo, que qualifico como surpreendente – mas também bastante positiva, como explicarei nos parágrafos que se seguem.

Desde logo, a política monetária tem sido amplamente expansionista, ao contrário do sucedido na crise financeira que originaria a Grande Depressão: as taxas de juro começaram a ser descidas logo em Agosto de 2007 e a liquidez injectada nos mercados (em operações concertadas com outros bancos centrais do mundo) tem sido abundante. Talvez este facto seja determinante para ajudar a explicar por que, mais de um ano depois do eclodir da crise, os efeitos na economia, apesar de existirem, serem ainda limitados, quer ao nível do crescimento económico, quer do desemprego – ainda que a tendência, face ao tsunami financeiro que se tem vivido, seja de deterioração.

Ao mesmo tempo, esta actuação do banco central dos EUA (o Fed) foi complementada com a aprovação, em tempo record, por parte do Congresso, de um pacote fiscal que veio aliviar as contas das famílias.

Nada de surpreendente até aqui – para além de decisões que, a meu ver, foram acertadas. Sucede que a actuação das autoridades americanas haveria de ir muito, mas mesmo muito além do acima descrito e do que é convencional assistir-se. De tal forma que, ironicamente, haveria de ser na pátria do capitalismo e da economia de mercado por excelência que a crise do subprime haveria de levar a auxílios financeiros sem precedentes concedidos pelo Governo e mesmo a verdadeiras “nacionalizações”... Entre outros, destaco:

· A compra do Bear Sterns (o quinto maior banco de investimento norte-americano) pelo JP Morgan Chase & Co em Março último, com a assunção de USD 30 mil milhões de dívidas do primeiro por parte do Fed, no caso de os títulos em questão (investidos no mercado imobiliário) entrarem em incumprimento – operação que evitou a falência do primeiro;

· A aquisição (“nacionalização”), em Julho, do Indymac Bank, a terceira maior instituição financeira dos EUA especializada em crédito hipotecário;

· A concessão, em Julho, de uma linha de crédito ilimitada às duas gigantes de garantias hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac, instituições privadas mas “patrocinadas” pelo Governo (conhecidas pelo acrónimo GSE, Government Sponsored Entities) e que, em conjunto, são responsáveis por quase metade do mercado hipotecário dos EUA;

· A “nacionalização” destas duas instituições já em Setembro, na sequência da insuficiência da medida decidida em Julho, e com o intuito de devolver confiança aos mercados e investidores;

· A “nacionalização”, também em Setembro, do American International Group (AIG), uma das maiores seguradoras mundiais.

Ora, como é evidente, esta intervenção das autoridades americanas, para a qual já foram necessários mais de USD 900 mil milhões – cerca de 4 vezes o valor do PIB português (!) e para o que já foi preciso recorrer a novas emissões de Bilhetes do Tesouro americano –, sucedeu porque era expressamente proibido deixar falir qualquer uma destas instituições: no caso das instituições hipotecárias, as consequências económicas, sociais e também políticas nos EUA seriam devastadoras (o que não aconteceria com a falência do banco de investimento Lehman Brothers que, assim, foi deixado cair); no caso da AIG, estamos a falar de uma multinacional presente em todos os continentes e numa esmagadora maioria de países (incluindo, como se sabe, Portugal) – pelo que uma eventual falência teria um efeito dominó de proporções globais verdadeiramente incalculáveis.

Ora, se mesmo assim a situação é a que todos conhecemos, imagine-se o que seria se esta intervenção não tivesse tido lugar?!...

Apesar de as consequências da crise continuarem amplamente por determinar e de o pior poder ainda não ter passado, não é caso, para já, para abençoarmos este “socialismo” – perdão, bom senso – americano?...

Nota: Este texto foi publicado em Setembro 20, 2008, no caderno Confidencial do jornal Sol.

Está tudo louco!

As estruturas associativas e sindicais dos magistrados apressam-se a explicar que o senhor juiz que determinou a prisão de Paulo Pedroso está livre de um processo visando o pagamento ao Estado daquilo que o Estado for condenado a indemnizar. Dizem que a actual lei não é retroactiva e por isso não alcança o senhor juiz. Não discuto a bondade jurídica do argumento. Mas espanto-me (ainda me espanto...) que se venha aditar, como leio no DN, que "se o dolo é fácil de definir, porque está tipificado, o mesmo não acontece com a culpa grave".
Será que a "culpa grave" só é difcil de provar quando a imputação de culpa é feita a um juiz e não quando todos os dias é feita pelos juizes?
Definitivamente, ou se perdeu a vergonha ou está tudo louco...

Primavera em Buenos Aires

Aqui em Buenos Aires o primeiro dia da Primavera é festejado como se fosse um dia nacional.
Os portenhos saem para a rua aos milhares e enchem os parques e as ruas da cidade. As zonas verdes sao invadidas por hordas de jovens, acho que já nao me lembrava de ver tanta gente nova ao mesmo tempo!, andam de bicicleta, jogam futebol ou ficam a conversar em grandes grupos, por todo o lado se arma uma banquinha de música e tocam viola, jazz, jambé, na falta disso poem uns altifalantes aos altos gritos com música pop e o ambiente é pouco menos que ensurdecedor.
Logo pela manha comecam a instalar-se ao longo dos passeios dos parques as roulotes de "parrilladas", uns prodigios de antiguidade que parecem amparar-se nas dezenas de sacas de carvao para assar os nacos de carne suculenta. Em breve a fumarada enche os ares de um nevoeiro espesso que cheira a grelhados a léguas de distancia, mas ninguem parece importar-se, formam-se longas filas de clientes para os grelhados e sumos, armam-se cadeiras nos passeios e ali ficam a fazer o seu pic nic, no meio do fumo, das correrias dos miudos e dos pombos.
Se as zonas dos parques sao invadidas pelos jovens, as ruas dos bairros enchem-se de feiras ao ar livre, parece que toda a gente descobriu que tem alguma coisa para vender porque ve-se mesmo de tudo. Antiguidades, velharias, artesanato, arte, roupa, peles, ruas e ruas sem fim ocupadas com as tendas misturando-se com as esplanadas apinhadas de gente e quase se confundindo com as lojas, abertas todo o dia de primavera. A animacao de música é permanente e é fácil encontrar grupos que tocam e dancam tango e que animam pares de todas as idades a dar o seu pezinho de danca.
Já ia a tarde a meio quando chegámos a enorme av. 9 de Julho, que atravessa o coracao da cidade com as suas vinte faixas de rodagem, sete centrais e as outras laterais, sempre caóticas de transito. As faixas centrais estavam cortadas ao transito e uma multidao compacta apinhava-se em frente a um palco enorme, onde actuava um grupo de tango. Um verdadeiro delírio, novos, velhos, pessoas de todas as classes sociais num entusismo total, as vezes em silencio emocionado, outras a aplaudir, por fim um par levantou-se e comecou a dancar tango no asfalto livre de carros, depois outro e outro, a rua a povoar-se de passos de danca, cada um com o seu estilo, concentrados nos passos ou a dancar com paixao, o espectaculo passou a ser nos dois lados, em cima do palco e ao longo da avenida. A festa durou mais de duas horas, ninguém arredoupe apesar do vento frio e da avenida tao desabrigada e ja chovia a serio quando a musica se calou e os pares se afastaram, contrariados, e se afastaram ainda a desenhar no caminho as piruetas do ritmo tangueiro.
Aqui a Primavera celebra-se como um dia nacional.
*os acentos sao o que se conseguiu arranjar...

Queimar os barcos

Conta a História Clássica que o Rei de Siracusa, Agátocles, empreendeu uma expedição marítima destinada a subjugar Cartago. Logo que desembarcou as tropas ordenou que queimassem os próprios navios. Marchou sobre Cartago e arrasou-a.
Porque mandou incendiar as embarcações? Fê-lo para não ceder à tentação de, à primeira dificuldade, optar pela retirada. Sem os navios, seria impossível recuar.
O episódio vem a propósito do momento político. O comportamento de partidos políticos e seus dirigentes pouco tem que ver com ideologias, projectos de sociedade ou soluções para os graves problemas que o País enfrenta. Reina o calculismo, escrutinado em crónicas semanais de especialistas em avaliar tácticas e manobras, que não hesitam em dar hoje por bom o que ontem se diabolizava. Ou julgar natural, e até aconselhar, que se negue menos vezes que S. Pedro o fez em relação a Cristo, aquilo que antes se jurou a pés juntos cumprir.
Podem escrever os livros que quiserem sobre a ética na política, que enquanto não houver coragem para queimar os barcos, jamais se reabilitarão partidos, dirigentes e instituições aos olhos da grande maioria dos cidadãos.

domingo, 21 de setembro de 2008

Um tiro no pé!...

Diz hoje o DN: “os deputados sociais-democratas Helena Lopes da Costa e Miguel Almeida, constituídos arguidos por suspeita de irregularidades na atribuição de casas municipais em Lisboa, consideraram que tanto a existência deste caso como a sua divulgação pública "só pode ter a ver com o receio" de que Santana Lopes venha a ser de novo candidato à Câmara Municipal de Lisboa”.
Dois deputados foram considerados arguidos. Não sei se com razão ou sem ela, ver-se-à a seu tempo.
Têm todo o direito, e até o dever, de se defender. Com argumentação sólida e inteligente. Explicando o que se passou, justificando a atitude tomada. Impugnando ou dando aos factos o seu devido enquadramento.
As pessoas perceberiam e julgariam da rectidão das intenções.
O tipo de argumentação utilizada, se é normal nas discussões parlamentares, não deveria servir como arma em questões jurídicas e legais.
E é dessas que se trata!...

O óptimo é inimigo do bom...

Passei a semana que agora terminou no estrangeiro. Tendo regressado na sexta-feira só hoje me foi possível colocar as leituras em dia. Estive a ler diversa documentação, incluindo jornais, com uma breve navegação pela Internet.
Chamou-me a atenção a aprovação da alteração à lei eleitoral que põe fim ao voto dos emigrantes por correspondência para as eleições legislativas e europeias. Quer isto dizer que os portugueses que vivem no estrangeiro se quiserem votar terão que o fazer presencialmente. Este procedimento já se encontra estabelecido para a eleição presidencial.
À partida poderá fazer sentido que o procedimento do voto presencial seja o mesmo para os três actos eleitorais. A alteração da lei proposta pela maioria socialista foi feita segundo li em nome da “verdade eleitoral” e pelo facto de o voto por correspondência “ser potencialmente permeável à fraude”. Sem dúvida que o voto electrónico é mais moderno e mais seguro que o voto por correspondência!
Mas uma decisão política que mexe com direitos fundamentais não deveria contudo deixar de ponderar o risco de redução do seu exercício. Neste caso parece existir o risco de aumento de abstenção – em 2005 votaram apenas 37.700 dos 148.000 emigrante inscritos nos cadernos eleitorais, ou seja, registou-se uma taxa de abstenção de 75% – induzido pelas dificuldades e em muitos casos impossibilidade de os emigrantes se deslocarem à mesa de voto. Se assim for, estaremos perante uma restrição à participação dos emigrantes nos actos eleitorais. Será razoável que um emigrante tenha que se deslocar 200, 300 ou 400 km para ir votar presencialmente? Que medidas foram tomadas ou serão tomadas para disponibilizar aos emigrantes condições normais para exercerem o direito de voto? Será que o voto electrónico já estará finalmente à sua disposição nas eleições de 2009?
Na falta de alternativas credíveis que resolvam as dificuldades objectivas de votar presencialmente, atentas as grandes distâncias a percorrer entre a residência e a mesa de voto, será que o argumento da "fraude" justifica a alteração introduzida?
Os portugueses emigrantes merecem-nos o maior respeito. Estes portugueses obrigados na sua maioria a emigrar porque o País não foi (e não é) capaz de lhes proporcionar oportunidades dignas de vida, obrigados a largar as suas terras, casas, famílias e amigos, defrontando sacrifícios e dificuldades que nunca seremos capazes de verdadeiramente avaliar, são os mesmos portugueses que sempre nos habituaram com as suas remessas financeiras tantas vezes indispensáveis para equilibrar as contas públicas e são os mesmos portugueses que embora à distância ainda vão animando alguma vida em regiões esquecidas do interior. Ficam certamente muitas outras considerações positivas por fazer, mas creio que estas são suficientes para nos questionarmos sobre a justeza e até oportunidade desta alteração da lei eleitoral...

“Momento da Verdade”...

Na sequência das ondas de terrorismo e violência, certos responsáveis viram-se para as tecnologias com o objectivo de detectar o mais precocemente possível os atentados e avaliar se determinado sujeito é ou não capaz de provocar uma acto condenável.
Sondar o cérebro de uma pessoa e “ver” se revela sinais suspeitos de um determinado crime é uma atitude dita orwelliana que parece ir “pegar”.
Em matéria de entretenimento é uma vergonha certos programas que exploram o mais íntimo das pessoas “obrigando-as” a actos vexatórios mas apetitosos para os voyeuristas e lucrativos para os promotores que vêem assim aumentar as audiências e a maçaroca! Dizem que ninguém é obrigado a tal. Pois não! Mas fazem-no, contribuindo para fenómenos degradantes que irão ter repercussões noutras áreas. É o caso do concurso “O Momento da Verdade”, mais uma triste originalidade importada.
Sondar o cérebro e ver como se comporta face a certas perguntas está ao nosso alcance, servindo para que possamos conhecer melhor o seu funcionamento, mas que pode ser utilizado para outros fins. Não tarda e ainda vamos ver um concurso televisivo recorrendo às novas potencialidades de ver o cérebro em funcionamento. Seria interessante ver, também, na altura, como funcionam os cérebros dos apresentadores!
Imaginem, agora, um juiz recorrer a determinados sistemas funcionais de estudo do cérebro para saber se uma pessoa cometeu ou não um crime. Tolice? Talvez. Mas já está a acontecer. Em Junho deste ano, um juiz indiano utilizou esta técnica - BEOS (The Brain Electrical Oscillations Signature), criado por um neurocientista indiano -, com base na qual sentenciou uma suspeita de assassínio a prisão perpétua.
As reacções a este comportamento foram violentas indo da incredulidade até a epítetos de estupidez. O que é certo é que alguns países, caso de Israel e de Singapura, começam a estar interessados nestas técnicas.
Alguns autores defendem esta metodologia dizendo que os testes são altamente reprodutíveis.
No Estado Indiano de Maharastra, cerca de 75 pessoas suspeitas de crime e testemunhas já se submeteram a esta técnica desde 2006, mas só agora é que foi utilizada para condenar Aditi Sharma acusada de matar o seu noivo com arsénico. A jovem, de 24 anos, aceitou submeter-se ao teste, talvez, para não ser sujeita a métodos mais primitivos e dolorosos! A senhora afirma que está inocente.
A adopção destas técnicas levanta problemas éticos muito graves. Mas também nos pode por a imaginar o que aconteceria se ligassem a cabeça de um ministro, de um PM, de um candidato a PM, de um banqueiro ou do Chico da esquina no decurso de uma entrevista ou mesmo dos senhores deputados durante um debate parlamentar. Uma chatice! Só Momentos da Verdade! Às tantas as mentiritas começariam a fazer muita falta...

Ainda me conseguem surpreender!


"O projecto de resolução política para o XVIII Congresso do PCP foi hoje aprovado por unanimidade no Comité Central do partido" (despacho da Lusa)

sábado, 20 de setembro de 2008

“Beleza e dor”..


Uma das principais características dos seres humanos prende-se com o seu sentido artístico. Ao recuarmos no tempo podemos verificar que fazer arte e a procura do belo estiveram sempre presentes mesmo nos antepassados mais primitivos. Esculturas e pinturas pré-históricas são testemunhas desta afirmação. Muitas delas apresentam uma curiosa estilização que, mesmo não tendo representação real, são capazes de estimular os nossos “centros estéticos”, cuja existência ninguém questiona, sendo susceptíveis de desenvolvimento através da aprendizagem.
Não há área do conhecimento humano que não tenha o seu lado artístico. Importa, cada vez mais, que seja dada atenção à formação artística, não só pela criatividade que lhe está associada como também pelo prazer que nos pode dar. Sendo, naturalmente, seres hedonistas, procuramos desfrutar o belo e apreciar as diferentes formas de arte.
Fonte de prazer, registo de cultura, manifestação de criatividade, mar de tranquilidade, fogo de desejo, manifestação de liberdade, sinal de solidariedade e pão do espírito a arte é a expressão sublime da humanidade.
Todos já tivemos experiências e sensações agradáveis desencadeadas pela beleza de um acontecimento, de uma paisagem, de um quadro, de uma escultura, entre tantos outros. Quem diria que, a par da tranquilidade e felicidade, a arte pode ter propriedades analgésicas? Tudo aponta que sim. Num estudo recente, solicitou-se a várias pessoas que escolhessem, dentro de uma série de quadros, os que lhe agradavam mais e os que consideravam mais “feios”. Posteriormente, no momento da visualização dos mesmos, foram-lhes aplicados estímulos dolorosos de determinada intensidade. As respostas revelaram que quando se confrontavam com as obras que mais gostavam, a percepção da intensidade dolorosa era manifestamente inferior. Esta experiência revela, pela primeira vez, os efeitos “analgésicos” da beleza. Até ao momento, já era conhecido que a distracção tinha uma acção similar. Face a estes achados, é de equacionar a hipótese de utilizar no futuro técnicas que permitam estimular os “centros estéticos” dos nossos cérebros, os quais irão libertar substâncias com efeitos tranquilizadores e que podem ajudar a combater o sofrimento. Pode acontecer que um dia a arquitectura e o mobiliário das unidades de saúde venham a adoptar a arte como fonte inspiradora de beleza, ajudando deste modo a combater a dor do corpo e a dor da alma...

Promiscuidades, cumplicidades e receitas tardias

Não li a entrevista do Professor Correia de Campos dada ontem ao ´Público´em antecipação ao livro que escreveu sobre o seu mandato à frente do ministério da saúde. Dizem-me que denunciou a existência de consultores de farmacêuticas nas comissões que avaliam as comparticipações do Estado para cada medicamento. Para remediar esta situação, obviamente inaceitável, avançou agora com a proposta de entregar a responsabilidade da avaliação a estrangeiros.
Não sei se a denúncia do ex-ministro tem correspondência com a verdade. O Infarmed já a veio desmentir. Mas é estranho que alguém com o conhecimento de Correia de Campos possa fazer uma afirmação destas gratuitamente. Sendo fundada a denúncia, a pergunta surge então óbvia e imediata: não acreditando que o anterior ministro da saúde tenha obtido esse conhecimento depois de sair do governo, terá consciência que se é grave esta promiscuidade, a sua inacção constitui, pelo menos, cumplicidade?

Por caminhos da Dácia e da Trácia- O Mosteiro de Rila-VI




Trata-se do magnificente Mosteiro de Rila, Património da Humanidade, em Rila, 100 quilómetros a sul de Sófia.
Fundado no século X por S. Ivan de Rila, foi destruído pelo fogo em 1833, e reerguido pelos búlgaros, como modo de afirmação do seu orgulho nacional e da sua cultura perante os invasores otomanos.
Ivan de Rila, que viveu entre 880 e 946, era um jovem rico que resolveu tornar-se eremita para escapar ao que chamava de declínio moral da sociedade. Pelos vistos, este mal não é só de agora...com a diferença de que a vocação de eremita na altura era mais abundante...
Seja como for, Ivan tornou-se admirado não só pelo povo, como pelos próprios reis, de quem se tornou conselheiro. Como não saía do ermitério, o aconselhamento era dado através de cartas que escrevia ou dos mensageiros que lhe enviavam.
É considerado uma das grandes figuras da Bulgária e o Mosteiro de Rila uma obra prima da decoração ortodoxa, com frescos impressionantes e um esplendoroso altar-mor. Verdadeiramente impressionante.

Portugal está a morrer?

As estatísticas demográficas publicadas este mês pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) denunciam uma vez mais que a crise demográfica em Portugal se está a acentuar. O que mais será necessário registar para quebrar a apatia política e social perante esta crise?
A taxa de crescimento natural, que há muito manifesta uma tendência de redução, apresenta em 2007, pela primeira vez na história demográfica portuguesa recente, um valor negativo: ocorreram mais óbitos (103.512) do que nascimentos (102.492). Desde o início do século XX apenas em 1918 se registou um saldo negativo, associado à epidemia de gripe pneumónica que atingiu o país nesse ano.
Segundo o INE a população residente em Portugal tem vindo a denotar um continuado envelhecimento demográfico, como resultado do declínio da fecundidade e do aumento da longevidade. A diminuição da fecundidade é responsável pelo envelhecimento ao nível da base da pirâmide etária, situando-se o índice sintético de fecundidade em 1,33 crianças por mulher, em 2007, o valor mais baixo registado na demografia portuguesa. Por outro lado, verifica-se um aumento da longevidade, que contribui para um envelhecimento ao nível do topo da pirâmide etária. Em 2007 o índice de envelhecimento atingiu 114 idosos por cada 100 jovens.
O fenómeno do envelhecimento demográfico não é novo. Há muito que a estatística nacional e que estatísticas e estudos de instâncias europeias vêm chamando a atenção para as trajectórias inversas da curva da natalidade e da curva da longevidade. A primeira em movimento descendente e a segunda, pelo contrário, com sentido ascendente.
A quebra da natalidade veio com o desenvolvimento económico, induzida por alterações importantes no funcionamento das economias e na organização das sociedades e pela mudança de papéis na família e de comportamentos e de valores que marcam a vida das novas gerações. Se acrescentarmos a esta realidade as dificuldades económicas que estamos a atravessar em Portugal, compreendemos que as pessoas “cortem” em ter filhos. Estas são as más notícias! Suficientemente más para nos preocuparem numa perspectiva geracional, olhando o futuro.
Mas as boas notícias não estão ausentes. Com efeito o aumento da longevidade é uma conquista do desenvolvimento económico. Vivemos mais tempo. A longevidade significa cada vez mais anos com elevados níveis de autonomia, de capacidades, de potencialidades de realização pessoal e de intervenção na sociedade. A confiança e a segurança são factores decisivos para o equilíbrio das pessoas ao longo da vida.
Quanto à natalidade são muitas as vozes que entendem que não vale a pena a discussão alegando que a baixa fecundidade é o preço do desenvolvimento ou que não há nada a fazer porque mudaram as mentalidades. Outros dirão que se ficarmos de braços cruzados então é que nada acontece susceptível de inverter a situação, lembrando inclusive medidas tomadas por alguns governos europeus e os resultados obtidos.
Continua a faltar uma política de natalidade que terá que estar, a meu ver, muito virada para questões que se prendem com a repartição do tempo entre a família e o trabalho, com a articulação entre a maternidade e a carreira profissional, com as opções de escolha dos pais no tipo de acompanhamento a dar aos filhos nos primeiros anos de vida, com o acesso facilitado aos infantários e às escolas e aos cuidados de saúde (custos, localização, horários, fiscalidade, etc.) e com o acesso a novas formas de trabalho (organização, flexibilidade de horários, etc.).
Nesta discussão não podem estar ausentes as políticas de imigração, na medida em que haverá que assumir ou não a imigração como um fenómeno instrumental para a correcção da trajectória a médio e longo prazos da natalidade. Há neste domínio opções políticas importantes a fazer que implicam naturalmente pesar outros efeitos da imigração nos tecidos económico, social e cultural do País.
Falta também uma política de envelhecimento activo que se deverá preocupar em prevenir “guetos” sociais geracionais que dificultam o bem estar geracional e em encontrar combinações entre as vertentes familiar, profissional/laboral e lazer que possibilitem um melhor aproveitamento do capital humano e uma melhor redistribuição do esforço e do contributo de todas as gerações para a riqueza comum.
O envelhecimento demográfico lança desafios que vão muito para além dos complexos impactos na despesa do Estado com os sistemas de pensões e de cuidados de saúde ou na sustentabilidade da segurança social. Esta visão puramente matemática é muito curta. É necessária, mas não é suficiente. A dimensão humana e a "ideia" de País são muito mais importantes.
A necessidade de dispormos de políticas públicas estruturantes, imbuídas de visão estratégica e inter-geracionalmente consistentes é inegável, assim como é fundamental um debate sério e alargado na sociedade portuguesa sobre o envelhecimento demográfico, o que temos, para onde queremos ir e como queremos lá chegar. Portugal já está a morrer!

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Preços dos combustíveis: bom exemplo de "papa-açordismo"

Introduzi, no último POST editado, o conceito de política de “papa-açorda” ou “papa-açordismo”, significando com isso a tentativa de permanente controlo dos “media” em Portugal, a que se assiste, para nos convencer que vivemos num país em que não há problemas, em que tudo nos corre bem sem termos de nos preocupar com riscos ou ameaças, o Governo tudo faz e resolve por nossa conta...mesmo quando nada nos corre bem.
Essa política lança mão das mais inconcebíveis fantasias e práticas de manipulação da informação para criar um efeito de torpor informativo, que nos mantém num estado de semi-atordoamento propício a não entender verdadeiramente o que nos omitem da realidade...
Os recentes episódios sobre a controversa questão do preço dos combustíveis no consumidor oferecem um bom exemplo de toda esta “papa-açorda”. Vejamos.
A meio desta semana, o Ministro da Economia, no seu peculiar estilo de “comentador desportivo” (com a devida licença do Dr. Medina Carreira, autor da analogia), veio dizer, na televisão, qualquer coisa muito parecida com “...se os preços dos combustíveis não baixam é porque o mercado não funciona”...
Pergunta minha: mas isto é possível na boca de um ministro?
É porque o mercado não funciona?
Acaba aqui a questão?
O Governo não tem que verificar, antes de ser proferida tal afirmação, se o mercado funciona ou não, perante os protestos que, justificada ou injustificadamente, se têm levantado?
E se não funciona, não devia, antes de tudo,ter diligenciado para que a “Autoridade” supostamente competente no assunto tomasse urgentes providências?
Mas o mais curioso é que um conhecido comentador político, MBR - julgo que bastante sintonizado com o establishment – vem logo no dia seguinte fazer este juízo admirável, ao defender a postura do Ministro: “O poder da palavra pode ter um efeito muito positivo nestas situações... funciona como um factor de pressão”!
Lê-se ou ouve-se e pasma-se...a que nível de fantasia estamos chegando!
Então o poder da palavra é que resolve – tem efeito positivo - nestas situações?!
Tendo em conta que a tal palavra foi proferida na 4ª Feira, estamos no final da semana, qual foi o efeito positivo?
Que pressão foi efectivamente exercida sobre a rede de distribuição, que até respondeu, no dia seguinte, com um aumento de preços num dos produtos de maior consumo?
Sem entrar no âmago desta polémica sobre os preços, por não dispor de informação que me permita extrair conclusões fiáveis, pergunto apenas:
- Alguém se lembrou de verificar o que se tem passado com os preços de idênticos produtos na rede de distribuição em Espanha?
- Desceram mais ou na mesma medida que em Portugal?

Os berliques e os berloques


A nossa comunicação social, os pensadores oficiais, os comentadores profissionais e os articulistas convencionais, à falta de melhor assunto, passaram a andar excitadíssimos com a alegada “tensão entre Belém e S. Bento”, tensões essas que, nas “últimas semanas revelaram um aumento de hostilidade, sobretudo, da parte do Presidente da República”, como irá referir amanhã o Expresso. O jornal dá como exemplos da tese o veto à Lei do Divórcio e o veto ao Estatuto Político Administrativo dos Açores.
Da minha parte, só me congratulo com tal tensão. Um Presidente da República não é um “alter ego” do Governo. Se o fosse, a sua existência não teria a mínima justificação.
Se a Constituição criou o órgão, e nós o elegemos, o Presidente tem a obrigação de dar a conhecer a sua opinião (e os portugueses têm o direito de a exigir) sobre a governação do país.
Sem afrontamentos gratuitos e desnecessários, como os que Mário Soares, no seu tempo, promoveu.
Com esta Lei ou sem esta Lei do Divórcio, ou com este Estatuto Político Administrativo dos Açores ou sem ele, Portugal pode bem viver. Não são leis fundamentais, são meros ornamentos de uma certa ideologia e de um certo regionalismo.
Muito mal estaríamos nós se as máximas entidades deste país, Presidente da República e Primeiro-Ministro, pretendessem fazer uma guerra sobre berliques e berloques.
Ninguém os compreenderia.