Encontramo-nos a atravessar a pior crise financeira desde a que precipitou a Grande Depressão de 1929-33.
Até agora, as perdas acumuladas já reconhecidas por instituições financeiras desde o início das más notícias, em Julho de 2007, ultrapassam USD 500 mil milhões (quase duas vezes e meia a dimensão da economia portuguesa…), sendo repartidas na sua esmagadora maioria entre EUA (50%) e Europa (45%); ao mesmo tempo, um bear market parece ter-se instalado e a desconfiança é generalizada.
E, em minha opinião, a situação só não é mais negra devido à intervenção das autoridades americanas em todo este processo, que qualifico como surpreendente – mas também bastante positiva, como explicarei nos parágrafos que se seguem.
Desde logo, a política monetária tem sido amplamente expansionista, ao contrário do sucedido na crise financeira que originaria a Grande Depressão: as taxas de juro começaram a ser descidas logo em Agosto de 2007 e a liquidez injectada nos mercados (em operações concertadas com outros bancos centrais do mundo) tem sido abundante. Talvez este facto seja determinante para ajudar a explicar por que, mais de um ano depois do eclodir da crise, os efeitos na economia, apesar de existirem, serem ainda limitados, quer ao nível do crescimento económico, quer do desemprego – ainda que a tendência, face ao tsunami financeiro que se tem vivido, seja de deterioração.
Ao mesmo tempo, esta actuação do banco central dos EUA (o Fed) foi complementada com a aprovação, em tempo record, por parte do Congresso, de um pacote fiscal que veio aliviar as contas das famílias.
Nada de surpreendente até aqui – para além de decisões que, a meu ver, foram acertadas. Sucede que a actuação das autoridades americanas haveria de ir muito, mas mesmo muito além do acima descrito e do que é convencional assistir-se. De tal forma que, ironicamente, haveria de ser na pátria do capitalismo e da economia de mercado por excelência que a crise do subprime haveria de levar a auxílios financeiros sem precedentes concedidos pelo Governo e mesmo a verdadeiras “nacionalizações”... Entre outros, destaco:
· A compra do Bear Sterns (o quinto maior banco de investimento norte-americano) pelo JP Morgan Chase & Co em Março último, com a assunção de USD 30 mil milhões de dívidas do primeiro por parte do Fed, no caso de os títulos em questão (investidos no mercado imobiliário) entrarem em incumprimento – operação que evitou a falência do primeiro;
· A aquisição (“nacionalização”), em Julho, do Indymac Bank, a terceira maior instituição financeira dos EUA especializada em crédito hipotecário;
· A concessão, em Julho, de uma linha de crédito ilimitada às duas gigantes de garantias hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac, instituições privadas mas “patrocinadas” pelo Governo (conhecidas pelo acrónimo GSE, Government Sponsored Entities) e que, em conjunto, são responsáveis por quase metade do mercado hipotecário dos EUA;
· A “nacionalização” destas duas instituições já em Setembro, na sequência da insuficiência da medida decidida em Julho, e com o intuito de devolver confiança aos mercados e investidores;
· A “nacionalização”, também em Setembro, do American International Group (AIG), uma das maiores seguradoras mundiais.
Ora, como é evidente, esta intervenção das autoridades americanas, para a qual já foram necessários mais de USD 900 mil milhões – cerca de 4 vezes o valor do PIB português (!) e para o que já foi preciso recorrer a novas emissões de Bilhetes do Tesouro americano –, sucedeu porque era expressamente proibido deixar falir qualquer uma destas instituições: no caso das instituições hipotecárias, as consequências económicas, sociais e também políticas nos EUA seriam devastadoras (o que não aconteceria com a falência do banco de investimento Lehman Brothers que, assim, foi deixado cair); no caso da AIG, estamos a falar de uma multinacional presente em todos os continentes e numa esmagadora maioria de países (incluindo, como se sabe, Portugal) – pelo que uma eventual falência teria um efeito dominó de proporções globais verdadeiramente incalculáveis.
Ora, se mesmo assim a situação é a que todos conhecemos, imagine-se o que seria se esta intervenção não tivesse tido lugar?!...
Apesar de as consequências da crise continuarem amplamente por determinar e de o pior poder ainda não ter passado, não é caso, para já, para abençoarmos este “socialismo” – perdão, bom senso – americano?...
Nota: Este texto foi publicado em Setembro 20, 2008, no caderno Confidencial do jornal Sol.