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segunda-feira, 30 de julho de 2018

Uma roblusta estratégia win-win...

Com a demissão de Ricardo Robles ganhou a política séria e honesta. E a esquerda ganhou um empresário, sem dúvida o melhor dos mundos para um empresário.

domingo, 29 de julho de 2018

Um Bloco cheio de ética

Catarina Martins, defendendo o seu camarada do Bloco, o vereador do Bloco Ricardo Robles e não negando que o prédio deste esteve à venda durante vários meses, só não se realizando por falta de comprador, reafirmou que "não houve especulação imobiliária, porque o prédio não foi vendido...".
Bom, se um indivíduo, durante uma disputa, aponta uma pistola carregada ao adversário e carrega no gatilho, mas a pistola falha, não há má conduta, muito menos crime, porque o homem não morreu... 
A ética do Bloco em todo o seu esplendor!


"Morte e anjos"...

Comecei muito cedo a lidar com a morte. Tão cedo a ponto de não a levar a sério, ou melhor, como se fosse a coisa mais natural do mundo. E é. Na altura ficava triste quando conhecia as pessoas. Sabia que a morte as levava e que nunca mais iria vê-las. Achava injusto, porque gostava de as ouvir, sobretudo quando contavam histórias. Sou um apaixonado por histórias, ainda hoje me comporto como se fosse uma criança sedenta de ouvir narrativas, Morria um parente, um amigo, um conhecido e eu perdia a fonte de muitas histórias. Agora, que estou a escrever sobre a morte, perpassam-me pela mente flashes de muitas. Sobrepõem-se umas às outras com cor, com som, com risos, com lágrimas, com fantasias e com curiosidades de todas as formas e feitios. São as lembranças dos meus mortos, dos mais velhos, dos que me ensinaram. Também recordo outras mortes, como se fosse hoje, de meninos com a minha idade com os quais brinquei. Neste caso não são histórias, mas peças de teatro, reais, tão reais que levaram comigo parte de mim, ficando eu com a saudade, fragmentos das suas almas. Também convivi com a morte de quem não conhecia, gente sem história e sem nada, alguns respiraram poucos minutos ou horas e outros nem chegaram a saborear o ar que eu respirava. Não contaram histórias, mas eu conto-as em seu nome. Quando as levava à terra, para serem transformadas em anjos de Deus, ficava na dúvida sobre esta forma horrível de as matar assim que nasciam para O poderem servir. Ficava na dúvida sobre a Sua bondade. É verdade, recordo estes pensamentos quando via as pequenas caixas de cartão branco, ou urnas miniaturas, a serem lançadas na cova e ter de deitar, no final, dois ou três torrões de terra sagrada sobre eles. Olhava em redor. Desconfiados do que estaria a pensar, diziam-me: - São anjos que o Senhor escolheu para O servir. Ouvia e ficava num silêncio inquiridor e sofredor. Mas hoje, passado tanto tempo, digo o que sentia, uma enorme tristeza e um sentimento de injustiça que não se adequava ao que me apregoavam a propósito de Deus e suas virtudes. No regresso, com as mãos pintadas de terra, e enfiadas nos bolsos dos calções, punha em causa tudo o que ouvia. Sentia-me cúmplice de atos pouco justos. - Se Deus é tão poderoso e bondoso como dizem, então, porque não "fabricava" anjos de outra forma? Matar crianças à nascença não era correto. As mães que punham os seus filhos nas minhas mãos choravam. Eu vi e ouvi, mais do que uma vez.
Queria falar sobre a morte, essa constante da humanidade. Queria dissertar sobre o medo que encerra e a dor que provoca. Afinal não consegui, porque acabei de contar uma história sobre os que nunca tiveram nome, que mal saborearam o ar da Terra, e que foram condenados a terem de servir no exército do Senhor.
Olho para as mãos. Parece-me vê-las enfeitadas de terra avermelhada e quente...
Doem.

sábado, 28 de julho de 2018

UM PAÍS DE HIPOCRITAS

O caso do vereador Robles e dos seus naturais apetites por uma existência confortável à custa dos proveitos da promoção imobiliária só chama mais a atenção por que se trata de alguém com responsabilidades no Bloco de Esquerda, formação que se afirmou arvorando-se de uma superioridade moral contra todos os que não correspondem ao perfil do que julga ser a sua base social de apoio. Mas de Robles está a política nacional cheia. Ao longo da minha vida, quantas e quantos vi sairem da mediania a que estariam condenados pela ordem natural que o mérito impõe ou pela falta de aptidões e de conhecimentos, só porque souberam empunhar convenientes e oportunas bandeiras. Quantas e quantos conheci que, incapazes de apanhar outro elevador, ascenderam à custa da condenação dos que se esforçam por criar riqueza, primeira condição para a distribuir. Quantas e quantos, do CDS ao BE, fazem na vida o contrário do que apregoam nas tribunas, sabendo que está aí a garantia do seu pontual abono de família e de uma confortável pensão quando as circunstâncias os arredarem da vida pública. São poucos - ou são alguns, mas sem palco mediático - os que ousam apontar para a nudez do rei que desfila, os que se incomodam com um sistema dominado pela hipocrisia e capturado por hipócritas. Mas ainda são muitos os que confiam ou os que, com o seu voto, concedem o benefício da dúvida ao sistema partidário que temos, assente nesta ilusão de justiça e retidão, financiado por parte substancial dos rendimentos de quem tem mérito, de quem trabalha ou tem sucesso no que empreeende. Um País que tal consente é responsável pelo que tem. E merece-o.

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Um retrato da dita escola pública

Um dos Sindicatos dos Professores acusa de fraude o Ministério da Educação na avaliação de estudantes no 3º período, por  lhes ter sido atribuída de forma automática a nota do 2º período. 
O Ministério da Educação diz que isso terá acontecido porque "os docentes se recusaram a entregar as notas dos alunos...não possibilitaram o contacto, não atenderam o telefone, não foram à escola...". 
 Ora vejamos: 
1. Os professores fazem o mal e o sindicato a caramunha, acusando o governo por faltas que deveria atribuir em primeira mão aos professores. Assim a modos como aquele sujeito que matou os pais e depois pede clemência ao tribunal por ser órfão. 
2. O governo acha tudo normal, pois apenas diz que se limitou a aplicar a lei, sem uma palavra, já nem digo de crítica contundente, mas de reparo  à actuação dos professores, não vão os sindicatos aborrecerem-se. 
Para os sindicatos os professores são um fim em si mesmo, existem porque sim e em função de nada, a não ser deles próprios e o ministério, salvo alguns arrufos para manter as aparências, até concorda. E até vai aumentando o seu número, quando o número de alunos vai diminuindo.
Um retrato da escola pública em Portugal.
PS: Obviamente que uma enorme percentagem de professores são competentes, dedicados e cumpridores e vão sustentando a dita escola pública. O que só comprova a maldade do modelo em que estão inseridos. 

terça-feira, 24 de julho de 2018

"A minha andorinha"...



Faz agora dois anos que vivi com uma andorinha. Não consigo esquecê-la. Tenho imensas saudades. Ensinou-me muitas coisas. Bela, doce e amiga. Uma andorinha dourada que a par de outros animais sabem dar vida à vida, mesmo que morram nas minhas mãos...

Cá em casa temos alguma experiência e vivência com diferentes espécies animais. Periodicamente cai uma sem sabermos como. Nem sempre as coisas acabam bem. Mesmo assim deixam marcas e saudades. Relativamente à passarada já andou por aqui, noutros tempos, uma pobre andorinha das chaminés. Não sobreviveu. Foi há muitos anos. Na altura não tive possibilidade de estudar e saber qual a melhor forma de a cuidar. Ainda por cima tive de me ausentar. Recordo também um pequeno pardal meio louco que um dia, em pleno voo, entrou pela janela do carro e marrou no vidro oposto. Uma chatice dos diabos. Ficou inconsciente durante longos minutos. Quando recuperou não “fazia coisa com coisa”. Deve ter feito “traumatismo craniano”! Foi o meu diagnóstico. Durante alguns dias alimentámo-lo à nossa “maneira”. Pão, arroz, massa cozida e água. Ao fim de alguns dias “teve alta a pedido”. Piou alto, e em bom som, e foi à vida. Não sei se ficou maluco, mas pardais malucos é a coisa mais natural do mundo.
A outra foi uma pobre pomba depauperada que não conseguia levantar voo. Estava tão fraca que se deixou apanhar sem dizer um pio. - Deve estar doente. Disse a minha mulher. – Pois está! Com o bico partido como é que o animal pode comer. Começou a ser alimentada com cuidado. Ao fim de pouco tempo tinha recuperado totalmente. A gratidão do animal foi interessante. Como “sabia” que nunca podia alimentar-se por si própria, seguia-nos como um verdadeiro cachorrinho. Em cima do ombro, voando em nosso redor ou batendo as asas de felicidade ia para toda a parte. Gostava imenso de ir às compras com a minha mulher. Andou assim durante algum tempo até que um dia desapareceu. Não foi como o “sacanita” do pardal, que se pirou assim que se sentiu bem, mas deve ter sido apanhada por alguém. Os animais quando se afeiçoam aos seres humanos não conseguem distinguir quem lhes faz bem ou mal. Acreditam em todos. Mal.
Mas houve mais. O “Chiquito” era um pequeno coelho branco que veio para casa em pequeno. Foi oferecido à minha filha mais velha. Habituou-se ao ambiente caseiro e dormia na adega. Quando o chamávamos, “Chiquito”, “Chiquito”, subia as escadas numa correria louca e nunca fez uma curva, era tudo em ângulo reto, o que o levava a derrapar. Um doido varrido. Entrava na sala e punha-se ao meu lado deitado, muito sossegado, a ver televisão. “Adorava” ver desenhos animados! Até que um dia a minha sogra não achou piada às carpetes roídas. Foi parar a uma coelheira numa fazenda de pessoas amigas e mais tarde aos estômagos de apreciadoras de carne de coelho. Curiosamente tinham como apelido “Coelho”! Confesso que não consigo comer carne de coelho. Nem pensar.
Agora apareceu-me esta andorinha. Nunca pensei que sobrevivesse. Já passaram dez dias. Está linda, jeitosa, mimada e não me larga um instante. Adora dormir no meu ombro. Pede-me comida e água. Durante estes dias já me ensinou muitas coisas. Tantas que gostaria de as descrever. Há cuidados, emoções, sentimentos e formas de ver a vida que nunca pensei que um frágil animal conseguisse despertar. Há horas que está, como dizem os galegos, no meu “ombreiro”. Dorme, chilreia, é feliz e está confiante.

Propaganda, propaganda, só propaganda!

Perante a calamidade, natural seria que a decisão do governo, tomada há 4 dias, de enviar dois aviões para ajudar a combater os fogos na Suécia fosse imediatamente concretizada e os aviões já estivessem operacionais naquele país. Mas não, só vão conseguir levantar voo hoje, 4 dias depois. É que havia que arranjar tempo para que o 1º Ministro, Ministro da Administração Interna, Secretário de Estado da Protecção Civil, Directores da Protecção Civil viessem diariamente às rádios e televisões enaltecer esse enorme feito de disponibilizar dois aviões. Disponibilizar em Portugal, porque à Suécia provavelmente só chegarão quando os fogos estiverem extintos. 
Ah, e acabei de ouvir que o Ministro da Administração Interna está no aeroporto a despedir-se da tripulação. Não tarda estará de volta a recebê-la, com mais uma discursata de auto-louvor, travestido de solidariedade.
PS: Entretanto, também ouvi que uns tantos elementos da protecção civil acompanham a tripulação para coordenar os trabalhos, que isto de pôr no ar dois aviões é matéria assaz complexa ...  

domingo, 22 de julho de 2018

"Democracia"...


A democracia é considerada como a forma mais correta e digna de viver em sociedade. De facto, atendendo aos princípios que defende, é verdade. Verdade e desejável. Transmite confiança e coloca-nos todos no mesmo plano com os mesmos direitos e deveres. Teoricamente é a mensagem que passa. E na prática? Na prática não. Longe disso. Não temos os mesmos direitos e nem somos iguais perante a lei.
A política é o meio através da qual grupos com interesses e/ou ideologias tentam alcançar o poder e distribuir o "bem-bom" pelos seus correligionários. Dispenso comentários sobre o significado de "bem-bom".
Os seres humanos, como sempre aconteceu ao longo da evolução, e em estreito paralelo com outras espécies, querem mandar. Mandar é uma garantia de sobrevivência, e a sobrevivência faz-se na nossa espécie à custa de ideologias e interesses doutrinários. Os clãs existem, como sempre existiram, e são o melhor garante de sobrevivência do elemento do grupo. Matar para não ser morto, roubar para não ser roubado, dominar para não ser escravizado. Tudo isto e muito mais. Há os que doutrinam e os que não querem ser doutrinados. Há os que mandam e os que não querem ser mandados. Há os que têm força e os que querem também ter. Há os que têm uma ideologia e os que têm outra perfeitamente distinta. Não há possibilidade de consenso, e o respeito não é mais do que uma mera teatralidade. Matar para não ser morto, mesmo entre os elementos da mesma espécie, é uma regra ditada pela força evolutiva. A história, quer a recente, quer a mais remota, está enfermada de milhares de testemunhos.
A democracia tem o condão de deixar passar a ideia de liberdade e de igualdade. De facto, tem. Quanto à fraternidade é um mito, alimentado e desenvolvido por correntes doutrinárias ou religiosas, uma espécie de aparente boa vontade que consegue acalmar a raiva dos que sofrem, dos que são maltratados, humilhados e ofendidos em todos os setores da (h)umanidade. Tudo isto nas barbas da democracia!
A corrupção e o nepotismo sãos os braços direito e esquerdo das diferentes ideologias. Muitos, mas muitos, alimentam-se e sobrevivem à sua custa.
A imposição de princípios ideológicos/doutrinários/ religiosos tem esse objetivo, impor as ideias aos outros. Mas se os outros "aceitassem" seria uma "tragédia". Ficávamos todos em "pé de igualdade". O pior é que os recursos nunca chegariam para todos, logo, o melhor é contribuir para acirrar as diferenças. Quanto mais diferenças, melhor. Sendo assim, alimentá-las, o que não é nada difícil e complicado, é imperioso para que determinados grupos políticos assaltem o poder e provoquem raiva, desconfiança e mal-estar nos opositores.
Tudo isto faz-se nas barbas da democracia.
A democracia não é mais do que a mais bela das poesias transformada em negócios e assaltos ao poder para muitos poderem "sobreviver".
Não há volta a dar. Não vejo como. Talvez acredite na "democracia pura" dos cemitérios e dos crematórios, onde somos, "efetivamente" (uma blague a terminar este texto), verdadeiramente "iguais"!

"O Rogério"...


Faz hoje dois anos que conheci o Rogério. Desde esta cena já passei muitas vezes pelo mesmo local. Passo e recordo o Rogério. Nunca mais o vi. Tenho receio de que já não exista. O melhor é não perguntar. Passo pelo mesmo local e recordo a história de um dia de calor. Sou filho de histórias e quero ser pai e avô de histórias. Sim, sem histórias não sou ninguém...

Aproveitei o dia livre para o encher de prazer e de emoção. Basta-me andar ao “deus-dará” para tropeçar com pequenos episódios, acontecimentos e fazer belas descobertas. Cada vez gosto mais de andar ao sabor do vento do tempo. Eu também me transformarei um dia nesse vento.

Depois de termos almoçado, bem, demos um pequeno passeio pela localidade. O sol estava no seu pique. Gente nem vê-la. O calor apertava e de que maneira. Procurávamos incessantemente a sombra quando, de repente, surgiu uma figura surpreendente. Um velho, mirrado pelos anos, com uma das mãos, a esquerda, a apertar simultaneamente a camisola e as calças (ou pijama), como a querer evitar que lhes caísse aos tornozelos, caminhava à pato e a pequenos e instáveis passos. – Valha-me Deus! De onde terá surgido aquela figura? Disse para a minha mulher. – Fugiu de algum sítio. Só pode. Pela forma como caminha, e atendendo à idade, aquela cabeça está toda baralhada. Vamos. Vamos perguntar-lhe o que é que ele anda a fazer. Avançámos meia dúzia de metros e interpelei-o. – Bom tarde, bom senhor. Boa tarde. À segunda saudação parou e olhou-me. – Como é que se chama? Tive de repetir mais duas vezes. Deu-me a sensação de que estaria a processar a resposta a uma pergunta que deve ter ouvido várias vezes ao longo da vida. – Rogério. Rogério. – Ó senhor Rogério, o que anda a fazer com este sol? – Bjjjj. Bjjj. Bjjj. Fugi de casa. – O quê? Fugiu de casa? Mas o senhor sabe o que fez? Com quem é que vive? Sem perceber, voltou a sorrir e a lançar os seu “bjjjjs”. – Mas sabe ir até à sua casa? – Sei. – Ai sabe? Onde é que mora? – Ali. – Ali onde? – Ali. E apontava o local. Disse para a minha mulher: - Isto vai ser complicado. Como a conheço bem, vi logo que se ia meter com o Rogério. Pôs-se a falar com ele e, claro, não tardou a vê-lo todo sorridente e a dançar. Levantou os braços, começou a agitar os dedos ao mesmo tempo que levantava o rabiosque acompanhado da tentativa de se elevar do chão. – Valha-me Deus. Ó senhor Rogério vá para casa por amor de Deus. – Está bem. Está bem. Avançou pela rua principal, velha de séculos e de história, até chegar junto de uma escadaria cujos degraus, monstruosos mesmo para um jovem, tentou galgar. À primeira tentativa ia malhando com os ossos no granito escaldante. A minha mulher correu e segurou-o. Depois, com muita dificuldade, ajudou-o a subir. Lá em cima, na rua medieva, começou a caminhar com os trejeitos de quem não sabe para onde ir. Passou em frente a uma casa, porta escancarada, junto da qual, num velho assento de granito, uma velha apanhava o ar da tarde à sombra. Vi que ela lhe disse alguma coisa, mas o Rogério continuou na sua marcha. Sempre na expectativa do que poderia acontecer, aproximei-me da velha e perguntei-lhe se sabia quem era aquele senhor. – Não. Não sei. – Não conhece o Rogério? – Não. - Não? Não é daqui? Sorriu e vi que não estava melhor da cabeça. Pus-me no seu encalço, até que o apanhei. Gritei-lhe: - Ó Rogério! Ó Rogério! À segunda interpelação parou. Olhou-me e com aquele ar de quem está aprisionado dentro de um cérebro esquecido ficou à espera de instruções. – Vamos para casa. Estão todos preocupados consigo. O pior é que eu não sabia onde morava, até que duas senhoras presenciaram a situação. Vi que o conheciam. Pedi-lhes ajuda. Sem ficarem muito surpreendidas, disseram-me que era comum andarem à sua procura. – Sabem onde é que ele mora? Quando me disseram onde era fiquei de boca aberta. Afinal, vivia na casa cuja porta estava escancarada e na qual, sentada no banco de granito, estava a mulher. – O quê? Aquela senhora é a mulher? – É sim senhor. Mas ela não sabia quem era o Rogério! – Sorriram. Estava tudo explicado. Enfiei o braço debaixo do braço direito dele, enquanto a mão esquerda apertava insistentemente as calças para que não caíssem. Levei-o até casa. Satisfeito com o episódio, começou a querer dançar. As senhoras que o conheciam bem disseram-me que em novo saltava no ar e batia com os pés um no outro a dançar. Não perdeu o jeito, faltou-lhe apenas a elevação. Entrou em casa. Depois, duas vizinhas vieram em seu auxílio e estivemos a conversar um bom bocado sobre o quadro. Sei que ambos tinham mais de noventa anos e...
Agradeceram a nossa ajuda.
O país está cada vez mais deserto, mais pobre e mais velho...

“Interrogação”...

Interrogo-me frequentemente sobre muitos assuntos. Ao interrogar-me consigo despertar histórias escondidas no tempo, sabendo que muitas delas foram sepultadas em espaços conhecidos, mas também consigo ressuscitar dores e antecipar tragédias. A explosão de emoções ocorre em qualquer momento no meu cérebro desejoso de paz. Faz parte do longo caminhar do tempo. Olho para as mãos, que felizmente não tremem, e peço para dar vida ao que já morreu e ao que vai morrer. Uma espécie de oração para quem não sabe rezar, não obstante o ralhar e o admoestar de quem quis que aprendesse a ladainhar sem sentido frases e mais frases sem as entender, a não ser a sensação de cantar melodias bolorentas que para mim não era mais do que um faz de conta. Esforcei-me, mas não tive sucesso. Não estou arrependido. Olho para as mãos, que ainda vivem, e peço-lhes que escrevam. O meu medo é não conseguir dar vida às palavras e não poder saborear algo que a justifique. Escrever é isso mesmo, tentar respirar com ansiedade o prazer momentâneo de dar vida às palavras e às frases como se fossem filhos acabados de nascer. Sempre diferentes e surpreendentes. Quando passa um tempo, mesmo que seja curto, sem escrever, a angústia soma-se ao medo, provocando um terrível mal-estar, a querer imitar o que a vida me prometeu. Não sabia das suas promessas, mas sempre desconfiei. Agora que o tempo se esfarela vejo o que estava escondido. Bate certo, a vida não serve para grande coisa a não ser para atormentar e libertar a criatividade através de uma espécie de gastronomia da escrita, a descoberta de sabores que não serve para alimentar mas para compensar, através do prazer, o saber do que é viver, algo muito diferente do que me foi prometido. Bate certo. Resta-me continuar a interrogar e a tentar ressuscitar histórias sepultadas e desejosas de serem conhecidas. Devo-lhes isso. Para quê? Não sei e nem interessa, mas sempre engano o tempo, sobretudo o estranho presente.

Descaramento é que não falta!

Ontem foi lançado ao mar o primeiro navio construído nos Estaleiros da West Sea, empresa a quem foram subconcessionadas as instalações dos antigos Estaleiros de Viana do Castelo. A  subconcessão das instalações desta empresa que somava desorganização e prejuízos, e em quem os clientes não confiavam, foi a solução encontrada para salvar o essencial dos postos de trabalho e o know-how existente. No entanto, gerou um forte movimento contestatário, greves, manifestações, e até um velório organizado em 2013 pelo actual residente da Câmara Municipal de Viana do Castelo. Um exemplo perfeito de como estratégias políticas se sobrepõem ao bem das populações.
Com enorme desplante, o Presidente da Câmara esteve agora presente na cerimónia da inauguração do barco.E a madrinha de baptismo do navio é a mulher do primeiro-ministro António Costa, líder do Partido Socialista que então encabeçava, com o PC e o Bloco, a solução encontrada.
Descaramento é mesmo coisa que não falta, e até abunda, nesta governação geringôncica.

sábado, 21 de julho de 2018

O estado a que isto, a escola pública, chegou!

Mas alguém podia imaginar que os senhores professores podiam ir de férias sem darem as notas de fim de ano aos alunos ou, na moderna pedagogia, fazerem a avaliação dos alunos? 
Pois bem, pensaram os senhores professores que, de falta em falta, iam protelando as avaliações. E foi preciso que o Ministério da Educação viesse estabelecer que os senhores professores só podiam ir de férias após as avaliações terminadas. 
Bom, apesar de tudo, uma primeira atitude de rebeldia do Ministério perante os chefes sindicais a quem o Ministro é sempre atento, venerador e obrigado.  Mas que revela o estado a que isto, a reclamada escola pública,  chegou.

quarta-feira, 18 de julho de 2018

"Castigos"...

Leio, no intervalo de duas consultas, a notícia de que em Braga, Sameiro, militares da GNR contestam o comandante do posto que os ameaça com "castigos" por não passarem multas.
Meu Deus! Que forma de estar na vida. Um pequeno exemplo que ilustra a mesquinhez e a mediocridade de um cidadão.
O senhor comandante tem, às tantas, de mostrar um bom "desempenho" das suas funções e contribuir para encher o bolso do estado.
E mais não digo!
https://www.jn.pt/justica/interior/revolta-na-gnr-de-braga-contra-castigos-a-quem-passa-poucas-multas-9606660.html

segunda-feira, 16 de julho de 2018

"Histórias"...

Escrever uma história é o mesmo que entrar num templo para orar, não a um deus ou seu representante, mas sim à essência da natureza humana.
Somos filhos de histórias, alimentamo-nos delas a todo o momento, adormecemos sob o seu cantar e sonhamos com elas ao acordar.
O passado é a principal arca. Ficam guardadas na memória, escondidas nas gavetas do tempo, à espera de acordar. Quando acontece, misturam-se umas com as outras, correndo à procura do sol. Acordam estremunhadas e desejosas de voltarem a sentir os mesmos perfumes e emoções, adocicando as dolorosas e tristes e fantasiando as amorosas e doces. A memória tem essa propriedade.
Escrever uma história, e dá-la a ler, é como se fosse uma varinha mágica. Desperta de imediato recordações e vivências muito semelhantes. Emergem no coração do leitor, libertando as mais diversas sensações, forma muito pessoal de rezar. Uma história pode comparar-se ao bastão de Moisés, que fez brotar água na travessia do deserto, mata a sede, alivia o sofrimento, desperta o amor e brinca às escondidas com a esperança do novo dia.

domingo, 15 de julho de 2018

"Cegueira, miséria e morte"...

Domingo de manhã. Movimento adequado a um dia sem trabalho. Hora do almoço. No regresso reparei numa rapariga, jovem, limpa e vestida de cor, a descer a íngreme ladeira com a sua bengala. Procurava obstáculos a fim de saber se podia andar. A bengala tinha um movimento próprio ao mesmo tempo que a sua cabeça oscilava em sentido contrário à procura de sons. Subitamente, começou a apalpar a parede até encontrar duas cavidades. Enfiou a mão na primeira. Foi suficiente para, em ângulo reto, rodar para a direita. Tinha as suas referências, as quais foram postas à prova na travessia da rua e na subida para o passeio. Andou sempre, auscultando os obstáculos ou os pontos já conhecidos, como os postos de iluminação. Encontrou a pequena escadaria, em forma de L, descendo-a com imenso cuidado e segurança. A jovem vestida de cor, revelava elegância e dignidade, desafiando com sabedoria quaisquer obstáculos que se lhe atravessavam no caminho. Presenciei esta cena até a perder de vista. Cega, mas digna. Cega, mas com vontade de ultrapassar as barreiras da vida.
Ao descer com o carro, deparei-me com um sem-abrigo deitado de bruços numa escadaria. Momentos antes, a cega passou ao seu lado com toda a clarividência e vontade de vencer, mas não o viu. O sem-abrigo também não deu conta da sua passagem. Eu sim, vi-os.
Os dois surpreenderam-me. Enquanto a jovem cega, vestida de cor, ilustrava a vontade de viver e de ver o que a vida tem para lhe oferecer, o miserável, descalço, deitado nas escadas ao sol do meio-dia, oferecia a faceta chocante e indigna da vida.
Dois seres da minha espécie, num perfeito contraste, de um lado a dignidade, do outro a miséria. E eu no meio dos dois, sem ser visto, a pensar na morte de um velho amigo e sem entender nada da vida. Cegueira, miséria e morte.
Vejo e não sou visto. Mas não sou só eu...

quinta-feira, 12 de julho de 2018

"Dois grãos de areia"...

Podia escrever muitas histórias. O pior é escolher entre os grãos de areia que se escapam da mão. Ficam sempre alguns agarrados à palma, colados pelo suor ou pelo medo de deixarem de existir. Olho. Ficaram dois, um, de cor indefinida, a tombar para o cinzento, forma irregular, provocou-me mal-estar e revolta. Fez-me lembrar a atitude da trabalhadora quando lhe perguntei se no último ano tinha tido algum problema de saúde. Respondeu-me de forma agressiva e humilhante. Não teve nada e nem tinha nada a dizer. Via-se perfeitamente que houve algo. Repeti a pergunta com serenidade e o máximo de diplomacia. Os seus olhos lançaram faíscas de desprezo. Comecei a sentir uma dor na alma e a boca a ficar seca. Não me respondeu, mas perguntou com uma soberba que nunca tinha visto: - Como é que estão as análises? Disse com frieza os resultados. O exame continuou sem palavras, apenas com os gestos inerentes ao exame físico. No final, tomou conhecimento do resultado, apta para trabalhar. Assinou a ficha de aptidão e saiu sem se despedir, manifestando um patético desprezo. Já vi, ouvi e vivi muitas coisas ao longo da minha vida profissional, mas tamanho desprezo e falta de educação foi a primeira vez.
Alguns membros da minha espécie são singulares e imprevisíveis. Esta senhora é um caso desses.
O outro grão de areia era diferente, suave, brilhante, parecia um círculo de ouro a querer aquecer a minha alma. Fez-me lembrar o pelo do meu cão. O pelo e o coração! Sorri. O meu cão é meigo, gosta de brincar e, sobretudo, de agradecer. Também adoece, ou tem algum transtorno de quando em vez. Quando acontece, aproxima-se e começa a lamber-me sem parar. Olha-me e volta a lamber como se estivesse a pedir ajuda. Quando a situação passa, suspira, aninha-se e faz as suas habituais lambidelas, mais espaçadas e mais lentas. Sabe quem lhe faz bem e agradece à sua maneira.
Que diferença entre estes dois seres, a querer recordar os dois pequenos grãos, um dourado e o outro cinzento, que ficaram agarrados na palma da minha mão.
Prefiro o primeiro, prefiro o meu cão.

Teatro da Geringonça- Pantomina de rua em dez episódios

1.Até Junho, a redução da área ardida é de 71% da média dos últimos dez anos,referiu o Ministro Eduardo Cabrita no Parlamento. Tem toda a razão na empáfia: uma primavera fresca e chuvosa era uma das políticas definidas para o combate aos incêndios. Ter concretizado tal medida é obra! Aplausos da geral.
2. Fixou o Governo para 2018 um aumento significativo do investimento público. Mas a execução orçamental, diz a UTAO, tem sido tão baixa que, excluindo a despesa com concessões, mero pagamento de obra já feita, o investimento realizado até Maio desceu, em vez de subir, com a agravante de, no período homólogo passado, ter sido insignificativo.
Erro,por certo, da UTAO, que palavra orçamentada é palavra honrada. Com intermitência, claro está: a honra governamental vai sofrendo cortes e cativações ao ritmo das que faz no orçamento. Aclamação da plateia para uma honra assim volátil, símbolo do novo tempo.
3. Mas, ao contrário do investimento, a carga fiscal e a dívida pública portuguesa subiram às maiores alturas de sempre. Palmas para o Governo que a subir dívida e impostos é mesmo bom, e melhor ainda a negar que tal aconteça. 
Os outros sete episódios podem ser vistos no meu artigo no i, O Bananal, Pantomina de rua em dez episódios 

terça-feira, 10 de julho de 2018

Pela nossa rica saúde...


Ouve-se o senhor ministro da saúde e sente-se que estamos perante um homem desorientado. Está ministro mas é médico. Em especial por causa dessa condição, não fora o comprovado excesso de lealdade política para com quem o ministeriou e porventura já teria confessado publicamente o arrependimento por aquele momento infeliz em que, perante o País, se considerou Centeno.
Fazia bem à saúde, também à sua, se cedesse o lugar a quem possuísse condições para acudir ao descalabro que dia a dia se acentua.

“Pensamento “...

Ouvi uma jovem adolescente, de olhar atormentado por causa da morte anunciada da mãe, a questionar: - Porque é que as pessoas nascem e morrem? Uma pergunta que muitos fizeram e continuam a fazer. Há quem responda, "não sei", e há quem diga que é "vontade de Deus". A mãe entrou, ouviu e disse-lhe: - Nascemos para semear pensamentos. Somos feitos de tempo, a terra ideal para semear o pensamento...

segunda-feira, 9 de julho de 2018

"Salvem todos"...

Tenho que confessar, não consigo deixar de pensar nos jovens aprisionados na caverna tailandesa. Estou permanentemente à procura de notícias e evolução dos acontecimentos. Tantas pessoas preocupadas com os jovens. Uma perfeita manifestação de humanidade. O envolvimento e a necessidade de ajudar os nossos semelhantes, independentemente de tudo, constitui a única e gratificante medida da nossa condição humana. Estas atitudes, e exemplos, são uma garantia que me obriga a acreditar na minha espécie.
Eu preciso de acreditar. Não invoco Deus por motivos óbvios. Invoco e imploro que os representantes da minha espécie façam o que tenham a fazer para honrar e dignificar a nossa condição.
Salvem todos, porque ao salvá-los também ajudam a salvar cada um de nós.

domingo, 8 de julho de 2018

"Insultos"....


O anúncio da morte de pessoas conhecidas, e chegadas, perturba-me como a qualquer um. Torna-se mais doloroso porque houve, e há, partilhas de dias, de momentos, cruzamentos de vidas e intimidades. Não fico surpreendido com os efeitos, devastadores e diabólicos. Emergem sempre as mesmas imagens, as mais relevantes, as que nos definem e a que nos "siamesam".
Por mais voltas que o mudo dê nunca conseguirei entender muitos fenómenos da vida, embora os aceite com a mais natural das fatalidades. Dói e exige grande esforço para as viver. Nunca sabemos o que nos espera, mas o que acontece aos outros também acontece a nós. A vida tem um enorme defeito, ofende qualquer um, a todo o momento, com agressividade e "maldade". Maldade está entre aspas, porque não podemos atribuir à natureza tal atributo. Não devemos esquecer que a natureza ignora completamente os seres humanos. Sendo assim, todos os acontecimentos que nos marcam, e que envolvem sofrimento e morte de seres humanos, são mais do que perturbadores, são uma "ofensa" à nossa pretensiosa "origem divina". Eu, que não me pauto por esta corrente, fico tolhido no pensamento e ferido na alma.
Desapareceu um familiar, mais nova do que eu, sorriso lindo, mulher cheia de fé e de esperança. Quando soube do seu mal, antevi o que iria acontecer. Recordo o dia em que ao entrar no quarto da minha mãe, gravemente doente e alheia do mundo, a vi debruçada sobre ela. Fazia-lhe festas e sussurrava-lhe algo aos ouvidos de uma mente surda. Não disse nada. Não interrompi aquele estranho diálogo. Há diálogos em que não devemos intrometer-nos. De repente olhou para a porta e viu-me. Sorriu à sua maneira. Momento inesquecível. Mal sabíamos que menos de meia dúzia de anos depois iria por acabar de "beber" as dores do sofrimento e a humilhação de uma morte precoce.
Mais novo do que eu, também. Chegou ao país era ainda bebé, cinco, seis meses. Grande, cabeçudo e praticamente sem cabelo. No quarto do hotel, a mãe deu-me um biberão de leite para as mãos. - Podes dar-lhe o leitinho? Perguntou. Nunca tinha pegado num biberão. Do alto dos meus onze anos, espigadote, fiz o que tinha a fazer, como se tivesse feito tal coisa toda a vida. Coloquei-o em posição e enfiei-lhe na boca a tetina. Fiz os cálculos à inclinação do biberão em relação ao corpo e, depois, zás! O puto mamou com uma sofreguidão típica de quem estava esfomeado. - Ó tia. Já bebeu tudo. Parece que ainda bebia mais. Preparou mais um que seguiu o caminho do primeiro. Em seguida, arrotou que nem um abade, bolsando. Esta parte não foi muito agradável, quanto ao arroto assustei-me. Não estava à espera de tamanho ruído. Depois, ao longo da vida fui sempre à frente. Acompanhei o seu crescimento com as peripécias inerentes a qualquer ser humano, algo de pessoal e intransmissível. Agora, aguardo o desfecho da natureza, fria, cruel e indiferente à condição humana,
Dói. O que ainda dói mais é que não vai parar por aqui, até que um dia passe a ser eu a provocar sofrimento nos outros, e despedir-me da indiferença de uma natureza cheia de "atributos".
Atributos? Não, insultos...

quinta-feira, 5 de julho de 2018

"Géiseres da vida"...



Todos os dias morrem pessoas. Desconheço a maioria, ou, para ser mais rigoroso, a quase totalidade. Conheço um ou outro, por motivos diferentes. Convivi com alguns de forma direta e intensa. De qualquer forma, foram suficientemente marcantes para provocar efeitos na minha maneira de ser e de estar. Assim que tenho conhecimento do único denominador comum da humanidade, a morte, explode de imediato as lembranças. A explosão reduz-se a um, dois, ou, no máximo, três apontamentos. Marcas que são ao mesmo tempo uma forma de homenagear quem participou na minha formação.
Poderia citar inúmeros casos, verdadeiros géiseres da vida despertados pela morte. 

Era estudante quando o senhor deu uma aula a convite do professor da cadeira. Recordo muito bem, foi sobre a importância da genética na patologia humana. Sorria, comentava, gesticulava e lançava apartes que ajudaram a sedimentar os conhecimentos. Um pouco sui generis, diga-se de passagem. Nesse ano, após o café no bar da velha faculdade, comentou alguns acontecimentos que tinha vivido em França. No corredor, as aulas iam recomeçar, continuou a falar sobre a verticalidade do caráter do ser humano. Utilizou como exemplo um primeiro-ministro francês (por duas vezes), George Clemenceau. O seu sentido de honra levou-o a pedir que quando morresse fosse enterrado de "pé". "Um ser vertical em todos os sentidos", comentou. Ainda não tinha nascido o "Dia da Liberdade". Fiquei de boca aberta. Interiormente, pensei, faz sentido. Estes dois apontamentos surgiram ato contínuo logo que tive conhecimento do seu passamento.
Outro géiser foi despertado por um colega mais velho. Simples, meigo, nunca o vi irritado, respeitador, trabalhador, sem ambições de carreira, exceto fazer o trabalho bem feito com dedicação, ternura, profissionalismo e respeito pelo próximo. Um dia, ao sairmos do velho hospital, reparei que ia com um cigarro a bailar na mão, ao mesmo tempo que também dançava. Fiquei na dúvida se era ele que dançava com o cigarro ou se era este que marcava o ritmo. Uma dança cheia de alegria e de imenso prazer. Sorri. Mais tarde, já tinha abandonado a carreira hospitalar, telefonou-me para comunicar a morte de uma tia. Fomos, os dois, ao velório. Tinha esta característica, partilhar todos os momentos dos doentes, inclusive a própria morte. Médico do corpo e da alma. Aprendi muito com ele, sobretudo a humildade que é a melhor expressão de ascender na carreira da vida. O maldito cigarro que tanto apreciava, e eu também, levou-o à certa. Eu tinha parado nessa altura, mas ele não. Quando li a notícia do seu óbito veio à minha mente aquela dança cheia de prazer e de alegria, entre ele e o cigarro, e a forma como sempre encarou a vida dos doentes e a morte, com muito respeito.

segunda-feira, 2 de julho de 2018

"Gente simples e mortal"...

Escreve-se imenso sobre as ditas figuras públicas. Penso que é excessivo, não porque não mereçam, mas por provocar conflitualidades e indisposições. Para os próprios isso não deve ser coisa de maior, preferem dar pouca importância, ou, até, ignorar as “atenções”, a relembrar aquele estranho princípio com o qual nunca concordei, “não interessa que falem mal de mim, desde que falem”. Não sei se esta afirmação terá algum valor.
Compreendo que temos de falar dos outros, sobretudo os que têm responsabilidades. Há quem aceite tudo o que fazem e dizem, e há os que nem os podem ver nem mesmo com “molho de tomate”. Aqui está outra criação nacional. “O molho de tomate” é utilizado para confecionar muitos alimentos. Deve ser verdade atendendo às carradas de frascos e mais frascos que a minha empregada compra todas as semanas.
Voltando à vaca fria, mais um dito precioso tipo gastronómico, e logo eu que não aprecio carnes frias, existe entre aqueles dois extremos, os aduladores e os predadores, um vastíssimo conjunto de pessoas com sentimentos e opiniões diversas para todos os gostos.
Algumas pessoas babam-se, é o termo correto, para tocar noutras ou para tirar fotografias, as quais irão ser a “prova provada” da sua importância, nestes casos por contágio direto ou por terem respirado os mesmos miasmas. Pessoalmente admiro mais os putos que colecionam cromos da bola.
As pessoas têm necessidade de ser reconhecidas e/ou admiradas. Acho muito bem, assim como é positivo que os seus admiradores ou adeptos possam apreender comportamentos, princípios ou estilos de vida que lhes permitam ser melhores e mais “humanos”… Nesta base, considero útil que os “toquem”, que “recolham” as suas assinaturas ou “tirem” as famigeradas “selfies”. No entanto, reparo que muitas dessas individualidades não preenchem muitos dos requisitos e têm comportamentos ou maneiras que não sei se serão ou não adequados à formação das pessoas. Sinceramente, nunca tive esta espécie de apetite, prefiro pessoas pouco conhecidas ou mesmo visceralmente desconhecidas, mas que encerram tesouros do tamanho do mundo. Não sei se é por isto ou não que sou amiúde “atacado pelo bichinho” de contar histórias, a maioria das quais tiveram, ou têm, como protagonistas “gente simples e mortal”…

domingo, 1 de julho de 2018

"Os dias"...

Os dias são como os voos das borboletas, simples, belos, desajeitados, sem sentido, voando como se transportassem a sina da vida. São uma espécie de piscar de olhos involuntário, simples, rápido e impercetível. Os olhos sentem-se protegidos evitando o incómodo de ver e de sentir o que se faz e o que corre em redor. 
O café era saboroso. O despertar do gozo dos sentidos empurrou-me para a visão do mundo que se perfilava em frente. Conversas triviais, expressões de espanto, trocas de confidências, e trejeitos educados de insultos, emergiam num ambiente cultural. O ritmo de lazer, e do deixar fazer, imperavam graciosa e cinicamente na pequena esfera envolvente. O tempo fazia o seu papel, bocejava, indiferente, perante o trivial espetáculo, à espera de os ver partir para outras andanças, para a missa, para o passeio matinal, para o exercício ou para o almoço que se avizinhava. O tempo aborrecia-se, mas eu não. Via, fingia que ouvia, e pensava na vulgaridade humana. Tão vulgar como um candeeiros de petróleo vazio. A vaidade, enxertada em sensaboria, parecia querer vingar-se do desprezo e da inutilidade de mais um dia. A chávena esvaziou-se, os sentidos despertaram e as leituras dos jornais tonificaram e amplificaram a miséria e a inutilidade de muitas vidas, perdidas, escondidas ou achadas por esse mundo fora. O melhor da vida, além dos desajeitados voos das borboletas, é o esquecimento temperado com adoçante. Uma mania como qualquer outra.
A imagem matinal de um vulgar dia desperta coisas. Coisas banais.