Estou plenamente de acordo com a opinião e os sentimentos da Margarida e do Massano Cardoso.
Mas o caso assumiu outra faceta assim que caiu no âmbito da justiça. Converteu-se num espectáculo com a audição, pelo juiz de instrução, da mãe da pequena e infeliz Sara.
Nesse dia, logo pela manhã, já as rádios e televisões transmitiam que tinha sido apurado junto de "fonte da Polícia Judiciária" que a mãe da Sara confessara que tinha por hábito exercer violência física sobre a bebé. Ou seja, continua, impune e descarada, a violação do segredo de justiça, mesmo nas barbas dos juizes! A lei, de tão abastardada, já nem sequer é invocada pelo espírito mais sensível aos princípios fundamentais de um Estado que se diz governado por ela...
Como era previsível, à porta do Tribunal onde foi decretada a prisão preventiva da mulher, se juntou uma multidão, sedenta de sangue e de vingança, pretendendo fazer justiça pelas próprias mãos.
E no entanto, nenhum daqueles vociferantes justiceiros - alguns espumando ódios e raivas, de olhares tresloucados - sabia do que se passou no gabinete do juiz. O que foi aí apurado. Que desgraças se revelaram. Que circunstâncias pessoais explicam a morte da pequenina e indefesa Sara. Nem sabiam, nem lhes interessava saber, que razões levaram o juiz a decretar a medida privativa da liberdade à arguida. Nem tão pouco que essa medida de coacção não significa que tenha sido julgada e condenada.
Mais uma vez a justiça faz-se na rua. Iluminada pelos holofotes da comunicação social que obteve mais uns preciosos minutos de exibição do que pior há no ser humano. Quase em directo. E em prime time. Nada melhor para vencer a competição das audiências. Nada melhor para o negócio da venda de publicidade que se faz, justamente, das audiências conquistadas.
Sinais recorrentes de um Portugal, também aqui, cada vez mais pobre.
Em que todos preferem o protagonismo espalhafatoso do magistrado-polícia, do que o julgamento sereno pelo juiz-prudente.
Em que se fomenta, cultiva e louva a delacção. Em que se estimula a inveja, a devassa e a malidiscência.