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domingo, 14 de dezembro de 2008

As profecias do fim do século XX

Caiu-me nas mãos o livro, dado à estampa nos anos noventa do século passado, a versão traduzida de A Nova Idade Média de Alain Minc (ed. Difel, Lisboa, 1993), um liberal conhecido pelo seu pessimismo em relação à actual organização do capitalismo.
Lembro-me bem da sensação que me provocou o tremendismo de alguns prestigiados intelectuais, subscritores das análises catastrofistas dessa década, anunciando para o final do século o início de um declínio civilizacional, como se existisse um qualquer factor determinista que inflectiria, no dobrar dos séculos e dos milénios, a evolução da humanidade. Nunca percebi a racionalidade desses discursos ante o carácter convencional dos mapas do tempo. E no entanto, 15 anos volvidos, as interrogações de Minc sobre o declínio anunciado afiguram-se hoje estranhamente pertinentes.

  • "A procura de explicações é infinita. A liberalização dos mercados e a explosão das finanças que levaram o dinheiro a impregnar, bem mais do que anteriormente, actividades até então não comercializáveis? A desregulação que fez oscilar nos circuitos monetários actividades até ao momento menos comerciais? O individualismo que levou os indivíduos a fazerem prevalecer, perinde ad cadaver, os seus interesses pessoais? O enfraquecimento das grandes instituições - o Estado, as igrejas, os partidos, os sindicatos - que espalhavam uma moral tradicional para a qual o dinheiro oscilava entre o pior mal e o pecado? A influência do modelo cultural americano, ao qual pedimos emprestado o poderio do dinheiro, deixando de parte os contrapesos morais e religiosos, próprios do protestantismo anglo-saxão? O desaparecimento da luta de classes e dos conflitos sociais que deu lugar ao mimetismo entre categorias profissionais, ao desejo de imitação e assim às necessidades financeiras para os satisfazer? O aparecimento de personagens emblemáticos, faladores e muito ricos? A passagem quase natural do culto da empresa ao gosto do lucro e deste último à tentação de enriquecimento pessoal? O sentimento de imunidade? L´air du temps?"

5 comentários:

Bartolomeu disse...

Estimado amigo, quem compreende a intrínseca relação que existe entre os ciclos civilizacionais e os "cósmicos", consegue perceber, ao inverso de políticos, capitalistas, presidentes disto e daquilo, lideres religiosos,etc. que à humanidade compete uma única tarefa, subsistir. Tudo o resto tem a mesma função do cenário num palco onde se representa uma determinada peça, serve somente para lhe dar o "ar" de verdade, para que não hajam desistências de percurso.
;)

Unknown disse...

Uma pequena gralha pousou no título do texto.

Anónimo disse...

Dupla bondade sua, meu caro Alfredo. Por ter prevenido e por considerar "pequena" a absurda da gralha.
Bem haja.

jotaC disse...

Caro Drº Ferreira de Almeida:
Devem ser das poucas profecias que se materializaram, numa mesma geração...

Suzana Toscano disse...

Arrepiante, até porque não se tratava de uma profecia mas da observação atenta dos sinais que já então eram bem visíveis, só que surgiam embrulhados nas mais modernas teorias de gestão...quem ousaria vê-las com outros olhos para além dos pessimistas/catastrofistas?