A mentira está para a alma como o ar para o corpo. Mentimos tão naturalmente como respiramos. Ninguém consegue viver sem respirar e sem mentir! Mas, tal como o ar, que pode ser puro, limpo, não poluído, cheio de fragrâncias e, até, dotado de efeitos terapêuticos, também a mentira se pode revestir de aspectos em que a ternura, a beleza, a esperança, a confiança e o alívio do sofrimento não deixam de estar presentes.
Mentimos para nos sentirmos melhores, para esconder as nossas fraquezas, para ajudar os outros, para nos livrarmos de perigos, por pura diversão, por estranhas perversões, devido a certas patologias, para aumentar os ganhos e para ascender nas escalas social e política. Há que distinguir nestas razões, as mentiras equivalentes ao ar poluído, cheio de substâncias tóxicas e de partículas perigosas, mal cheiroso, empestado que provoca doenças e morte. Estas sim, são nefastas.
Kant considerava “a mentira como a maior violação que um ser humano – enquanto ser moral – pode cometer contra si mesmo”, chegando inclusive a afirmar que nenhuma falsidade intencional é desculpável. Bom, neste aspecto, apesar da simpatia que nutro por certos princípios, parece-me ser um pouco exagerado.
Um doente procura-me e “sabe” instintivamente que não está bem. Discursa e denota esperança no tratamento. “As coisas estão a correr melhor e vai ficar tudo bem”. Ao mesmo tempo que faz esta afirmação lança-me um sorriso na esperança de que o secunde. No meu íntimo, sei que não é bem assim, que as coisas, afinal, vão ter um curso muito diferente do desejado. Não é legítimo dizer a verdade, porque o doente quer que lhe minta. E minto. No fundo, estou certo de que sabe que estou a mentir. Mas sente-se bem. Vê-se no olhar. Não se trata de uma mentira piedosa, mas sim justificar a necessidade de viver e de fugir à morte. Não é dar esperanças vãs. Não é propriamente um caso de fé, até, porque a fé é “biológica” e corresponde a uma força que actua dentro de limites bem definidos, fora deles não existe.
Também gosto da verdade, mas não deixo de reconhecer que a humanidade também precisa, talvez ainda mais de mentiras, sobretudo das que a consolem, que sejam fontes de esperanças infinitas. De outro modo, e parafraseando Anatole France, “Sem a mentira, a humanidade pereceria de desespero e de tédio”.
As mentiras que emergem no âmbito da política, do social, da religião, da publicidade e dos negócios são muito perigosas e difíceis de controlar. No fundo acabam por provocar desespero. Mas não há maior desespero quando se sente o fim a aproximar-se. A verdade pode ser uma ilha emersa num oceano de incertezas, que, em certos momentos, acaba por se afundar na certeza da verdade.
Kant considerava “a mentira como a maior violação que um ser humano – enquanto ser moral – pode cometer contra si mesmo”, chegando inclusive a afirmar que nenhuma falsidade intencional é desculpável. Bom, neste aspecto, apesar da simpatia que nutro por certos princípios, parece-me ser um pouco exagerado.
Um doente procura-me e “sabe” instintivamente que não está bem. Discursa e denota esperança no tratamento. “As coisas estão a correr melhor e vai ficar tudo bem”. Ao mesmo tempo que faz esta afirmação lança-me um sorriso na esperança de que o secunde. No meu íntimo, sei que não é bem assim, que as coisas, afinal, vão ter um curso muito diferente do desejado. Não é legítimo dizer a verdade, porque o doente quer que lhe minta. E minto. No fundo, estou certo de que sabe que estou a mentir. Mas sente-se bem. Vê-se no olhar. Não se trata de uma mentira piedosa, mas sim justificar a necessidade de viver e de fugir à morte. Não é dar esperanças vãs. Não é propriamente um caso de fé, até, porque a fé é “biológica” e corresponde a uma força que actua dentro de limites bem definidos, fora deles não existe.
Também gosto da verdade, mas não deixo de reconhecer que a humanidade também precisa, talvez ainda mais de mentiras, sobretudo das que a consolem, que sejam fontes de esperanças infinitas. De outro modo, e parafraseando Anatole France, “Sem a mentira, a humanidade pereceria de desespero e de tédio”.
As mentiras que emergem no âmbito da política, do social, da religião, da publicidade e dos negócios são muito perigosas e difíceis de controlar. No fundo acabam por provocar desespero. Mas não há maior desespero quando se sente o fim a aproximar-se. A verdade pode ser uma ilha emersa num oceano de incertezas, que, em certos momentos, acaba por se afundar na certeza da verdade.
5 comentários:
Bitola, falta à humanidade uma.
E... que tipo de bitola seria essa?
Bom, se as leis de Deus se tornaram obsoletas, se a humanidade conseguiu banaliza-las, resta-nos uma alternativa.E, essa alternativa, não pode ser mais que algo sem alma, algo amorfo, ou mecânico... algo semelhante a uma Pedra de Roseta, que seja simultâneamente uma lei, uma comparação, algo que sendo frio, seja no entanto uma verdade sem hipotese de ser contornada na mentira.
Uma pedra caro Professor, nada mais que isso, permitiu a Thomas Young, encontrar a verdade.
Bitola, falta à humanidade uma.
E... que tipo de bitola seria essa?
Bom, se as leis de Deus se tornaram obsoletas, se a humanidade conseguiu banaliza-las, resta-nos uma alternativa.E, essa alternativa, não pode ser mais que algo sem alma, algo amorfo, ou mecânico... algo semelhante a uma Pedra de Roseta, que seja simultâneamente uma lei, uma comparação, algo que sendo frio, seja no entanto uma verdade sem hipotese de ser contornada na mentira.
Uma pedra caro Professor, nada mais que isso, permitiu a Thomas Young, encontrar a verdade.
Caro Professor Massano Cardoso
Ao ler o seu texto lembrei-me de uma categoria de mentiras, as chamadas "mentiras piedosas", que fazem bem a quem as diz, porque às vezes falta a coragem para contar a verdade, e fazem bem as quem as recebe, porque faz melhor não conhecer a verdade.
Há muitas situações em que as mentiras se desculpam, em particular quando são piedosas.
Gosto dessa expressão, mentira branca, mentira inocente que não deixa rasto ou que quer atenuar as cores fortes da realidade. É um símbolo da humanidade ou da compaixão, tantas vezes trocada pela crueza profissional, ditada pelas regras de partilhar responsabilidades ou de, alegadamente, proteger o indivíduo do arbítrio de quem o trata.Há um ano assiti à morte terrível de uma cunhada, minada por um cancro que se espalhou rapidamente. Contra toda a lógica e a evidência da sua degradação física, ela sempre acreditou que ia vencer a doença e sempre se submeteu amais uma operação, a mais um tratamento, a mais uma privação em nome de possíveis melhoras. Três dias antes de morrer, numa clínica, não sei porque carga de água disseram-lhe que já não tinha salvação e que só iam dar-lhe paliativos. Vi-lhe uma terrível revolta, o desmoronar de uma esperança insensata que a fazia viver, apesar de tudo. O pior foi que ficou sem saber como "matar" o tempo que lhe restava, essa incógnita insuportável agora que não tinha mais esperança. Não teve desgosto, mas raiva, como se lhe tivessem ditado uma sentença. Nunca percebi porque lhe disseram, nunca percebi.Fez falta a mentira branca.
Enviar um comentário