"Eu não amo Bruxelas, amo a Grã-Bretanha". Esta frase resume a mensagem que a 20 de fevereiro David Cameron dirigiu aos compatriotas sobre a sua posição em relação à permanência na UE. Declaração solene, proferida na sequência das dramáticas negociações dos dias anteriores para definição da base mínima capaz de permitir a manutenção do Reino Unido no seio da UE. Trocada por miúdos significa que o Reino Unido só se manterá na União se e enquanto os ingleses reconhecerem vantagens estritamente nacionais. Antes de tudo, a Grã-Bretanha; no final, a Grã-Bretanha e os seus interesses, portanto.
Há que reconhecer que a posição do PM britânico não é hoje muito diferente da posição dos ingleses ao longo dos tempos. Há, aliás, um episódio da saudosa série "Yes, Minister" que retrata magistralmente, entre chalaças, a política de um pé dentro, um pé fora. Beneficiando de um regime excepcional, designadamente no que respeita à contribuição para o orçamento da UE, a novidade é a assunção clara de que primeiro está o País e só depois a União. O que quer dizer que, contas feitas, a permanência depende de o saldo se revelar favorável ao Reino Unido.
Ora, isto já não é eurocetiscismo. Trata-se, antes, de uma posição claramente contrária ao espírito dos Tratados e um tiro fatal na ideia de um federalismo mais ou menos mitigado que os inspira e para onde se teve a ilusão de um dia caminhar.
Sobreviverá a UE a esta inversão de marcha? Mantenho as dúvidas que há muito venho manifestando. Dúvidas que assentam na mediocridade objetiva das lideranças europeias, na irracionalidade desde logo na extensão de um "governo" - a Comissão -, composto por membros que têm de enfiar o círculo dos interesses nacionais (que julgam ser forçados a defender) no quadrado esquinudo do interesse supranacional; num Parlamento Europeu onde a maioria dos membros pouco sabe e pouco quer saber sobre o que se passa em territórios que não são os seus, pouco preocupado com o futuro do projeto europeu; na burocracia asfixiante e incapaz de se render à necessidade de uma profunda reforma; na mais que provada incapacidade de enfrentar grandes problemas como a crise financeira geral, os erros do projeto do euro, as fragilidades de uma economia europeia excessivamente aberta e cada vez menos competitiva, alargamentos a mata-cavalos e imprudentes, a vaga de refugiados e de migrantes económicos.
Mas dúvidas venenosamente reforçadas por uma nova "ideologia", perfilhada pelas direitas e pelas esquerdas, que identifica Bruxelas, i.e., as instituições europeias, não como o ponto de encontro e de união, mas como inimigos políticos dos Estados e dos governos. São assim encaradas no discurso político grego, finlandês, britânico, húngaro, polaco. E é assim no discurso político da maioria parlamentar que sustenta o Executivo em Portugal. Nesta alteridade, neste afastamento de uma Europa incapaz de se libertar do modelo político aristocrático em que vive, vejo eu os sinais mais evidentes da falência do projeto europeu. Basta olhar para o coro crescente dos que, responsáveis pelo governos dos seus Estados, como Cameron dizem aos seus eleitores "Nós também não amamos Bruxelas".
7 comentários:
Caro Ferreira de Almeida, o que eu não percebo é como é possivel que o que descreve no seu post cause estranheza ou espanto a alguém. O que descreve é exactamente o esperado desde que esta coisa começou a formar-se. Desde sempre houve inúmeros sinais que nas coisas realmente importantes cada país faz o que quer e a UE ou fica calada - a melhor das hipóteses - ou fala mas ninguém lhe liga patavina e continua cada um a fazer o que melhor lhe serve. Como era esperado e natural. Daqui que termino com a pergunta original: como pode este estado de coisas causar estranheza seja a quem for?
Meu caro Zuricher, causa estranheza a muitos, pois são muitos por esta Europa fora aqueles que viveram na ilusão de uma Europa que contrariasse a maldição da sua História, a pulsão para os nacionalismos.
A imagem mais impressiva dessa ilusão é a do abraço de um então PM português a um então Presidente da Comissão, em Lisboa. Nessa altura, em vez do sonoro "porreiro, pá" com que se celebrou a irreversível via rumo ao federalismo, poderia bem ser o grito "Amo-te Bruxelas!". Dito nas línguas todas, incluindo a inglesa.
Ainda nos lembramos? Não foi assim há tanto tempo...
Caro Zé Mario
A questão que se coloca agora é saber se uma Europa, novamente dividida, conseguirá fazer frente ao "ataque" das grandes potências. Claro que o Reino Unido terá sempre o ursinho de pelúcia americano para encostar a cabeça e não chorar...
Esse é o drama, Fernando. O enfraquecimento da Europa - e não só nos planos económico e financeiro - é uma evidência. E se a UE nunca se afirmou como player internacional decisivo e muito menos como potência regional, se, como tudo indica, a desagregação vier a acelerar-se, vamos voltar a ver o que a História regista: a Alemanha e o Reino Unido a darem cartas na cena internacional. E os Estados pequenos como Portugal a terem, de novo, de se confrontar com a política do possível, tentando manter a mão estendida, ficando de bem com todos, submetendo-se às conveniências....
Caro Ferreira de Almeida, lembro-me, lembro-me, lembro-me perfeitamente desses anos insanos em que toda a gente tinha claramente perdido a cabeça e vivia-se um Europeísmo alucinado. Quem tentava alertar para a realidade dos países e das sociedades - até aquando do Iraque em que cada país fez o que quis! - era insultado de fascista para diante. Esse "porreiro, pá!" é inesquecivel. Quanto mais não seja por uma questão de vergonha alheia. Lembro-me muito bem desses tempos.
Aproveito a ocasião para referir-me ao seu último comentário. A UE afirmar-se como um player mundial foi sempre um dos motivos usados para se engolir esta história toda. Mas nunca pôde ser real. Os interesses externos dos países são diversos. Cada país tem os seus interesses, as suas alianças, as suas influências geo-estratégicas e é insano pensar-se que cada país individualmente iria abdicar de tudo isso em prol dum interesse Europeu, uma coisa difusa e longínqua. Aliás, tempos houve em que a Comissão chegou a querer que França e Reino Unido abdicassem dos seus assentos no Conselho de Segurança, imagine-se. É preciso estar mesmo muito para lá de qualquer noção de realidade para sonhar que isso alguma vez iria poder ser possivel. Como corolário, a UE em si hoje em dia não pinta nada em nada nem coisa nenhuma como nunca pintou. Mas o pior é que tanto o Reino Unido como França têm hoje em dia menor influência global do que tinham há 20 anos. Parece-me que os Franceses já acordaram para essa realidade e estão a começar a arrepiar caminho na África Ocidental. Vamos a ver como evolui. A Alemanha, pois a Alemanha tem expandido a sua influência global num trabalho de formiguinha que começou logo após a guerra. A influência que tem é a expensas próprias. Isto é mau para países como Portugal que não sabem afirmar-se? Evidentemente que é. Mas a questão que os eleitores dos países podentes se põem a si próprios é muito simples: porque havemos nós de abdicar da nossa influência, do nosso bem-estar e da defesa dos nossos interesses para beneficiar países que não nos aportam nada? Perante uma pergunta destas o que podem os políticos responder e fazer?
Mas qualquer país, pessoa ou empresa quando assina um acordo com alguém não é porque a soma das vantagens é superior às desvantagens? Se actualmente o Reino Unido vê mais contras do que prós nesta UE, porque razão não deve de por em causa?
Os ingleses limitam-se a dizer claramente aquilo que outros só se atrevem a pensar, por o seu estatuto de "pais da Europa" não permitir exteriorizá-lo.
E depois, há os tipos como os portugueses, que continuam a acreditar na "Europa" como Fim da História, panaceia das guerras, e garantia da eterna amizade entre os povos. Venderam-lhes bem o catecismo, lá isso é verdade - empurrado pela garganta abaixo pelos subsídios comunitários.
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