Número total de visualizações de páginas

segunda-feira, 29 de março de 2010

Grécia: que apoios da zona Euro?

1. Os Estados Membros do Euro parece terem chegado a um acordo quanto a um apoio à Grécia, depois de intensa discussão e, segundo a análise atenta de Brandão de Brito,na sequência de uma astuta negociação por parte do Presidente da Comissão Europeia face à imensa resistência da Alemanha em aceitar qualquer ideia semelhante ao decantado “bail-out” da Grécia.
2. A fórmula encontrada para conseguir um acordo entre Estados/ Governos que tinham posições tão diferentes na matéria como a Alemanha, de um lado, a França e a Espanha, por outro, levanta todavia sérias questões interpretativas que só o tempo ajudará a esclarecer sem prejuízo de lhes darmos alguns minutos de atenção.
3. Por exemplo quando é dito que os Estados-Membros poderão ajudar outro Estado-Membro em dificuldades mas só depois de esgotadas as soluções de mercado, o que significará verdadeiramente tal fórmula?
4. Significará que esse Estado-Membro terá que obter nos mercados os recursos de que carece até que estes digam – não há mais?
5. Ou significará que esse mesmo Estado terá de se financiar no mercado até que as condições que este exige sejam consideradas inaceitáveis – por excederem, por exemplo, o triplo do juro que a Alemanha paga para prazo idêntico?
6. Nada disto está definido pelo que, sem mais esclarecimentos, aquela fórmula parece inculcar a ideia do primeiro entendimento do nº anterior – o Estado-Membro em dificuldades terá de pagar o juro que os mercados exigem, até onde for possível, até que os mercados “declarem” não estar dispostos a emprestar mais...
7. E só nessa altura o Estado necessitado poderia recorrer à ajuda dos seus Pares, o que poderia significar, em última análise, que o apoio destes seria destinado sobretudo para as despesas com o “funeral”...
8. É claro que o facto de se dizer que os Estados-Membros estão disponíveis para providenciar uma “safety-net” - ainda que apenas num caso extremo de recusa dos mercados em continuar a financiar - tem efeito na posição que estes tomam...os mercados ficam a saber que em última análise o conjunto dos Estados-Membros virá sempre suportar o “ente querido” no seu leito de sofrimento financeiro...e assim sendo nunca recusarem financiar...
9. Parece-me, todavia, que vai ser necessário definir bem as condições em que o apoio dos Estados-Membros pode ser dispensado, sob pena de qualquer dia a fórmula encontrada perder credibilidade e voltarmos à turbulência.
10. Outra questão prende-se com o papel reservado ao FMI:
– Em que medida pode o FMI intervir, sendo certo que as suas receitas tradicionais nos domínios monetário e cambial não têm qualquer aplicação neste caso?
- Irá o FMI fazer unicamente o papel de polícia do cumprimento dos objectivos orçamentais assumidos pelo Estado-Membro?
- Mas nesse caso que papel restará à Comissão Europeia a quem cabe actualmente essa incumbência?
11 São pois questões em aberto, de resposta nada fácil, talvez por isso a reacção dos mercados até este momento tenha sido tão cautelosa

10 comentários:

Manuel Brás disse...

... para aclarar a tragédia

A tragédia abraçada
após meses aflitivos,
uma acção embaçada
por diferentes motivos.

Foram dias desconcertados
enchendo páginas de jornais
com discursos disparatados
e outros ainda mais banais.

Das questões interpretativas
emergem nebulosidades,
só respostas intelectivas
aclaram as opacidades.

Ficam questões por responder
neste contexto nublado,
pois não se deve é vender
um gato mal esfolado.

Tavares Moreira disse...

Excelente abordagem do tema, caro Manuel Brás...creio que só mesmo em poesia será possível entender as regras do apoio extraordinário à Grécia!
Não poderá ser redigido em verso o regulamento aplicável a essa forma de apoio extraordinário, a aprovar pelo Conselho Europeu?
Se puder ser, temos desde já um forte candidato português para o desempenho dessa nobre tarefa!

Adriano Volframista disse...

Caro Tavares Moreira

Nas uniões internacionais existem crises, umas de crescimento e, outras dos dias do fim.
Pessoalmente, a conclusão a que chego é que estamos numa crise do segundo tipo.
Feita a declaração de interesses, vamos tentar fundamentar.

As condições da ajuda à Grécia que sairam da cimeira, só numa interpretação culmutiva dos seguintes adjectivos: pia, caridosa e bondosa permite considerar como um "bom" acordo. Como estamos em época do "fim dos dias", o jogo de sombras é o procedimento adequado, tem o senão de obnubilar os factos fundamentais.

A primeira condição é de uma simetria elegante numa face é completamente inócua e, na outra, igual de inoperante:
É necessário que o Estado demosntre incapacidade de poder-se financiar nos mercados internacionais. No caso grego, este requisito já se cumpriu, porque a taxa de juro a que obtêm os créditos, é incomportável no médio prazo para a Grécia; na verdade, o que a Grécia tentou foi conseguir obter credito ao preço alemão. Não o conseguiu. Por isso é inoperante.
Mas o negócio é redondo, porque os gregos bem podem invocar que não podem financiar-se que, os alemães, contrapõem com o facto das emissões não terem ficado desertas....
Por isso é inócua.
Entre o desejo de um e a interpretação do outro variam, uns 200 a 400 pontos base....não se pode pedir mais solidariedade com tanto rigor...

A segunda condição é um pouco mais inovadora e, demonstra o autismo em que se encontram as elites europeias; mas as circunstâncias concretas tornaram-na hilariante.
Vejamos:
Qualquer empréstimo seria apoiado e monitorizado pelo FMI na proporção de 2/3-1/3, sendo que a parte de leão seria suportada pelos membros do euro e o resto pelo FMI.
Nem sequer vou comentar os entorses de uma tal solução à carta de missão do FMI, o mal estar que provocou nos parceiros não europeus ou no perigoso precedente que criaria; não vou porque Dominique Strauss Khan (DSK) veio informar que o FMI não tinha sido consultado previamente e, mesmo que tivesse, não aceitaria (calculo que pelos motivos genéricos que aponto acima).
Estamos mais próximos de uma comédia de Max Sennet do que de um organismo internacional que se pretende sério....

No fim de semana passada o Presidente da Comissão conseguiu uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma; quer ficar com os louros? Nihil obstat....

Os gregos, metade dos europeus, juntos com 2/3 das elites europeias, laboram num monumental erro de cálculo: que a culpa passa para a terceira geração. Estão a constatar em directo que não é bem assim.
Só a culpa poderia "empurrar" os alemães para a solução proposta, sem ela, as objecções alemãs (acrescento, holandesas e filandesas)são mais fortes e impõem-se.

A conclusão, após uma análise fria, quer do acordo, quer da "linguagem corporal" da Alemanha (e dos outros países), é a seguinte:
A Alemanha não quer uma união monetária completa, ou, querendo-a, não pretende unir-se com alguns dos membros actuais; como o dinheiro é da Alemanha e, não existe capacidade de pressão eficaz, vamos seguir o que os alemães quizerem.

O actual Presidente da Comissão, no registo clarividente que nos habituou e numa demonstração de profundo sentido macro económico, não percebeu isso e, ou muito me engano, o Sr VanRompuy ( o desdenhado; o subvalorizado) está na senda segura de se tornar a Susan Boyle da União Europeia.

Estamos no início dos dias do fim....e, como nos divórcios, entrámos na fase da negação....

Cumprimentos
joão

Tavares Moreira disse...

Caro João,

A sua dissertação em torno deste tema contem alguns pontos que julgo merecerem atenta reflexão.
Na verdade, o "Acordo" entre os Estados-Membros do Euro tendo como pretexto a necessidade de apoio à Grécia pode bem ser, como diz, uma "mão cheia de nada", só para mercado vêr...e acreditar ou não acreditar?
O que está hoje a passar-se, com nova escalada do custo da dívida da Grécia - na ressaca da emissão de € 5 mil milhões de dívida ao prazo de 7 anos ontem efectuada pelos gregos e recebida com frieza pelo mercado - pode significar que o "Acordo" não é levado a sério, pelo menos quanto às suas implicações práticas...
Sendo assim, não sei se "vamos" ter de voltar ao tema, para inventar um novo Acordo, e depois outro e mais outro...
Até que se perceba que não há realmente nenhum "Acordo"?
Se assim for, estamos mesmo muito mal...

Adriano Volframista disse...

Caro Tavares Moreira

Na maioria das grandes crises ocorridas na europa, no seu início eram apenas crises; a incapacidade para pensar fora do quadro mental do momento, agiu como elemento exponenciador da mesma.
Pedindo desculpa pelo intróito pedante, parece-me que esta crise, pode transformar-se em algo muito grande, por causa dessa incapacidade de pensar "out of the box".
Veja a questão do ponto de vista um pouco menos "convencional":

Os gregos pretendem re equilibrar as finanças, através de crédito externo sem alienação de activos; os gregos, ao contrário de outros colegas do euro, consideram a soberania nacional e a propriedade dos activos, uma questão essencial. Isto de ter orgulho nacional, não será assim, tão demodé....
O custo do crédito que conseguem obter, com estes pressupostos, é proibitivo.
Como levatinos tentaram obter essas condições junto do clube a que pertencem: tinha resultado desde 1981, não existia motivo para não resultar. O resto é mais ou menos história recente.
Note que há cerca de 5/6 meses, entabularam negociações com a China, via Goldmann, para colocar 25 mil milhões de dívida (para ter uma noção, +/- metade do que necessitam este ano e, creio que a 10/15 anos). Os chineses pediram contrapartidas de activos, no caso, 10 % de um dos bancos locais.
Recusaram...
Para os gregos existem alternativas, mas sempre se tenta o melhor negócio.....no processo,(os gregos), envolveram a união, vendendo a ideia (em voga) que alternativas são o mesmo que opções.
De Munique é, ou não legítima formular a seguinte pergunta:
Porque será que o contribuinte alemão de hoje (e os seus filhos) deve(m) ser onerado(s), apenas porque o contribuinte grego não quer alienar activos; destinados a pagar dívidas destes e não daqueles???
Como vê o dilema de fundo: passar ou não para o estágio seguinte do processo de união monetária e económica, não desaparece,aliás, torna-se mais agudo.
Para o contribuinte alemão as incertezas que correriam se o processo de união monetária "se aprofundasse" tocam no mais fundo da sua psique....só a culpa/remorso poderia superar esse comportamento atávico.
Chegámos, no precurso europeu, a um ponto do qual não se pode avançar sem alterações quântica; neste momento, não existem nem quadro mental, nem "road book" para se poder criar as condições para esse "salto".
Os jogos de sombra são o método aconselhado, em momentos de falta de inspiração; possivelemente não vamos ter outro "Acordo", mas, também, não se avançará na agenda colectiva; a união será uma versão do Acordo EFTA com estetoirdes anabolizantes; ou na perspectiva de um "delorsiano" uma união económica, monetária e política descafeínada.

Nota lateral
Mais uma vez, o precurso grego serve de batedor para o nosso. O comportamento do governo grego é seguido com atenção pelo nosso: podemos sempre aprender como não fazer.
Mas, também, pode explicar melhor algumas soluções e, curiosamente, algumas escolhas.....

Nota de interesse: faço parte daquela metade dos europeus que acreditava que o remorso passava para a terceira geração, pelos vistos, enganei-me...

Cumprimentos
joão

Tavares Moreira disse...

Caro João,

Registo seu pensamento aprofundado sobre um tema que, ou me engano muito, ou vai dar ainda muito ue falar...estará apenas na sua infância...
Se quiser ter a bondade de ler o Post que acabo de editar sobre o insucesso hoje verificado na colocação de dívida grega a 12 anos, concluirá que nos vamos aproximando da hora da verdade quanto à eficácia do famoso Acordo...
Quanto tempo durará esse Acordo? Não será necessário já um novo?

Unknown disse...

Tenho seguido com muito interesse esta conversa e não posso deixar de salientar algo dito pelo João e que sintetiza tudo o que está a acontecer, porque está a acontecer e indica o que irá acontecer.

"Os gregos pretendem re equilibrar as finanças, através de crédito externo sem alienação de activos; os gregos, ao contrário de outros colegas do euro, consideram a soberania nacional e a propriedade dos activos, uma questão essencial. Isto de ter orgulho nacional, não será assim, tão demodé...."

Quer-me parecer que não são apenas os Gregos que pensam assim, são todos os Europeus. Precisamente porque na realidade nós não somos Europeus. Antes de o sermos somos Portugueses, Espanhois, Franceses, Ingleses, Gregos, etc, etc. E precisamente por isto é que a UE em todas as suas dimensões é apenas uma utopia que sempre teve prazo de validade. Aquilo a que estamos a assistir neste momento é o início do dobre a finados da moeda única que é sinónimo, aliás, de dobre a finados da União Europeia. Talvez dos cacos em que esta coisa toda vai implodir se salve alguma coisa e possamos ficar com o que era a antiga CEE.... A ver vamos.

Anónimo disse...

Tenho seguido com muito interesse esta conversa e não posso deixar de salientar algo dito pelo João e que sintetiza tudo o que está a acontecer, porque está a acontecer e indica o que irá acontecer.

"Os gregos pretendem re equilibrar as finanças, através de crédito externo sem alienação de activos; os gregos, ao contrário de outros colegas do euro, consideram a soberania nacional e a propriedade dos activos, uma questão essencial. Isto de ter orgulho nacional, não será assim, tão demodé...."

Quer-me parecer que não são apenas os Gregos que pensam assim, são todos os Europeus. Precisamente porque na realidade nós não somos Europeus. Antes de o sermos somos Portugueses, Espanhois, Franceses, Ingleses, Gregos, etc, etc. E precisamente por isto é que a UE em todas as suas dimensões é apenas uma utopia que sempre teve prazo de validade. Aquilo a que estamos a assistir neste momento é o início do dobre a finados da moeda única que é sinónimo, aliás, de dobre a finados da União Europeia. Talvez dos cacos em que esta coisa toda vai implodir se salve alguma coisa e possamos ficar com o que era a antiga CEE.... A ver vamos.

Adriano Volframista disse...

Paulo/Zuricher

Somos europeus, diante dos não europeus; basta passarmos uns dias, em qualquer país terceiro, para "sentirmos" a pertença.
Internamente, somos françeses, alemães, etc.
Mais de metade dos estados mais antigos do mundo encontram-se na europa; uma das duas únicas nações que consegue ler textos, (no seu próprio idioma), com mais de 2.000 anos encontra-se, tambem, na europa.
Convivemos entre todos há tempo suficiente para não existir grandes surpresas, nem facetas ocultas. O património comum, incluindo a religião, une-nos e divide-nos.
Como disse no meu segundo comentário, neste momento, o problema europeu são as elites que nos governam e o discurso perigoso, imbecil e "iluminado" que adoptaram.
Também passamos por sobre isso mas, não será sem custos....depende de nós, limitarmo-los.

Cumprimentos
joão

Anónimo disse...

Caro João, seremos mesmo Europeus? Ao longo da minha carreira profissional trabalhei sempre com o exterior, extra-Europa. Os meus colegas sempre me viram como Português antes de mais nada. E eu nunca disse que era Europeu. É algo que nunca me passou pela cabeça, sequer.

A Europa é demasiado diversa para poder assumir-se essa identidade. Eu antes de Europeu sou nacional de dois países. Europeu? O que é ser Europeu? São 27 países diferentes, com culturas diferentes, com interesses diferentes, histórias, agendas internacionais, povos, tudo diferente. É precisamente por isto que nunca acreditei na utopia europeia. Eventualmente se o que foi feito em 15 anos tivesse sido feito e espraiado ao longo de 100 pudesse ter alguma hipótese de vingar. Da forma rápida como foi feita tudo o que a UE estava à espera para implodir era duma qualquer crise interna ou externa. O que se passou com a invasão do Iraque devia ter feito tocar os sinos a rebate para aviso do que sucederia. Depois dessa mais questões menores se sucederam nas quais a utopia da UE foi posta a nú. Continuou a empurrar-se com a barriga. Neste momento, com uma crise interna, claramente a UE está a mostrar a sua verdadeira face: União Europeia é uma ficção, um sonho bonito meramente. Existem 27 países, simplesmente.

Ninguém ouviu os sinos a tocar a rebate. Temo que o seu dobre a finados seja demasiado intenso para alguém tentar não o ouvir.

P.S. 1: Interessante a notícia de hoje da Grécia, depois do fiasco de ontem, pensar em emitir dívida denominada em USD.

P.S. 2: Peço desculpa aos donos do espaço e comentadores por ontem, ao postar o meu comentário, ter uma vez mais (é a 2a vez... :() trocado as contas de email com que fiz login para o colocar. Se algum dos gentis anfitriões fosse amavel e apagasse o comentário sob o nome "Paulo" penhoraria os meus agradecimentos.