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segunda-feira, 8 de março de 2010

De cada vez que dizem que o jornalista é o mensageiro, sorrio...

Segundo os dicionários, noticiar é o acto de informar sobre os factos de que se tomou conhecimento. Hoje, porém, a sobrevivência dos media, feita exclusivamente à custa da venda de publicidade e do estabelecimento de relações de poder (e com o poder), gera a necessidade de condimentar os factos em função do que se pensa serem os gostos das audiências em disputa. Quando, pois, o marasmo se instala ou os factos não pagam a gasolina do carro de exteriores, há que ser inventivo.
Sobretudo as TV encontraram técnicas diferentes para que os factos sejam apresentados de modo a cativar mais atenção e gerar mais audiências, e, logo, mais receita. Ainda que à custa da invenção de novos "factos", mais convenientes, mais mediáticos.
Verificando o êxito que entre nós grangearam os fabricantes de factos, sobretudo de factos políticos (todos sumamente inteligentes!), a SIC há muito que aposta na transformação do facto por via do comentário ou da análise. Para isso fez de jornalistas - alguns dos seus próprios quadros - comentaristas e analistas encartados, aos quais junta um ou outro politólogo da moda. E a propósito de cada acontecimento, por mais objectivo e linear que seja, reune os ex-jornalistas e os cientistas da polis à volta de um pivot, cujo papel é o de debitar as "deixas" que lhe sopram da regie. E lá vão reiventando, reinterpretando, explicando ao povo ignato o que sendo óbvio tem a sua complexidade oculta, procurando o sentido escondido das palavras do político A, o significado do gesto, do esgar, da postura do líder B, para chegar quase sempre à conclusão de que o facto não é o que é, é antes o que eles dizem que deve ser.
A RTP tem tendido para este modelo, embora reconheça que é a estação que menos tem apostado no transformismo.
Já a TVI não está cá com sofisticações. Quando os acontecimentos não despertam a menor emoção, há que construir a verdadeira notícia ainda que seja ténue a relação com a realidade. Assisti a um exemplo disso hoje mesmo nos noticiários da manhã, a propósito da visita do Presidente da República a Barcelona e a Andorra onde apelou ao aprofundamento das relações económicas e às parcerias, elogiou o esforço dos jovens ali deslocados, exaltou o valor do trabalho das comunidades portuguesas ali instaladas, homenageou as vítimas de um terrivel acidente. Que significado para a jornalista teve esta viagem presidencial? Este, expresso mais ou menos nestas palavras: "E assim terminou a visita de Cavaco Silva, marcada por um novo tabu, o tabu da sua recandidatura às presidenciais".
Assim se "marcou" uma visita de Estado.
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E.T. - Nem de propósito. Enquando escrevia esta nota, recebi uma newsletter de um dos candidatos a líder do PSD. Pois não é que dedica mais espaço ao que os comentaristas e analistas disseram dos debates televisivos em que participou, do que as mensagens que o candidato neles quis fazer passar?
Não percebo, por isso, de que se queixam os políticos quando acusam o jornalismo de falta de objectividade. Exemplos como este revelam à saciedade que o que é subjectivo é que é bom ... quando lhes é favorável, claro.

4 comentários:

Pinho Cardão disse...

A partir de um conjunto de produtos simples, que reproduziam com maior ou menor rigor os "fundamentais" das empresas ou da economia, os Bancos construíram produtos estruturados complexos, produtos de produtos, produtos de índices ou índices de índices cuja ligação à realidade se foi tornando cada vez mais ténue ou nula. Foram vendidos em todo o mundo como excelentes aplicações financeiras, mas muitos não passavam de produtos tóxicos.
Os media criticaram e verberaram e justamente condenaram estes produtos e estes procedimentos.
Contudo, ao mesmo tempo, produziam e promoviam produtos estruturados tóxicos informativos, que vendiam e vendem para aumentar audiências e proventos.
O Ferreira de Almeida aponta de forma magistral a produção destes produtos tóxicos informativos.

Carlos Monteiro disse...

O meu caro Ferreira de Almeida insiste em ignorar o meu desafio...

Anónimo disse...

Presumo que seja o que ficou lá para trás, meu caro cmonteiro. Se foi, não entendo que mal é que eu lhe terei feito...

Carlos Monteiro disse...

Por outro lado, perder a oportunidade de o ler diariamente...

Tem razão, retiro o desafio :)