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segunda-feira, 8 de março de 2010

O PEC e os Naked CDSs

A propósito da dívida grega, os CDSs (Credit Default Swaps, não confundir com o CDS de Portas...) foram um dos novos produtos financeiros (derivativos) que passaram a estar na moda na informação generalista. Os CDSs, no fundo, são um seguro. E traduzem a percepção do mercado quanto à probabilidade de não cobrança de um crédito, maior ou menor, de acordo com os “fundamentais”, no caso o estado das finanças públicas e economia gregas. Assim, um CDS de 3% pode significar, por exemplo, que um investidor estima que existe uma probabilidade de 10% de o Estado grego não honrar 30% dos juros e reembolsos. Ou que há uma probabilidade de 30% de não honrar 10% dos juros e reembolsos. O investidor que compra um CDS fica seguro que, nesses limites, não perde dinheiro e, pela estrutura do preço da dívida, ganhará apenas o que ganharia emprestando ao padrão, Alemanha. O investidor que não compra o CDS ganha mais, se não houver falha nos pagamentos, mas perde, se houver. Por sua vez, a entidade que vende o seguro tem a expectativa de que a falha de pagamentos não se dará. O jogo tem sempre uma soma nula.
Disseram alguns, aliás erradamente, que os CDSs constituíram uma forma de especulação e ataque à dívida grega, encarecendo o seu preço. Não é verdade. Os ataques especulativos poderão ter existido, mas a partir de um outro derivado financeiro semelhante, o Naked CDS.
O Naked CDS é um derivativo financeiro através do qual um Banco ou um Hedge Fund compra um CDS, mas não tendo dívida por detrás para segurar. A coisa passa-se do seguinte modo: o Banco, depois de estudado o produto, no caso a dívida grega, conclui que as condições se vão deteriorar e o preço vai subir. Sem ter dívida em carteira, compra um CDS ao preço de mercado. Se a previsão se efectivar e as condições se deteriorarem, ele aparece no mercado a vender o CDS que tinha comprado e realiza um lucro, por ter comprado mais barato, quando as condições eram melhores. Mas pode perder, se a previsão não se realizar e não vender o CDS que tinha adquirido.
Os NCDSs podem configurar um ataque especulativo, encarecendo o custo da dívida. Pois se se verifica uma inusitada compra de CDSs, tal significa que se percepciona uma alteração de risco de mercado e se a compra se faz por preços mais elevados é porque o risco é maior. Esta conduta por parte dos que adquirem CDS não tendo dívida pode conduzir a uma espiral de alta de taxas, levando os possuidores de dívida em carteira a acomodar-se à nova situação, comprando CDSs, aparecendo de imediato a oferta por parte de quem os possuía para vender, por não terem dívida subjacente.
É provável que muitos Bancos ou Hedge Funds tenham feito apostas sobre a validade do nosso PEC e a evolução da dívida pública portuguesa. Por isso, não me admiraria nada que este exótico produto passasse a ser objecto das nossas conversas diárias. Depois de Portas e do seu CDS, atenção pois aos Naked CDS. E será tanto maior a especulação quanto mais frágil for o PEC.

11 comentários:

Rui Fonseca disse...

Caro A Pinho Cardão,

Transcrevo uma citação e um pequeno comentário que há pouco te fiz chegar por outro meio:

""Credit default swaps played a nefarious role on the current crisis for several reasons. Without properly assessing wether the seller of the insurance could honor his promise, people weren´t just buying insurance - they were gambling. Some of the gambles were most peculiar and gave rise to perverse. Some of the gambles were most peculiar and gave rise to perverse incentives.
In the United States and most other
countries, one person can´t but buy insurance on the life of another person unless he has some economic interest (called an insurable interest). A wife can buy insurance against the death of her husband;a company against the death of key personnel. But if Bob takes out an insurance policy against Jim, with whom he has no connection, it creates the most perverse incentive: Bob has an interest in insuring Jim´s early demise.
...
The United States has very strong regulation of life insurance, but
there was no regulation of the kind of insurance that financial
institutions were buying to manage their risk. In fact, America´s financial markets has resisted such regulations, ..."

(Stiglitz - Freefall)

O que é extremamente preocupante, a este respeito, é a continuação da
ribalderia e a nossa imensa ignorância da sua dimensão.

Deste tipo de negócios deveriam ser apenas autorizados "bancos vermelhos", uma espécie de casinos dedicados ao jogo financeiro para jogadores autorizados, sujeito às leis do jogo, tributação incluída.

Pinho Cardão disse...

Caro Rui:
Não vou assim tão longe como o meu amigo.
De qualquer forma, os derivativos em causa, como muitos outros aliás, têm o alcance mais de uma aposta do que a cobertura de uma necessidade financeira.
Se, embora baseada em análises dos fundamentais, uma instituição prevê uma deterioração do risco de determinado agente, pode apostar na efectivação desse risco e compra CDS sem activo subjacente. Claro que, de imediato, procura fazer sentir a necessidade do produto a quem detém efectivamente o activo. Vistas assim as coisas, o produto não é mau em si. O abuso do mesmo é que propicia especulação violenta e pode atingir de morte a vítima, através da criação de expectativas de grande risco, fazendo subir as taxas de juro.
Para mim, a grande objecção é de natureza ética ou filosófica. As operações devem ter um activo subjacente para transaccionar, o que não é o caso dos NCDS.
Sabes também que há defensores, com certa lógica, do produto. Dizem eles que propicia a liquidez no sistema: é mais fácil conceder um crédito, se houver cobertura e a existência de agentes que transaccionem os NCDS facilita a cobertura. E também sustentam que a negociação à luz do dia dos NCDS é factor susceptível de conhecer as expectativas de risco da empresa ou estado. A questão é que os preços podem ser facilmente manipulados. Diz-se que, no caso da Grécia, a entidade financeira que montou as operações QUE CRIARAM CONDIÇÕES PARA o país aderir ao Euro, através de operações de securitização que envolviam, imagine-se, foi a mesma que produziu recomendações negativas sobre a dívida grega, após a compra de NCDS...
A questão está, como tu bem o demonstraste, muito acesa, nomeadamente nos EUA , onde os NCDS atingem mais de 25 triliões de dólares. E creio que virão a ser, não banidos, mas fortemente regulamentados. Como é lógico.

Pinho Cardão disse...

O último período do penúltimo parágrafo está ininteligível, pelo que deve ler-se assim:
Diz-se que, no caso da Grécia, a entidade financeira que montou as operações QUE CRIARAM CONDIÇÕES PARA o país aderir ao Euro, através de operações de securitização que envolviam, imagine-se, FUNDOS A RECEBER DA UE, foi a mesma que produziu recomendações negativas sobre a dívida grega, após a compra de NCDS...

João Aleluia disse...

Só para dizer que um contrato de CDS é exactamente igual ao do NCDS. São exactamente o mesmo produto.

A diferença é só eu deter o activo que estou a segurar ou não.

Quando se diz que o aumento do preço dos CDSs tornou o endividamento da grecia mais caro, é uma afirmação correcta.

Esclarecida a questão técnica :P aproveito para dizer que considero que se devia fazer com os NCDSs o que já se fez noutros mercados de derivados, estabelecer position limits, de preferência em percentagem do valor total do mercado do respectivo CDS. Deste modo havia liquidez, evitava-se a manipulação do mercado, e ainda se premiava os especuladores verdadeiramente "forward looking" e não o "herd behaviour" da industria financeira.

Pinho Cardão disse...

Caro João:
De facto, a diferença é a posse ou não do activo, o que faz a sua diferença...
...Diferença que está na base e sustenta muito do "herd behavior" da indústria financeira.
A solução que dá seria boa se impedisse que nenhum especulador se posicionasse nesta última categoria. O que é impossível.
"Forward looking" seriam, em tese, os grandes bancos de investimento, como a Goldman, ou o Lheman. E sabemos como estes bancos se comportaram em muitas situações, nomeadamente a Goldman na crise grega.
De modo que, caro João, a minha faceta liberal faz com que me rebele contra proibições desses produtos, até porque são úteis, se bem utilizados; mas os abusos descarados que se vêem e a absoluta falta de ética de alguns operadores justificam uma forte regulação.

Tonibler disse...

O PEC é um lixo sem uma única medida estruturante, se for por aí...

Quanto aos CDS's, regulados eles são e mais regulados não podem ser. Na realidade, são regulados por todos os reguladores do mundo. O problema é que são regulados por gente que não percebe o fundamento do próprio negócio e, contra isso, batatas. Se não forem CDS's é outra coisa qualquer e a história da dívida de hoje é igual à história da moeda há 10 anos. Enquanto os reguladores não perceberem o fundamento do negócio, regulação só vem dar uma falsa sensação de segurança que, como todos sabemos, é muito pior que não saber.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Eu sei que é lateral, mas por que razão os economistas falam em "fundamentais" em vez de falar em fundamentos, fundações, alicerces ou mesmo princípios (básicos se se quiser ser mais preciso) da economia?
henrique pereira dos santos

Pinho Cardão disse...

Caro Henrique Peeira dos Santos:
A palavra em questão tem a sua origem numa simplificação utilizada pelo pessoal do research financeiro. Quando estudam uma empresa, analisam os seus dados fundamentais. Na divulgação das conclusões,simplifcavam, passando a eliminar a palavra "dados", referindo-se apenas a "fundamentais",substantivando o adjectivo.
Não é caso único na língua portuguesa.
Da análise financeira o termo passou para a análise da economia, ou dos dados macroeconómicos. E trouxe os "fundamentais" da economia.
Fundamentos, fundações ou alicerces, como propõe, não será a palavra adequada para exprimir o conceito. A forma mais correcta será dados fundamentais ou dados estruturais. Embora não me revendo muito na palavra, e porque estive na arte financeira durante vários anos, também vou usando os "fundamentais".

João Aleluia disse...

"A solução que dá seria boa se impedisse que nenhum especulador se posicionasse nesta última categoria. O que é impossível."

A ideia do position limit nos NCDS é não permitir que os especuladores determinem o preço dos CDS. O motivo pelo qual especulam não interessa, se houver um limite nas posições descobertas que podem existir, não existe herd behaviour porque apenas os primeiros especuladores conseguem obter NCDS. A partir do momento em que o mercado se torna "one sided" a quota de NCDS em percentagem do total de CDS é rapidamente atingida e apenas quem possua o activo a segurar pode adquirir o respectivo CDS.

Os detentores dos NCDS podem então começar a transacionar os
NCDS existentes entre si, mas esta pratica terá pouco impacto, uma vez que quem tenha o activo subjacente pode comprar um CDS sem estar sujeito ao limite e portanto os detentores de NCDS não conseguiram inflacionar significativamente o seu preço.

Esta pratica existe no mercado de futuros há muitos anos, embora recentemente tenha sido infelizmente pouco aplicada.

Pinho Cardão disse...

Caro João:
Conheço algo da matéria, mas há uns anos que não estou em contacto directo ou indirecto com a arte. Não estou completamente convencido, mas admito que possa ter razão.
Todavia, o assunto está a preocupar as próprias altas autoridades americanas.

Pinho Cardão disse...

Caro Tonibler:
Não deixa de ter alguma razão, no que respeita aos reguladores. Mas também nestes há excepções boas.