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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Chita!


Morreu a Chita. Fiquei muito surpreendido, porque para morrer agora teria de ter muitos anos e que eu saiba os chimpanzés não vivem tanto. Não importa, pode ser um caso de longevidade extrema ou, então, de usurpação de identidade.
Recordo-me dos deliciosos livros aos quadradinhos com o Tarzan, a Chita e a Jane. Devorava as histórias, considerava-as muito atraentes, havia algo de mágico difícil de explicar para uma criança. Quando tive oportunidade de ver o primeiro filme fiquei deslumbrado por ver em movimento o que via no papel.
Esta vivência fantasiosa deverá ter-me marcado imenso e permitiu, agora que penso nisso não tenho dúvidas, respeitar e admirar os chimpanzés. Sempre me senti constrangido como foram e são tratados estes animais, nomeadamente na investigação científica. Recentemente, a descodificação dos genomas humanos e dos chimpanzés veio revelar o elevado grau de semelhança em termos genéticos. Partilhamos cerca de 98,5% dos genes. Se em termos fisio-anatómicos as diferenças são óbvias, em termos comportamentais e cognitivos os chimpanzés também revelam sentimentos, inteligência e têm as suas formas de comunicação.
Tem-se discutido muito se não deveremos inclui-los no género Homo, ficando com três espécies: o Homo troglodytes (chimpanzé comum) o Homo paniscus (chimpanzé pigmeu) e o Homo sapiens (chimpanzé humano).
O Instituto Nacional de Medicina, presidido pelo assumido cristão evangélico Francis Collins, acaba de recomendar a suspensão de financiamento a toda a investigação que envolva estes animais, o que lhe valeu o reconhecimento de cientistas não religiosos. Na base desta decisão está precisamente o tal reconhecimento de identidade com os seres humanos, o que, para o núcleo duro dos cristãos, que negam a alma a qualquer animal não humano, é de realçar. De facto há em toda esta história dos seres humanos algo mal contado, como o direito a ter "alma", o que lhes permite provocar "descontinuidade" entre "Nós e os Outros", quando, na realidade, existe apenas "continuidade" entre todos os seres vivos, como é percetível através da evolução. Outro aspeto, também duvidoso, tem a ver com o direito de suserania relativamente aos "outros" e ao ambiente, baseado, entre nós, ocidentais, precisamente na Bíblia. Estas atitudes ou interpretações poderão ser responsáveis pelas atrocidades cometidas contra o ambiente, contra as outras espécies e também contra si próprio.
Voltando às aventuras com Tarzan, poderei especular que a singularidade, a beleza e a atração exercidas pelos intervenientes terão a ver precisamente com a não existência de "descontinuidade" entre espécies, sobretudo entre o Homo troglodytes e o Homo sapiens, a não reivindicação de alma por parte do humano e o não "direito" a ser proprietário dos outros e do espaço envolvente. Sendo o ser humano mais inteligente, competir-lhe-á, isso sim, exercer a função de guarda e de segurança de tudo o que o rodeia, protagonizado pelo Tarzan nas suas aventuras, sempre acompanhado da fiel Chita.
É curioso como certas histórias encerram significados e ensinamentos tão belos, que só agora me apercebi, mas que entretanto não deixaram de produzir os seus efeitos.
Ainda bem, Chita. Obrigado.

4 comentários:

Suzana Toscano disse...

Outro dia vi que fizeram "crescer" a Mónica e o Cebolinha, com banda desenhada onde aparecem adultos, vi que a Mafalda "tem" 40 anos, enfim, a Chita não devia ter morrido nem os outros cresceram, o que interessa é como os fixámos na nossa infância, vão existir sempre e ficar sempre crianças, isso podemos nós decidir e ninguém tem nada com isso. A Chita, o Tarzan e a Jane,guarde-os bem e não leia essas notícias, quem precisa de se actualizar nisso? Um abraço.

Bartolomeu disse...

Aprecio imenso a sinceridade.
Assim, e em consequência, devo confessar que o título do post me remeteu de imediato para os vestidos em algodão estampado, que as mãos abilidosas das portuguesas, verdadeiras fadas dos idos de 50 e 60, confeccionavam.
Lembro-me de, tal como os deliciosos filmes do Tarzan da Chita e da Jane, terem marcado uma época e, até certo ponto... uma ideologia. Uma época em que se conseguia achar um sentido edificante para tudo, porque a maioria deste "tudo", nascia das mãos e do engenho de todos.
Hoje, espantamo-nos por vezes, como era possível que tantas coisas funcionassem tão bem, sem os meios de que hoje dispomos. Estou a lembrar-me por exemplo e porque ainda ha muito pouco tempo, relembrando um saudoso médico de Seia, o Doutor Guilherme e em contraposição com a actualidade, os diagonósticos eram feitos sem recurso a exames em máquinas sufisticadas e sem necessidade de recorrer à opinião de uma equipe.
Estranhos tempos aqueles, em que um médico, por auscultação, identificava (quase) sem erro, o mal que apoquentava o doente...
Não quero dizer com isto, que não reconheça a evolução, tanto no diagonóstico como no tratamento das múltiplas doenças. Aquilo a que me refiro concretamente, é à perca do sentido da... apalpação e da auscultação... importantíssimos, em meu entender.
;))

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Professor Massano Cardoso
Li a notícia da morte da Chita. Li que morreu com 80 anos (equivalente), teve uma vida longa. Voltei a lembrar-me dela, se bem que nunca a tivesse esquecido. Adorava a Chita. Faz parte da minha costela de criança, aquela que todos temos.

Ilustre Mandatário do Réu disse...

depois da mecânica quântica a descontinuidade é mais fácil de digerir.

sobre a alma não é certamente o mais importante, importante mesmo é a criação de um ser à imagem e semelhança de deus.

ora ergue-se a questão qual o hominídeo criado à verdadeira imagem e semelhança.

ficamos pois na dúvida se deus não seria mais ou menos peludo e o sapiens sapiens uma criatura já fora de controlo.

interessante interpretação esta do pecado original, agora associado à perca de pêlo do sapiens sapiens...