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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Quem se lembra dos anos 70?

"Mesmo antes da efervescência dos anos 60 ter acalmado, as circunstâncias únicas que a tinham tornado possível já tinham passado para sempre. (…) Os “trinta gloriosos anos” da Europa Ocidental deram lugar a uma época de inflação monetária e a taxas de crescimento em queda, acompanhadas por desemprego generalizado e descontentamento social. (…) A depressão dos anos 70 parecia pior do que foi devido ao contraste com o que se passara antes. (…)No entanto o sofrimento era real, piorado pela crescente concorrência nas exportações dos novos países industrializados na Ásia e cada vez maiores custos de importação quando as matérias primas (e não só o petróleo) aumentaram de preço. As taxas de desemprego começaram a subir, regular mas inexoravelmente (…).
A combinação do desemprego estrutural, facturas cada vez maiores de importação de petróleo, inflação e exportações a descerem, conduziu a defices orçamentais e a crises de pagamento por toda a Europa Ocidental. (…) as contas da Grã-Bretanha estavam na altura em defice crónico – de tal maneira que em Dezembro de 1976 houve um sério risco de falta de pagamento nacional e o FMI foi chamado a avalizar a Grã-Bretanha. Mas os outros estavam pouco melhor. (…) A recessão dos anos 70 permitiu uma aceleração na perda de empregos em praticamente todas as indústrias tradicionais (…) Em 1978, o chanceler Helmut Schmidt, da Alemanha Ocidental, propôs um Sistema Monetário Único (SME) (…) Como solution de riguer, o SME funcionaria mais como o Fundo Monetário Internacional (ou como a Comissão Europeia e o euro em anos posteriores): obrigaria os governos a tomar decisões impopulares que esperavam poder atribuir às regras e tratados concebidos no exterior. (…) Os benefícios tácticos de um tal passo eram óbvios: mas teriam o seu preço.
Tal como no passado, o impacto redistributivo da inflação, piorado pela endémica elevada tributação do Estado moderno prestador de serviços, foi mais severamente sentida pelos cidadãos da classe média. Foram as classes médias também que mais perturbadas ficaram com a questão da “ingovernabilidade” (…).
Na verdade, o simples facto de parecer que os dirigentes europeus tinham perdido o controlo era em si uma fonte de angústia pública – tanto mais que os políticos, como dissemos, viram alguma vantagem em insistir na sua própria incapacidade. Denis Haley, ministro das finanças no infeliz governo trabalhista de meados dos anos 70, lamentou os milhões de euro dólares que circulavam pelo continente, obra dos “homens sem rosto que geriam as crescentes nuvens atómicas de fundos livres que se tinham acumulado nos euro-mercados para fugirem ao controlo dos governos nacionais”. Ironicamente, o próprio partido tinha sido eleito em 74 devido à aparente incapacidade dos conservadores de mitigarem o descontentamento público – apenas para se ver acusado de comparável incompetência, e pior, ainda nos anos seguintes.
Na Grã-Bretanha falava-se mesmo da insuficiência das democracias perante as crises modernas e havia alguma especulação na imprensa sobre os benefícios de um governo de estranhos desinteressados, ou coligações “empresariais” de peritos não políticos”. (…)
Por detrás destas nebulosas agitações de dúvida e desilusão estava uma muito real e, segundo parecia na altura, presente ameaça. (…) Pelos padrões das décadas entre guerras, as ruas das cidades da Europa eram notavelmente seguras (…) Nos anos 70, as coisas ficaram mais sombrias. (…) a brusca e sustentada quebra económica, juntamente com a violência polítca generalizada, encorajaram o sentimento de que “os bons tempos” da Europa tinham passado, talvez por muitos anos ainda. (…) Num mundo mais ameaçador, garantir os interesses próprios tomava precedência sobre a promoção de causas comuns.”

Tony Judt, in Pós Guerra, História da Europa desde 1945, ed. 70 (cap. XIV, Expectativas Diminuídas)

7 comentários:

jotaC disse...

"Não há fome que nunca acabe, nem fartura que sempre dure"!...

Foi ontem? É hoje? Até parece que nunca chegámos a sair deste círculo desenhado sabe-se lá por quem!...

MM disse...

Preciosa síntese, Dra. Suzana! Para que não se esqueça a história e as vulnerabilidades do mundo...

Floribundus disse...

também ando a ler este livro do judeu que foi comuna, sionista ...

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Aprende-se muito com a história, mas não deixa de ser irónico que não se aprenda e se insista nos mesmos caminhos. O homem não mudou, sofisticou-se, para o bem e para o mal...
Já comprei o livro, mas ainda não comecei a ler.

manuel.m disse...

Suzana :
Faria um bom serviço aos seus leitores se traduzisse também passagens de outro livro de Tony Judt "Ill fares the land" cujo titulo é retirado de um poema de Oliver Goldsmith:

"Ill fares the land, to hast'ning ill a prey,
Where wealth accumulates, and men decay..."

Poderá talvez começar por esta :
"...The moral impulse is unimpeachable. But republics and democracies exist only by virtue of the engagement of their citizens in the management of public affairs. If active or concerned citizens forfeit politics, they thereby abandon their society to its most mediocre and venal public servants...”
― Tony Judt, Ill Fares the Land

Tavares Moreira disse...

Cara Suzana,

Este seu interessantíssimo Post trouxe-me à memória um livro que na altura fez furor, da autoria de J.J.S. Schreiber, "Le défi americain", que me recordo de ter lido com alguma curiosidade,no qual muito se especulava sobre o mercado dos euro-dólares, recém nascido, supostamente um instrumento de interesses americanos com o desígnio de dominar economicamente o velho continente...

Paulo Pereira disse...

Cara Suzana Toscano,

A inflação dos anos 70 não foi monetária, foi devido essencialmente à quadruplicação do preço do petroleo em 1973 e depois a um aumento de 50% em 1979.

Além de que mesmo assim o crescimento económico foi mesmo assim superior ao dos anos 2000-2010, paraiso dos anti-inflacionistas Hard-Money.