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terça-feira, 11 de março de 2014

Reestruturação da dívida pública: razões de uma (profunda) discordância...

1. Foi hoje divulgado um Manifesto, subscrito por 70 personalidades de reconhecido mérito da vida pública nacional, no qual é feito um apelo à reestruturação da dívida pública portuguesa.

2. Tendo lido o documento, que como expressão de opinião sobre um magno tema da nossa vida colectiva respeito, cabe-me enunciar as razões que me levam a discordar, profundamente, de tal proposta.

3. Em 1º lugar, considero que uma qualquer proposta de reestruturação de dívida, da iniciativa de entidade pública ou privada - “maxime” quando se trata do Estado e tendo em conta a enorme dimensão da dívida deste - para ser uma proposta consistente e consequente deveria, simultaneamente, apresentar um conjunto de medidas que assegurassem, de forma duradoura, a utilidade e eficácia da reestruturação...

4. ...por palavras mais simples, medidas que garantam não se tratar de uma simples panaceia com efeitos temporários, que durará somente até ao próximo pedido de reestruturação, e depois a mais outro, até ao completo descrédito do devedor...

5. No caso do Estado Português, um tal conjunto de medidas traduzir-se-ia naquilo que tantos vêm reclamando há tanto tempo, ou seja a “Reforma do Estado”: uma revisão extensa e detalhada das estruturas políticas e administrativas do Estado, tanto no nível central como no regional e autárquico, incluindo as adjacências do tipo Fundações, EPEs, empresas públicas regionais, empresas municipais, and so on...

6. ...que permitisse escrutinar, fundamentadamente, todas as estruturas supérfluas, redundantes ou desproporcionadas e que apresentasse um plano, de médio/longo prazo, para eliminação progressiva desses excessos, plano esse que deveria ser acompanhado de uma previsão da inerente redução da despesa pública resultante dessas medidas.

7. Em resumo, avançar uma proposta de reestruturação sem antes ou simultaneamente cuidar de apresentar um projecto sério de Reforma do Estado parece-me algo de semelhante à velha ideia de “por o carro à frente dos bois”, suscitando um elevado risco de “moral hazard”: significa seguir pelo caminho mais fácil, incentivando a manutenção de atitudes de acomodação para, passados uns anos, voltar à carga com nova reestruturação (insolvência, para sermos claros)...

8. Em 2º lugar, tenho muita dificuldade em entender porque é que o Estado, que não hesitou em exigir das Famílias e das Empresas um enorme esforço, por vezes brutal mesmo, de ajustamento das suas vidas e dos seus balanços, bem como (no caso das empresas) uma radical mudança dos seus modelos de negócio – com enorme sucesso, como bem sabemos, traduzido na rápida correcção dos graves desequilíbrios económicos e financeiros que afligiram anos a fio a economia portuguesa...

9. ...porque é que o Estado deve furtar-se a esse esforço de ajustamento - não se limitando aos cortes já efectuados em determinadas rubricas da despesa, em especial da despesa social – e não deva seguir o exemplo das Famílias e das Empresas? Qual a justificação para tal excepção? Não entendo.

10. Quem sabe se, por exemplo, com uma adequada reforma das suas estruturas, até se viria a concluir que o Estado é capaz de gerar excedentes primários suficientes para começar a reduzir a imensa dívida pública?

11. Então aí, sim, poderíamos ter argumentos, sérios, substantivos, meritórios, para propor aos credores um alívio permanente no serviço da dívida.

12. Nas condições actuais, sem um trabalho de casa devidamente concluído, não me parece que os credores nos levassem minimamente a sério e tenho mesmo a suspeita de que os efeitos de uma iniciativa de reestruturação da divida tal como é sugerida pelo Manifesto, acabariam por ser totalmente opostos aos enunciados pelos seus ilustres subscritores...

13. ...e lá se ia a reestruturação mais a credibilidade externa que com tanto esforço tem vinda a ser recuperada!

14. Tinha ainda outras razões, nomeadamente aquilo que me parece a (in)oportunidade desta iniciativa, a poucas semanas do fim do PAEF (que contraste em relação à Irlanda!), mas este Post já vai demasiadamente longo...

16 comentários:

opjj disse...

Concordo em absoluto.
Muita parra e pouca uva em tantas cabeças.


cumprimentos

Anónimo disse...

Caro Tavares Moreira, talvez esta gente devesse aprender com o que fez o Doutor Salazar no final da década de 1930. Nomeadamente aprender o timing das coisas, o que foi feito para consolidar a credibilidade no entretanto (a tal garantia de que é uma vez sem exemplo) e o que fez posteriormente para manter as finanças públicas saudaveis.

O actual governo não tem credibilidade para poder fazer uma reestruturação da dívida com sucesso e muito menos há quaisquer garantias para a sua trajectória futura.

Brytto disse...

1-Quero parabenizar os manifestantes pela oportunidade, dando uma lição de verdadeiro patriotismo, uma vez que estamos a dias do fim do programa de ajustamento e as taxas de juro têm vindo perigosamente a baixar demasiado, faz todo o sentido falar em reestruturação da dívida para que as taxas deixam ainda mais.
2- Parabenizar também a comparação de Portugal com a Alemanha do fim da guerra, é sinal que compreendem bem o grau de devastação que as suas acções deixaram no país. Um mea culpa é sempre bem-vindo.
3- Parabenizar mais uma vez por terem razão quanto à necessidade da reestruturação. Ela já foi feita e irá continuar a ser feita, é um processo continuo, paciente, que deverá ser feita passo a passo e nunca na praça pública. Como dizia Miguel Cadilhe, é para ser feita nos corredores do poder!...

Brytto disse...

Errata:
Desçam em vez de deixam

Diogo disse...

“Reforma do Estado”

1 - É boa! Estava convencido que os pedidos de empréstimo a lucros agiotas servia para ajudar os bancos (por causa do perigo de contágio, disseram). Embora todos eles tenham na última década apresentado lucros brutais.

2 - E como é que os bancos não apresentariam lucros fabulosos quando o BCE lhes empresta dinheiro à borla e eles têm a pregorrativa de o emprestar a juros criminosos a Estados, Empresas e Famílias?

3 – Porque é que, praticamente em simultâneo, tantos países europeus viram duplicar a sua dívida?

4 – Porque é que a “Reforma do Estado” há-de ser menos onerosa do que era? Os serviços públicos não podem ser melhores e abarcar mais gente do que antes? As empresas privadas não podem ganhar mais, investindo mais em termos humanos e de capital? Ou só o podem fazer cortando nos custos?

5 – Porque é que Estados, Empresas e famílias «têm a obrigação» de alimentar o parasitismo bancário, caro Tavares Moreira?

Floribundus disse...

comemoração do 11 de março (ml)

os Russos dizem:
«quem paga manda dançar»

Diogo disse...

Diogo - Sobre o 11 de Março, há tempos, algo inexplicavelmente, o Canal História trouxe a lume, apresentando provas bastante consistentes, esta exposição do terrorismo americano contra cidadãos europeus ocidentais em solo do velho continente. (Posso enviar-lhe o documentário se quiser). Também pode ler aqui:


A estratégia da tensão - O terrorismo não reivindicado da NATO

Daniele Ganser, professor de história contemporânea na universidade de Basileia e presidente da ASPO-Suíça, publicou um livro de referência sobre os "Exércitos secretos da NATO" . Segundo ele os Estados Unidos organizaram na Europa Ocidental durante 50 anos atentados que atribuíram mentirosamente à esquerda e à extrema esquerda para as desacreditar aos olhos dos eleitores. Esta estratégia continua hoje em dia para criar o temor do Islão e justificar as guerras do petróleo.

Henrique Pereira dos Santos disse...

A minha única discordância é com tanta coisa sobre a reforma do Estado.
Confesso que para mim há duas medidas de reforma do estado, simples e rápidas:
1) Cortes cegos nos orçamentos (não acredito em nenhum outro modelo de reforma do Estado e mesmo neste só acredito que seja praticado em estado de necessidade;
2) Permitir o despedimento de funcionários públicos por extinção do posto de trabalho. Mesmo que nunca se despedisse um funcionário público, a simples possibilidade faria uma revolução na administração pública.
henrique pereira dos santos

Domingos disse...

Será correcto designar "como personalidades de reconhecido mérito" um conjunto de gente que subscreve semelhantes ideias?
Ainda por cima alguns deles antigos responsáveis pelas políticas que aqui nos conduziram?
Também se pode ser conivente argumentando ideias contrárias.

Joao Jardine disse...

Caro Tavares Moreira

O Manifesto é a assumpção, pública e com reconhecimento, pelas duas gerações que atravessam todo o pós 25/04 do falhanço das mesmas.
Qualquer bom católico do Sul da Europa, valoriza o arrependimento,"mais vale tarde do que nunca"; o problema é que arrependimento, por si só não dá de comer, nem salda dívidas.
Cumprimentos
joão

João Pires da Cruz disse...

O manifesto é, primeiro que tudo, um enorme festival de iliteracia numérica. Particularmente grave quando é assinado por ex-ministros e professores universitários. Se um extraterrestre aterrasse agora e perguntasse como foi possível o estado falir era só apontar e dizer: aquele foi ministro das finanças, aquele é professor de finanças,... Um programa da tarde da TV nacional é uma peça de erudição quando comparado com o manifesto.
Pode o caro Tavares Moreira apontar que são opiniões das pessoas. Sim, mas então despeçam-se dos cargos de ensino e abdiquem de mexer no meu dinheiro. E é curioso que quase todos eles vivam do meu dinheiro, não é?

Gonçalo disse...

Neste assunto, acho que podemos concordar com o "pai da dívida" (Sócrates): a dívida pública não se paga, gere-se. Mas, infelizmente, isso só é possível se o défice for nulo.
Ora, só se anulam défices (nomeadamente o das contas públicas) aumentando impostos e/ou reduzindo despesas.
O aumento dos impostos permitirá manter o Estado na sua dimensão atual. Mas isto é uma verdade "curta" defendida pelos signatários "cigarras"...
O corte das despesas reduzirá o Estado, naquilo que faz e no que produz. Dirão as "formigas".
Avaliando friamente, parece que podemos ir por qualquer dos lados. Consoante formos de esquerda (cigarra) ou de direita (formiga). Verdade? Falso.
A primeira (opção destes signatários cigarra) choca com uma realidade simples: não há espaço para mais impostos. E até estes, os atuais, estão a pressionar de tal forma a economia que esta mirra. E sai. Para outros locais. Com ela leva a produção, o trabalho, a riqueza, o estado social...
Pelo que não há dois caminho. Só há um. O Estado tem que se ajustar. Tal como já se ajustaram as empresas e a população.
Infelizmente, o Estado não é uma entidade abstrata. O Estado são as pessoas e as empresas... No seu processo de ajustamento, leva todas essas pessoas e empresas com ele.
Pelo que no seu processo de ajustamento, o Estado “apertará” ainda mais as pessoas e as empresas.
E clarifiquemos sempre (Cavaco disse tudo e disse bem): vamos ter que ajustar mais um pouco e viver por aí... Em austeridade? Não. Simplesmente com o que temos. É pouco? É muito? Bem, isso é relativo. Será muito visto da Etiópia e pouco visto da Alemanha... Será sempre pouco visto de dentro. Mas isso é bom pois motivará mudanças que nos poderão permitir voltar a lutar por melhorias.
Mas, concluindo, hipoteticamente poderíamos juntar ainda outra saída: gastar e gastar (será que nos empréstam?) o que permitiria manter o défice e os benefícios sociais à conta de empréstimos externos. Ou seja, voltar aos bons tempos socialistas, onde se vivia bem (e nem sabíamos). Mas aí, será a morte de todos. Cigarras e Formigas. Pois um ótimo estado social hoje teria de ser pago pelas próximas gerações que, por isso, não terão estado social nenhum e ainda terão que pagar pelos empréstimos anteriores, assumidos para suportar os benefícios (e nem sabíamos que os tínhamos) das gerações anteriores. Resta saber se os jovens vão achar que vale a pena ficar por cá à espera deste futuro. Penso que não...

Pinho Cardão disse...

Caro Tavares Moreira:
De acordo total com a opinião do meu amigo.
Reestruturação da dívida é o que o governo e o IGCP vêm fazendo, dilatando alguns prazos, recomprando dívida, ajustando taxas de juro.
Aliás, e marginalmente, só o nome de alguns dos subscritores, não por eles, mas pela doutrina que normalmente defendem, desvaloriza por completo o manifesto. Por outro lado, há por lá quem tinha sido dos maiores responsáveis pelo empolamento da dívida, enquanto outros constituíram uma verdadeira indústria de caçar dinheiro ao Estado. Não têm credibilidade.

Caro João Pires da Cruz:
Diz bem, catedráticos, mas de power-points feitos pelas secretárias, e para quem a realidade está errada quando não se ajusta às suas virtuais ideias.

Nuno Cruces disse...

Onde está MFL, convidada, para nos elucidar sobre este documento?

É extremamente descredibilizadora esta atitude de ex-ministros assinarem de cruz um documento em que se comparam os frutos da sua governação com a Alemanha do pós-guerra. Como se nada fosse.

"A reestruturação deve ter na base a dívida ao sector oficial, se necessário complementada por outras responsabilidades de tal modo que a reestruturação incida, em regra, sobre dívida acima de 60% do PIB." Só que a dívida oficial susceptível de ser renegociada são ±30% do PIB. Os ilustres assinam de cruz?

"Portugal (...) não conseguirá superar por si só a falta dos instrumentos que lhe estão interditos por força da perda de soberania monetária e cambial." Onde estavam os ilustres quando Portugal aderiu ao Euro, o que defenderam?

"O que a seguir se propõe tem sempre em atenção a necessidade de prosseguir as melhores práticas de rigorosa gestão orçamental no respeito das normas constitucionais". Incluimos o artigo 105: "O Orçamento prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas", cujo cumprimento mesmos os ilustres nunca garantiram?

Pedro Almeida disse...

A Drª Ferreira Leite, que me merece a maior admiração e respeito, nunca conseguiu aceitar para si mesma a vitória do Dr. Passos Coelho no PSD.
De vez em quando, lá surge uma ou outra ferroada ao Governo, mas agora, realmente, a Drª Ferreira Leite deu um grande tiro no pé ao subscrever um manifesto nitidamente pateta.

Céptico e Conservador disse...

A Dra. MFL não dá uma ferroada de vez em quando no Governo do PPC. Dá-as sempre que pode. Por essa via já se tinha descredibilizado. Ela que, imagine-se, queria(em 2009, i.e., dois anos antes da bancarrota em 2011)um intervalo de 6 meses na democracia para poder impor as medidas duras que a situação aos olhos dela justificava. Para espanto de quem confiava nela, quando essas medidas começaram a ser implementadas por este Governo, nunca se lhe ouviu uma palavra de aceitação sobre a sua necessidade. Nem que fosse uma aceitação com nuances. Não, nunca lhe ouvi essa palavra sábia. Daí que mais esta ferroada esteja na linha do seu comportamento anterior. De tanto tiro no pé que já deu com tanta ferroada, já a vejo a mancar. Será tudo ódio ao PPC ? É ela e o JPP. Eu até acredito que o PPC tenha sido desleal com a direcção do PSD de que faziam parte a MFL e o JPP mas que as emoções (a raiva) possam alterar o discernimento ao ponto de os cegar completamente e passarem a ter um discurso contrário ao que defendiam até 2011, isso não entendo. E descredibilizam-se totalmente. Eu se fosse dono deste blogue, desconvidava-a de colaboradora.