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quarta-feira, 30 de abril de 2014

"Diferente"...

Entrou com um ar diferente. Jovem, pele clara, cabelos louros, fresca e com um sorriso social. Sentou-se, revelando uma tendência aristocrática pouco habitual para a localidade e função. Estava nervosa, uma certa crispação inundava-lhe o ar, mas mesmo assim foi dizendo que andava bem e que não tinha problemas de saúde. - Está um pouco nervosa. - Ah, é o acumular de muitas coisas, trabalho e responsabilidade. - Anda a tomar qualquer coisa. Não anda? - Sim, o meu médico mandou-me tomar um calmante. - Pois, vê-se. - Vê-se?! - Sim, a sua face fica parada, sem expressão. Corou. O exame continuou e perguntei-lhe pela saúde dos pais. - Vivo com o meu pai. Esperei uns segundos. Queria saber o que se passava com a mãe. Entretanto ia escrevinhando as minhas notas. Estava a demorar, a fácies tornou-se mais pálida e ficou mais triste. - A minha mãe morreu há nove anos. Desconfiei de uma eventual causa e perguntei-lhe o que tinha acontecido. Explicou-me à sua maneira, com alguma dificuldade, um tumor na barriga, presumi que tivesse sido um carcinoma do pâncreas. Morreu ainda jovem. - Tem irmãos? - Quatro. - Mais novos? - Sim. Feitas as contas, na altura da morte ainda eram pequenos. - É a mais velha. Deve ter tido muito trabalho ao longo destes anos. A cabeça e a expressão facial confirmaram. Baixou os olhos, baixou a voz e disse: - Tem sido muito difícil. Muito. Subitamente, pareceu-me arrependida da confissão. Levantou a cabeça, levantou a voz e rematou: - Tem que ser. Uma estranha e profunda coragem emergiu das suas profundezas. - É nova. Já tem planos para a sua vida? Olhe que o tempo passa depressa e tem direito a viver a vida. - Olhou-me, surpreendida, corou ligeiramente, uma expressão de alegria surgiu-lhe vinda de músculos faciais que há muito tempo não sabiam qual era a sua missão e respondeu-me: - Estou a pensar nisso. Estou a fazer algumas tentativas. - Então faça, não se esqueça. Levantou-se e despediu-se com um ar diferente, mais tranquilo, mais esperançoso, mas aristocrático, algo difícil de encontrar naquele meio e nas suas funções.
Gente nobre, perdida no meio das serras, lutadora, sofredora e merecedora de uma atenção e carinho inesperado. Falta de carinho, foi o que me confessou no meio da nossa conversa. Nem se apercebeu da confissão que fez. Uma mulher diferente. Uma jovem diferente, que, presumo, saiu diferente. Eu fiquei.

4 comentários:

Diogo disse...

Que mais dizer Doutor Massano?

Se teima em não se abalançar na escrita de uma obra, porque não reúne os seus melhores textos deste blogue e os reúne em livro? Garanto-lhe que tinha, pelo menos, um comprador e leitor.

MM disse...

Tinha, entao, e pelo menos, 2 leitores...

MM disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
MM disse...
Este comentário foi removido pelo autor.