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domingo, 7 de setembro de 2014

Futebol

Também gosto de futebol. Por que razão não deveria de gostar? Em pequeno brincava como qualquer criança, na escola, depois da escola e antes de fazer os deveres. Não tínhamos bolas de borracha, ainda estávamos longe desse tempo, e as de couro eram só para os graúdos e os "profissionais". 
Um dia convenci o meu pai a comprar os rebuçados de meio-tostão com os jogadores da bola para preencher a caderneta e conseguir o cromo de "ouro" com o qual conseguiria adquirir a bela bola de couro que estava exposta na taberna-mercearia de terra batida. Não foi fácil. Ele disse que sim, mas o que é que eu iria fazer aos rebuçados? - Eu? Respondi logo: - Como-os todos! Sorriu e deu-me o dinheiro. Cheguei à tasca, que mais parecia uma caverna, onde pontuavam candeeiros de petróleo, e perguntei quantos rebuçados ainda havia no pote. - Para quê? - Para saber se posso ou não comprar todos. - Todos?! - Sim. Todos. - Tens dinheiro? - Tenho pois. - Mostra lá? Saquei algumas moedas do bolso, uma de cinco escudos e outras de vinte e cinco, dez e cinco tostões, e mostrei-lhas, longe, na palma da mão. - Hum!  Vou contar. Despejou os rebuçados sobre o balcão ensebado e pôs-se a contar. Eu ainda não andava na escola, mas já sabia contar, pelo menos até cem. Atento, ouvi-o a contar em voz alta até que parou. Não me recordo quantos, mas foram mais de cem. O que eu sei é que ainda fiquei com dinheiro, sobretudo com as moedas pequenas. Cheguei a casa entusiasmado para completar a caderneta. Já tinha todos, só me faltava o tal, o único, aquele que permitia completar a caderneta para depois conseguir a desejada bola de couro. De repente surgiu o cromo mais cobiçado. Enquanto todos contribuíam para a procura do "precioso", eu ia comendo rebuçados uns atrás de outros. Estava nervoso. O meu pai colou o dito com farinha de trigo e eu corri que nem um doido até à loja. - Aqui está a minha caderneta. Está completa. Agora quero a bola. O taberneiro, um trombudo, verificou se estava tudo em ordem e depois tirou-a da parede e deu-ma. Fiquei entusiasmado, mas depressa verifiquei que estava vazia. Para é que eu quero uma bola de couro vazia. Pensei. Era noite de domingo e não havia bicicletas em casa, logo não tinha bomba. Tanto protestei, que tiveram de sair para ver se algum vizinho tinha uma bomba. Conseguiram uma. Depois tentaram bombear ar para dentro da bola. Aquilo não enchia, era preciso um adaptador qualquer. Foi uma chatice. Eu queria ir para a cama e dormir com a bola, mas cheia. Não sei o que fizeram, mas houve alguém que a conseguiu encher. Depois começaram a bater com ela no chão. Estava deliciado a vê-la a saltar e a fazer barulho. Eu também fiz o mesmo e fui dormir. O pior foi durante a noite, fui atormentado por violentas dores de barriga e pus a casa em alvoroço. O que seria, o que não seria, até que me perguntaram: - O que é que fizeste aos rebuçados? Não me digas que os comeste todos? - Todos não, mas quase. Foram ver e não restavam muitos. - Mas tu és doido ou quê? Não sabes que comer muitos rebuçados faz mal à barriga? Foi então que contrapus: - Mas tu não disseste o que é que eu iria fazer a tantos rebuçados? E eu não disse que os comia! Então, comi-os. - Doido varrido! Vi-me aflito, mas a bola de couro já era minha e eu idealizava os jogos de bola que ia fazer em vez das bolas de trapos. Iria ser um sucesso no bairro e no ringue de patinagem transformado em campo da bola. E foi mesmo. Que jogos! Melhores e mais emotivos do que o Portugal-Albânia.

4 comentários:

Rui Fonseca disse...

Para a troca,

http://aliastu.blogspot.pt/2007/08/os-donos-da-bola_05.html

com a maior estima do Rui Fonseca

Massano Cardoso disse...

Excelente Rui, excelente. A minha também não durou muito...

João Pires da Cruz disse...

...e depois de ler isto, qual Portugal-Albania? Ao melhor nível!

Diogo disse...

Vivi em Portalegre dos sete aos doze anos. Comecei aí a jogar futebol, primeiro na escola primária junto à Sé e depois no liceu (1º e 2º anos). Nunca fui grande espingarda. Já na piscina municipal era um ás: era o campeão de crawl da minha faixa etária e era uma das únicas quatro pessoas (e o mais novo) de Portalegre que tinha autorização para saltar da prancha dos dez metros. Porque a escada para a prancha estava vedada e só com a autorização do director da piscina é que se podia saltar.

Depois, vim para Lisboa e fui para o liceu D. João de Castro. Fiz lá o 3º, 4º e 5º anos do liceu. Éramos 38 alunos na turma. joguei sempre futebol na seleção da turma - era futebol de seis, jogado em campos de andebol.

Bons tempos...