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quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Velha amiga, amor eterno


Correu mundo a carta de despedida de Leonard Cohen à sua companheira dos anos 60,  Marianne, na ilha de Hydra, então paraíso de jovens hippies à procura de vivências menos convencionais. A eterna busca da aurea mediocritas, da felicidade sem atavios, só sentimentos, paixões e liberdade. E, depois, cada um seguiu o seu caminho, terá ficado a distância e, talvez, a doce recordação, como tantas vezes acontece.
Não me comoveu especialmente a carta (só vi traduções), tropeço logo naquela hesitação, velha amiga ou amor eterno, sentimentos distintos, como pode um poeta irmaná-los? apesar das palavras que contém, não exprime amor mas amargura, centrada em si mesmo, desgosto pela velhice, pelo fim da vida, distância até, “se estenderes a tua mão verás como quase tocas na minha”, o gesto seria dela, se pudesse, se quisesse ainda, não era a dele que se estendia num afago, num adeus, num último e desesperado desejo de encontro, seria a dela, moribunda, que o não alcançaria.
Também não gostei que a carta fosse divulgada quase ao mesmo tempo que foi enviada, parece aqueles telegramas oficiais que são mais para ser conhecidos, notícia da obrigação cumprida, do que para levar a palavra certa e sentida ao seu destinatário.

Talvez Leonard Cohen ainda possa fazer um poema a Marianne, chorando e cantando como só ele sabia fazer, assim parece um cerebral, um poeta fingidor, como dizia o outro poeta, o que também dizia, e bem, que as cartas de amor são todas ridículas, ou não são cartas de amor.

4 comentários:

Bartolomeu disse...

A dimensão das palavras dos poetas, nascidas na profundidade tantas vezes escuras, frias e solitárias dos pensamentos e, dos sentimentos, quase sempre nos escapa. Quase sempre resvala na carapaça da nossa formatação adequada a um mundo que se rege por regras forjadas em conceitos. Florbela escreveu: Ser Poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens!
Leonardo confessa-se uma espécie de cigano antes de conhecer Marianne...
Como pode um poeta irmanar sentimentos distintos?
Como pode um poeta com alma de cigano, deixar de o ser?

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Tenho sempre dificuldade em perceber como cartas "intimas" são partilhadas simultaneamente no espaço mediático para serem lidas por milhares. Porque razão não se confinam ao espaço e tempo privados?
Será que sendo públicas a vida ganha maior veracidade e os sentimentos maior dimensão e força, será que fazem prova (de alguma coisa)? Há certamente uma necessidade. Estas cartas estão muito na moda!

Suzana Toscano disse...

Tem razão, caro Bartolomeu,não é fácl captar o que realmente querem dizer os poetas na expressão do seus sentimentos. Mas não podemos impedir-nos de analisar os sentimentos que eles nos suscitam quando os lemos...
Deve realmente estar na moda, Margarida, mas ao menos que os bons poetas não entrem nessas ondas para nos desiludir.

Bartolomeu disse...

Já vai longe o tempo dos poetas que sangravam da alma, cara Dra. Suzana. Os sentimentos que motivam as rimas incendiadas dos "poetas de hoje", são quase sempre voláteis e circunstanciais.
Diz bem, cara Dra. << Mas não podemos impedir-nos de analisar os sentimentos que eles nos suscitam quando os lemos...>>