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sábado, 10 de dezembro de 2016

Monte dei Paschi di Siena: BCE "playing with fire" ?


1.    Na edição do Financial Times deste fim-de-semana (1º página) pode ler-se o seguinte: “The ECB has rejected a request from Rome to delay a private sector-led rescue for Monte dei Paschi di Siena (MPS), leaving Italy little option but to trigger a government bailout and impose losses on creditors”.

2.    Confesso que me surpreende a decisão do BCE ao rejeitar um pedido de extensão, por mais 5 semanas (justificado pelas dificuldades decorrentes da crise política em que a Itália se encontra mergulhada, após o referendo de 4 do corrente), do prazo para procurar uma solução, aliás em curso, através de capitais privados, para suprir as insuficiências de capital do MPS.

3.   E surpreende-me pelo seguinte: tal como o FT refere, esta rejeição torna quase inevitável uma intervenção de capitais públicos acompanhada da imposição de perdas aos accionistas (na totalidade, o que implica sobretudo perdas para o Tesouro italiano, enquanto maior accionista) e aos detentores de obrigações emitidas pelo Banco.

4.    A questão das perdas a impor aos obrigacionistas – a menos que consigam aplicar tratamento diferente a obrigacionistas que se encontram em posições creditícias exactamente equivalentes, para favorecer os pequenos/médios, o que seria altamente questionável – é politicamente escaldante em Itália, depois de alguns casos semelhantes (mas em muito menor escala) verificados em 2015.

5.      E, sendo politicamente escaldante, não deixará de ser aproveitada por movimentos ditos “populistas”, contrários à permanência da Itália no Euro, que procurarão demonstrar - com provável sucesso - que esta imposição do BCE constitui  mais uma prova de que as instituições europeias não querem saber dos interesses italianos.

6.       Como as sondagens apontam a possibilidade de os movimentos ditos “populistas” virem a obter um forte resultado nas próximas eleições legislativas a realizar nos primeiros meses de 2017, quiçá mesmo a ganhá-las, este episódio do MPS pode dar-lhes o alento decisivo para converterem as boas sondagens em vantagem nas urnas.

7.      E depois lá virão as instituições europeias e seus dirigentes lamentar o surto dos movimentos populistas na Europa e proclamar a necessidade de defender o projecto europeu.

8.      Confesso que não consigo entender isto, mas pode ser que seja defeito meu, pouco clarividente e incapaz de interpretar as superiores razões do BCE…

8 comentários:

Pinho Cardão disse...

Bom, de facto não se compreende a lógica. A não ser que não haja lógica, e então tudo é compreensível.

Bartolomeu disse...

O BCE, como o meu estimado amigo, Dr. Tavares Moreira, muito bem sabe, encontra-se condicionado ou, à mercê de imposições que ultrapassam largamente a sua vontade (se é que na actual conjuntura politico-financeira europeia existe outra vontade que não seja a de quem detém o poder do capital) condicionando todas as decisões que deveriam corresponder inteiramente à linha "mutualista" que deu lugar à criação da UE e da moeda única.
<<...que esta imposição do BCE constitui mais uma prova de que as instituições europeias não querem saber dos interesses italianos.>>
Nem dos italianos, nem dos portugueses.
O tabuleiro de xadrez onde se jogam os destinos da Europa, acha-se totalmente corrompido, tanto no que refere ás peças, como ás regras.
Por isso, em minha opinião as razões do BCE, não as considero razões, muito menos superiores.

Asam disse...

Caro Tavares Moreira,
totalmente de acordo, um adiamento de poucas semanas parece-me aceitável, ainda mais se com dinheiro de privados.

Anónimo disse...

Caro Tavares Moreira, compreendo o sentido do que escreve e as boas intenções de que está imbuído. Não posso é concordar.

Um dos problemas da actual UE é terem-se criado regras que, posteriormente, vieram a ser flexibilizadas, torcidas e retorcidas a tal ponto que hoje em dia já ninguém as reconhece. Entre os vários efeitos desta aberração está terem-se mantido artificialmente uma série de agentes económicos (até países...) em estado zombie. Nomeadamente bancos zombie são o que não falta na eurozona. Arriscaria mesmo dizer que, dos grandes, provavelmente são mais aqueles que vivem com balões de oxigénio do que os que estão saudaveis. Na realidade o que o BCE está a fazer é a forçar a resolução do Monte dei Paschi. E, se quer que lhe diga, já vai tarde.

Em 2008, 2009 até seria capaz de tragar algumas coisas. Em 2010 já só com algum alka-seltezer. Daí para diante nem assim. A eurozona anda a arrastar mortos andantes que não são mais do que lastro para toda a economia. Consomem recursos desnecessariamente e impedem a entrada no mercado de instituições novas, mais dinâmicas e mais eficientes. Há ainda a questão do risco moral. Quem me dera a mim poder governar os meus negócios sabendo que tinha sempre um BCE pronto a cobrir os meus disparates. Que rica vida seria a minha! Ora, é precisamente assim que os bancos da eurozona vivem há oito longuíssimos anos. Talvez seja chegado o momento de pôr um ponto final. Não espero que a UE passe a ser uma casa de gente séria. Nunca foi nem nunca será. Mas vejo com bons olhos todos os passos nesse sentido. Este é um deles.

Tavares Moreira disse...

Caro Pinho Cardão,

Existirá certamente uma lógica, o ponto é que tal lógica induz (na minha opinião) riscos que, a prazo, tratarão de a devorar...

Caro Bartolomeu,

Não subscrevo, com o devido respeito, essa análise. Não me parece que o BCE se encontre amarrado a ditames perversos, como sugere, e, neste caso concreto, poderia ter decidido de maneira bem diferente.

Caro Alberto Sampaio,

Permita-me que acrescente: e o BCE poderia acrescentar que, caso no dito prazo de 5 semanas não houvesse solução privada, seguir-se-ia um processo de bail-in, retirando assim incerteza ao quadro de soluções.

Caro Zuricher,

Permita-me que discorde da sua (sempre) respeitável opinião.
Depois de anos de complacência, como muito bem refere, e agora que uma solução de mercado estava em marcha - tendo até sido cumprida a primeira etapa, de conversão de créditos obrigacionistas por capital, no montante de € 1,1 mil milhões - é que concluem ser necessário de imediato um bail-in?
Com todos os riscos que esta solução (visivelmente imposta) acarreta para uma Itália cujo governo pode vir a ficar na mão de movimentos populistas?
Receio que esta decisão se insira numa linha de exagero regulatório em que a zona Euro parece estar a cair e que coloca em causa a própria estabilidade do sistema financeiro.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Dr. Tavares Moreira
Comungo da sua preocupação. A Europa já tem demasiados problemas. Tem mostrado grandes dificuldades em os resolver. Instabilidade no sistema financeiro é do que não precisamos neste momento. Estamos a assistir a uma desagregação política da Europa.

Tavares Moreira disse...

Cara Margarida,

Embora me pareça talvez prematuro falar de desagregação política da Europa - mas confesso que nem disso estou já seguro - o episódio relatado neste Post será paradigmático do autismo que grassa entre as "elites" europeias: estão a abrir caminho, com passadeira vermelha, aos que propugnam a desagregação do projecto europeu.
E o mais curioso é que depois se queixam, amargamente, das dificuldades e riscos que esse projecto enfrenta, não se apercebendo de que eles próprios também fomentam essas dificuldades e riscos!

Anónimo disse...

Perdoem-me a perguntinha capciosa mas... a desagregação (infelizmente com estrondo) não era o resultado óbvio e claro desde o momento em que se decidiu transformar uma coisa boa e funcional, a CEE, neste mamute artrítico que é a UE? Sempre me pareceu o resultado final e, aliás, tenho muitas dúvidas de que ainda exista a UE que foi criada. Essa coisa que existe hoje em dia herdou o nome mas não a essência. Porque a essência era, é e sempre foi uma utopia.

Este caso que temos neste post exemplifica bem a utopia desta coisada toda. O BCE está sujeito a pressões de todos os lados. Como é evidente que sempre estaria porque não é possivel ter sol na eira e chuva no nabal. Compreendo perfeitamente o desagrado dos Alemães e Holandeses da mesma forma que compreendo perfeitamente o sentimento de afronta dos Italianos. São totalmente legítimos, todos. Porque Alemães, Holandeses e outros têm a sua abordagem ao mundo, à vida e ao dinheiro da mesma forma que Italianos, Gregos, Portugueses têm as suas abordagens. Que são incompativeis. E está aqui a utopia da UE. Pretender igualizar sociedades tão diferentes. E porque é que sempre foi uma loucura. Ainda assim está a durar mais do que supus originalmente... se aceitarmos a tese de que a UE ainda existe realmente. A balões de oxigénio mas essa coisa a que se chama UE ainda se vai mexendo. O que, de cara ao futuro, é pena. As tensões que estão a criar-se entre países são tão fortes que dos cacos nem sequer o que era a CEE conseguirá aproveitar-se. Isto sim, será muito de lamentar.