Há dias, ia no carro, ouvi a parte final de uma reportagem da RDP em que a jornalista entrevistava miúdos dos 5 aos 10 anos sobre o Natal e o seu significado. Para alguns, o Natal era o Pai Natal, ou o fim do ano, ou o dia em que estavam com os avós. Para a maioria, era prendas. Só um, por sinal o mais novito, respondeu de pronto que o Natal era o dia em que tinha nascido um menino, o Menino Jesus.
Para muitos, para mim, o Natal constitui talvez a maior e mais grata memória de criança. Misto de saudade e de nostalgia, de mistério e de claridade. Tempo de ternura, como todo aquele em que se contempla um menino no berço, de mais a mais um menino que, nos era dito, vinha para nos salvar e proteger.
Tempo em que colocar o sapato na chaminé da lareira significava dúvida e esperança, mas certeza, na manhã seguinte, de que o Menino, tão bom e tão terno, se tinha lembrado de nós.
Tempo em que as prendas eram lembranças do Menino Jesus, que nos acompanhava e que gostava que também nos lembrássemos dele. Tempo em que o Pai Natal substituía o Menino em casos de grande cansaço, ou quando o seu braço pequenino não alcançava as altas chaminés.
Tempo de fazer o presépio e de o decorar com o musgo fresco e molhado colhido nos muros que corriam à beira dos caminhos.
Tempo em que a árvore de Natal era um pinheiro e os pinheiros floresciam e cresciam, porque a terra era habitada e o mato e o tojo do pinhal eram colhidos para adubar as próximas colheitas.
Tempo da consoada, mais pobre ou mais rica, mas alegremente vivida por toda a família.
Tempo do caminho para a Missa do Galo, no escuro da noite iluminado pela “pilha” de mão, ou pela luz do luar, e da Igreja gelada, mas cheia de calor humano. Tempo da pequenada inquieta e dos rostos velhos e encarquilhados, mas radiantes da Boa Nova que se anunciava. Porque o homem precisa de esperança e o ritual de Natal a todos irmanava na esperança de dias melhores que o Menino traria para todos.
Tempo de beijar o Menino, sem medo de vírus portadores de novas doenças e calamidades, mas como agradecimento do bem já recebido ou penhor do bem a receber.
Tempo das canções das Janeiras, que entravam dentro de casa e eram momento de convívio e festa, à roda da lareira, do salpicão ou do chouriço assado e do vinho novo que vinha directamente do espicho.
Tempo em que o Natal era todo ele um ritual único que fazia vibrar o mais íntimo das pessoas, tinha forma, e cor e espírito e por isso se recorda.
Esse espírito que os grandes poetas e escritores cantaram em hinos de verso e prosa, o espírito gravado na pedra e na tela por modestos artesãos e insignes artistas, o espírito que nos legou as verdadeiras obras-primas dos presépios italianos e de Machado de Castro, o espírito que inspirou a grande música dos corais da natividade e a sentida e sublime harmonia da Stille Nacht, era o espírito que condensava o simbolismo bem presente no Natal.
Desaparecido o símbolo, por razões do politicamente correcto e em nome de uma estúpida e falsa inclusão que até eliminou o presépio dos postais de Boas Festas, logo o espaço foi ocupado pelo marketing agressivo que tudo vende, mercadoria e preconceitos e reduziu o Natal às renas importadas do norte gelado, aos Pais Natal feitos consumos correntes ou às prendas que se tornaram triviais, hoje recebidas, amanhã abandonadas, senão mesmo criticadas.
Por isso, não vejo que Natal poderão os pequeninos de agora um dia recordar. Faltar-lhes-á para sempre a terna e mágica referência do velho, simples e puro Natal português.
Para muitos, para mim, o Natal constitui talvez a maior e mais grata memória de criança. Misto de saudade e de nostalgia, de mistério e de claridade. Tempo de ternura, como todo aquele em que se contempla um menino no berço, de mais a mais um menino que, nos era dito, vinha para nos salvar e proteger.
Tempo em que colocar o sapato na chaminé da lareira significava dúvida e esperança, mas certeza, na manhã seguinte, de que o Menino, tão bom e tão terno, se tinha lembrado de nós.
Tempo em que as prendas eram lembranças do Menino Jesus, que nos acompanhava e que gostava que também nos lembrássemos dele. Tempo em que o Pai Natal substituía o Menino em casos de grande cansaço, ou quando o seu braço pequenino não alcançava as altas chaminés.
Tempo de fazer o presépio e de o decorar com o musgo fresco e molhado colhido nos muros que corriam à beira dos caminhos.
Tempo em que a árvore de Natal era um pinheiro e os pinheiros floresciam e cresciam, porque a terra era habitada e o mato e o tojo do pinhal eram colhidos para adubar as próximas colheitas.
Tempo da consoada, mais pobre ou mais rica, mas alegremente vivida por toda a família.
Tempo do caminho para a Missa do Galo, no escuro da noite iluminado pela “pilha” de mão, ou pela luz do luar, e da Igreja gelada, mas cheia de calor humano. Tempo da pequenada inquieta e dos rostos velhos e encarquilhados, mas radiantes da Boa Nova que se anunciava. Porque o homem precisa de esperança e o ritual de Natal a todos irmanava na esperança de dias melhores que o Menino traria para todos.
Tempo de beijar o Menino, sem medo de vírus portadores de novas doenças e calamidades, mas como agradecimento do bem já recebido ou penhor do bem a receber.
Tempo das canções das Janeiras, que entravam dentro de casa e eram momento de convívio e festa, à roda da lareira, do salpicão ou do chouriço assado e do vinho novo que vinha directamente do espicho.
Tempo em que o Natal era todo ele um ritual único que fazia vibrar o mais íntimo das pessoas, tinha forma, e cor e espírito e por isso se recorda.
Esse espírito que os grandes poetas e escritores cantaram em hinos de verso e prosa, o espírito gravado na pedra e na tela por modestos artesãos e insignes artistas, o espírito que nos legou as verdadeiras obras-primas dos presépios italianos e de Machado de Castro, o espírito que inspirou a grande música dos corais da natividade e a sentida e sublime harmonia da Stille Nacht, era o espírito que condensava o simbolismo bem presente no Natal.
Desaparecido o símbolo, por razões do politicamente correcto e em nome de uma estúpida e falsa inclusão que até eliminou o presépio dos postais de Boas Festas, logo o espaço foi ocupado pelo marketing agressivo que tudo vende, mercadoria e preconceitos e reduziu o Natal às renas importadas do norte gelado, aos Pais Natal feitos consumos correntes ou às prendas que se tornaram triviais, hoje recebidas, amanhã abandonadas, senão mesmo criticadas.
Por isso, não vejo que Natal poderão os pequeninos de agora um dia recordar. Faltar-lhes-á para sempre a terna e mágica referência do velho, simples e puro Natal português.
7 comentários:
O seu coração de dragão surpreendeu-me meu bom amigo. Como é possível que um coração assim... tão feroz...(???) possua doçura tamanha, capaz de compor tão melodiosa partitura.
Devo referir que esta sua reflexão, estimado amigo, Dr. Pinho Cardão, tocou afinadíssimamente notas de uma sonoridade preciosa.
Outras duas reflexões se impõem seguidamente: será que a humanidade tem vindo a percorrer o caminho, no sentido inverso ao que a deveria conduzir ao encontro consigo mesma?
Será que a humanidade, vitaminada pelos farrapos de saudade e nostalgia que ainda lhe subsistem na memória, conseguirá fazer renascer em si os sentimentos nobres e puros de amor ao próximo, de congregação e apoio mútuo, de partilha e cumplicidade nas alegrias e nas desgraças alheias?
Desejemo-nos estes votos, para este Natal, porque é Natal e porque cada Natal pode ser como foi ha dois mil anos, a porta de entrada para o início de uma era de renovação.
Belíssima prosa, caro Pinho Cardão, que arranca do mais fundo da alma e se projecta enternecedoramente nos nossos ecrans...
Um curioso sinal dos tempos esta tendência de "customizar" a celebração do Natal segundo os desígnios do marketing e do politicamente correcto...
Isto dá mesmo que pensar, muito para além de apreciar a extrema beleza desta evocação do Natal da nossa juventude...
Como nos faz bem recordar as experiências desses natais passados na província (para mim). Presépios com musgo verdadeiro, apanhado de fresquinho e searas em latas de conserva; sapatinho(s) à chaminé; filhós enormes, redondas, com açúcar pilé e canela (ninguém na altura se preocupava com excesso de calorias); broas de mel e broas castelares e o grande bolo-rei com a fava escondida algures.
Mas ainda estamos a tempo de manter, no nosso seio familiar, a experiência natalícia: as decorações serão mais sofisticadas, as árvores de Natal serão cada vez maiores e mais ricamente decoradas, mas se conseguirmos manter o espírito desta quadra nas nossas almas, nas nossas acções, na nossa convivência... talvez ainda possamos sentir e transmitir a comunhão de sentimentos que o nascimento do Menino nos incutiu.
Foi tocante ler o seu texto, verso em prosa, Caro Pinho Cardão!
Caro Dr. Pinho Cardão
Fez-me tão bem ler a sua memória do Natal!
Vivemos épocas muito diferentes, em que muito dificilmente todas as tradições que o Dr. Pinho Cardão tão bem nos recorda seriam viáveis.
O importante seria mesmo que não se perdesse o espírito de Natal. Acredito que esteja presente em muitas famílias, apesar do ambiente sufocante do consumo descartável.
A "referência do velho, simples e puro Natal português" vai-se perdendo um pouco, mais nas cidades do que nas aldeias que ainda assim fazem reviver o mágico Natal...
Caro Bartolomeu:
O meu coração só é um poucochinho mais aguerrido quando as asneiras, as mentiras e o primarismo de alguns políticos e de algumas atitudes o fazem bater com mais força. Falo sobretudo dos políticos, que deviam ser a elite e frequentemente estão no fundo da pirâmide, tal a boçalidade e insensatez das suas intervenções.
Quanto ao resto, sou, de facto, um bom coração!...
Caros TMoreira, Catarina e Margarida:
Desvanecido pelas vossas ternas palavras, só possíveis por estarem imbuídas ou imbuído de espírito natalício...
A sua última afirmação está mais que provada, querido amigo.
Quanto à forma como alguns políticos se apresentam e agem... bom, talvez o melhor, seja o meu amigo começar a acostumar-se, porque a moda, parece-me que veio para ficar. Só espero que não dure 4 anos...
Lindissimo, magnifíca evocação do Natal!
Enviar um comentário