Li em tempos uma 
história interessante numa obra de John Steinbeck. O capítulo 
intitulava-se "A Grande Guerra do Roque". Acabei por saber que o "roque"
 é
 uma forma complicada do jogo de críquete, que para mim já é 
suficientemente esquisito. Steinbeck diz que este tipo de jogo 
desenvolve o carácter. Antecipei de imediato ironia que se veio a 
comprovar no final do capítulo.  Tudo começou numa cidade com graves 
complicações. Quando foi fundada muitos velhos refugiaram-se ali, sem 
compreenderem do que é que fugiam. Tornou-se numa cidade "rabugenta" em 
que tudo corria mal. Foi então que um filantropo decidiu oferecer à 
cidade dois campos de "roque". Como qualquer desporto tem de haver 
adeptos, necessidade de competição, de luta, e atribuição de prémios 
para o vencedor. Os cidadãos tinham mais de setenta anos. Uns pertenciam
 aos Azuis e outros aos Verdes. A rivalidade começou a crescer de tal 
forma que deixaram de se falar e ser proibido casamentos entre Azuis e 
Verdes. Passou-se de imediato para a política, e na igreja os Azuis não 
se misturavam com os Verdes. Houve quem propusesse a criação de igrejas 
separadas. Tudo girava à volta da rivalidade clubística, que se 
transformou em rivalidade política e em segregação religiosa e, claro, 
com o tempo, os idosos chegaram a incendiar as casas de uns e de outros,
 a cometer atentados e a provocar mortes. O filantropo via tudo aquilo 
com muita tristeza. Um dia, encomendou um buldózer e mandou destruir os 
dois campos de "roque". Em seguida abandonou a cidade para sempre. Foi o
 que fez de melhor. Os Azuis e os Verdes, desde então, reúnem-se 
naquele dia e queimam uma esfinge do filantropo depois de o enforcar.
 Este comportamento fez-me lembrar a queima do Judas. Azuis e Verdes 
unem-se de forma a exteriorizar a sua violência e intolerância na figura
 e na lembrança de um filósofo que só queria o bem-estar dos seus 
concidadãos. Dizem os entendidos que a tal variante de críquete 
desenvolve o carácter. Pois! Nota-se.  Há histórias que não sendo 
verdadeiras assentam como uma luva à realidade. Mesmo assim, prefiro, de
 longe, as figuras dos Judas que outrora queimavam na minha terra. Todos
 se uniam em torno da imagem, gostassem ou não da personagem, mas 
depressa esqueciam-se desta união. Voltavam aos copos, o que também era 
uma outra forma de união.  Neste país, sem rei e sem roque, embora, 
aparentemente, nos queiram convencer do contrário, a radicalização 
começa a surgir com alguma veemência. Um problema dos diabos, ou melhor,
 um problema típico dos homens (neste conceito, gramaticalmente com 
tendência para o neutro, homens, estão também incluídas as mulheres) … 
 
 
 
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