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segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Uma memória...

Li várias obras de Tomás da Fonseca. Recordo ter lido “Na Cova dos Leões - Fátima e Cartas ao Cardeal Cerejeira”. Foi há muitos anos. O meu pai viu o livro e pediu-me para o ler. Chegou a conhecê-lo pessoalmente. Tomás da Fonseca era uma conhecida personalidade antirregime salazarista. A partir daqui contou-me mais uma história. A sua memória era fabulosa, nunca se esquecia de nada, a ponto de a “utilizar” quando tinha necessidade de recordar algum nome ou acontecimento. O meu avô tinha convivido com tão importante figura republicana. Depois foi um salto para contar um episódio que sabia ter ocorrido, embora sem detalhes, porque ninguém na família queria falar sobre ele. Um dia, o meu avô, que tinha um café, foi detido durante mais de setenta e duas horas pela polícia política por causa de um exemplar do jornal Avante que tinha sido retirado de um lote de vinte e cinco deixado no seu estabelecimento. Temeroso das consequências apressou-se a destruir o lote lançando-o no fogo. Quem tirou o exemplar acabou por ser interrogado pela polícia por causa de um acontecimento relacionado com a ida de Salazar à missa na igreja de Santa Comba. À saída vociferou em voz alta, “Alguém sabe quem foi o maior ladrão que Portugal já teve?”. É fácil de ver que quem andava perto (e andavam muitos) acabaram por fazer uma visita à casa do tal senhor. Perguntaram-lhe o que é que ele queria dizer com a tal frase. Quem era o ladrão? - Então não sabem quem foi? Foi o João Brandão. Disse com ironia, como é óbvio. Entretanto, na busca, encontraram o tal exemplar do Avante. Obrigaram-no a dizer onde tinha adquirido. Aqui já não foi irónico, respondeu de imediato. - No café do Manel Cardoso. A seguir apanharam o meu avô e levaram-no, sujeitando-o a torturas durante setenta e duas horas, sempre em pé. O mais curioso é que o chefe da brigada era seu conhecido a quem tinha dado de comer, e à família, na Pampilhosa. Perguntou-lhe se não era o Carvalho. Como seria de esperar não lhe respondeu e de arma em punho foi interrogado. Como encontraram o jornal República, de que era assinante, o massacre continuou. A sua situação em termos profissionais foi por água abaixo. Graças à relação de amizade com o então ministro do interior, natural de Santa Comba, conseguiu evitar males maiores. Acabei por conhecer esta história sobre o meu avô devido à jocosidade de um cidadão que não se coibiu de o denunciar, sabendo que não tinha culpa nenhuma, à primeira investida da polícia política.

Gostava tanto que tivesse sido o meu avô a contar esta história, e logo ele que era um contador exímio. Sei que foi um episódio que o marcou muito. Nunca contou, mas eu conto.

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