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domingo, 8 de julho de 2007

“O Lima”...

Certas pessoas têm o condão de nos marcar e fazer reviver certos episódios.
O Lima, pessoa de origem muito humilde, começou a trabalhar desde novo, criança mesmo, no universo da justiça, conseguindo fazer uma carreira elogiada e admirada por todos. Cedo, aprendeu a ser muito respeitador e a ser respeitado. O ambiente dos tribunais incutiu-lhe uma linguagem própria e a necessidade de melhorar e enriquecer a sua cultura. O "Excelência" estava invariavelmente presente, sempre que se dirigia a certas pessoas. Até eu acabei por fazer parte do rol de “Vossa Excelência”, não obstante a pouca diferença de idades, facto motivado pela minha ascensão académica. Nunca o impedi que me tratasse desse modo, pela simples razão de que se o fizesse sabia que estaria a violar os seus princípios. E o Lima prezava e preza os seus valores. Acabei até por ser o seu médico. Sempre que me via, perguntava: - Então, como vai Vossa Excelência? E a senhora sua mãe, está melhor? E a senhora sua esposa e filhos? Trocávamos, invariavelmente, as palavras usuais dos encontros.
Baixo, gordo, bonacheirão, com uma barba castiça e olho vivo, o Lima, também conhecido pelo apodo “Repolho”, arrematava sempre a conversa da mesma maneira: - Vossa Excelência já deverá ter reparado que estou mais magro, não acha? Eu dizia-lhe: - Parece que sim, Oh Lima! Mas na verdade, continuava na mesma ou ainda pior.
Entretanto, reformou-se e abriu um escritório. Com toda a sua experiência acumulada nos tribunais, passou a aconselhar e a resolver muitos dos pequenos e grandes problemas que atormentam o cidadão. Eficiente, simpático e sempre disponível, lá vai fazendo pela vida, vida essa que foi mesmo dura, conseguindo dar uma formação superior à sua Rosinha, com muito sacrifício.
A reforma fez-lhe bem. Pelo menos já não abusa do tratamento "Vossa Excelência".
Há dias, no átrio do município, cruzei-me com o Lima. - O senhor professor por estas bandas! - É verdade, tenho Assembleia Municipal logo à tarde. A partir daqui a conversa passou para o estado de saúde dos familiares. Às tantas afirmou: - O senhor professor já reparou que estou mais magro? Já perdi 3 a 4 quilos! Já nem consigo segurar as calças. Olhei para baixo e de facto concordei que não devia conseguir segurar as calças, porque as mesmas não chegavam à barriga. Claro que não verbalizei o meu pensamento. Disse-lhe que fazia muito bem em tratar da saúde. Estava a despedir-me, o que era sempre muito complicado, quando me disse que o seu escritório ia bem e que se eu quisesse podia contar com ele para ajudar a perfilhar os filhos que tivesse por aí! Disse isso com um olhar meio maroto, reforçando, propositadamente, a sua ligeira tartamudez. - O quê Lima!? Perfilhar quem?! - Os filhos que possa ter por aí! Repetiu, alargando o sorriso. - Então, o senhor professor não é Teófilo?! Com um brilho no olhar, cada vez mais malicioso, o Lima recordou alguns familiares, nomeadamente um tio-avô que foi uma notável peça procriadora, contribuindo para a “fama” dos Teófilos...
As pessoas que estavam no átrio, sintonizaram os seus sorrisos pelo músico que, por acaso, até é - toca clarinete na Filarmónica -, mas que agora fazia o papel de maestro de uma sadia malandrice.
Quando subia a escadaria, deliciando-me com as tiradas do raio do homem que, de facto, está mais gordo, mais solto e, também, mais maroto, recordei-me do meu tio Manel e das suas proezas...

1 comentário:

Bartolomeu disse...

História Hilariante, gostosa e pitoresca, caro professor, Excelência.
Este personagem, o Lima, revela ser um homem prespicaz e com um apuradíssimo sentido de oportunidade, parece quase extraído de um romance de Eça de Queiroz :)))
Não fosse o Sr Professor, excelência, quem é, e o Lima ter-se-ia habilitado ali mesmo, a ter de engolir a brejerice, o que não iria deixar de ter a sua piada.
Mas, o meu personagem de eleição, nesta magistral história, é sem dúvida o tio Manel. Declaro-me incondicional adepto do homem que semeia filhos, qual jardineiro que constroi canteiros de rosas, gladiolos, amores-perfeitos, gerundios, alfazema, etc, etc.
Lembro-me de ha vários anos, ter assstido com alguma regularidade a uma novela brasileira, das primeiras exibidas na tv, em que o personagem central, era um caixeiro viajante. Este persoagem percorria as cidades do interior, e em cada uma delas tinha uma mulher, e vários filhos de cada uma. Mas, o enternecedor naquela personagem, é que, cada uma delas tinha para além da suas diferentes personalidades, condições sociais diferentes,e ele amava-as a todas com semelhante intensidade.Todas o amavam muitíssimo e a todas ele amava muitíssimo, sendo o fruto desses enormes amores, os tais vários filhos, que faziam uma festa, demonstrando a sua imensa satisfação, sempre que o pai os visitava.
E depois, imagino sempre o quadro romanesco, em chegando o final da vida, quando o fulano agoniza no leito de morte, acontece a cena mágica... os filhos reunem-se em volta e através da névoa final, ele vislumbra a reunião do fruto dos seus ternos e quentes amores.
Ha lá forma mais edílica de embarcar para a grande viagem?
Humm... duvido!!!
:)))