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sexta-feira, 11 de julho de 2008

Está a passar o tempo dos "brandos costumes"...

O País acordou hoje com mais uma cena de violência criminosa, com dois grupos rivais aos tiros num bairro de Sacavém. Um episódio que foi objecto de grande visibilidade, atentas as suas proporções e as preocupações que não nos devem deixar indiferentes.
Temos sido um país pacato, um país que muitos continuam a apelidar de “brandos costumes”. Mas a verdade é que nos tempos mais recentes, temos vindo a assistir a um aumento da agitação e da intervenção criminosa violenta e ao aparecimento de novos fenómenos de criminalidade, com uma forte visibilidade geradora de um crescente sentimento de insegurança. O surgimento dos crimes da noite com as “mortes por encomenda” e o chamado “carjacking”, os ajustes de contas e as rivalidades entre gangs armados e no seio de guetos sociais e os assaltos violentos à mão armada a postos de combustíveis são factores que estão a introduzir insegurança na vida normal das populações.
As justificações de responsáveis de que se tratam de situações pontuais são compreensivas se as entendermos à luz da necessidade de não alarmar as pessoas, antes, pelo contrário, procurando transmitir a eficácia da intervenção das forças policiais para resolver e restabelecer a ordem. Mas a segurança já não é o que era. E a insegurança já está para além do sentimento. O crime organizado já se instalou.
O aumento da violência é uma clara demonstração do aprofundamento de problemas económicos e sociais graves ao qual não é alheio, como é óbvio, a ausência de um rumo para o País.
A questão da violência poderá ter tendência a agravar-se se não formos capazes de realizar um projecto de desenvolvimento, de criar riqueza e emprego, de qualificar pessoas, de acolher e incluir socialmente minorias e grupos socais marcadamente excluídos, atirados para becos de pobreza, de frustração de vida, de ausência de sentido de responsabilidade cívica e social.
A degradação económica, com o crescimento do desemprego e do emprego precário, tenderá a potenciar a degradação social, normalmente acompanhada por um aumento da criminalidade.
Se é certo que temos sinais evidentes que a dimensão policial terá que ser repensada e reforçada ou que a venda de armas deverá ter um enquadramento legal bem mais apertado e uma fiscalização efectiva, não nos podemos esquecer que a complexa malha urbana e o deficiente ordenamento territorial, a inexistente ou reduzida função de acolhimento e apoio social de grupos sociais vulneráveis - seja porque pertencem a minorias, seja pela sua baixa condições económica – em nada ajudam a prevenir, antes promovem, comportamentos anti sociais geradores de ânsia e de insatisfação que culminam em comportamentos violentos.
Muitos desses grupos sociais marginalizados são constituídos por imigrantes que foram entrando sem pedir licença, sem o necessário planeamento económico e social, designadamente sem as adequadas condições para proceder à sua correcta integração social e no mercado de trabalho. Sem, muitas das vezes, o tratamento humanitário que defendemos, mas do qual não cuidamos, e sem o qual não teremos condições para vivermos numa sociedade inclusiva. Onde não há inclusão, não haverá segurança…

9 comentários:

Bartolomeu disse...

Cara Margarida, este tema é de uma complexidade sem dimensão e requer simultâneamente que aqueles que o analisam, possuam uma imensa sensibilidade e sentido de humanismo social.
No mundo da marginalidade, casam-se numa espiral vertiginosa as mais díspares condições sociais que a cara Margarida refere. Mas, neste imenso "caldeirão" coexistem marginais frios, implacáveis, tarimbados em todo o género de crime, que assaltam, assassinam, raptam e violam os cidadãos que com eles partilham o espaço onde habitam.
É sem dúvida ambíguo imaginarmos que a solução pode ser encontrada numa acção politica e social que proporcione aos marginais condições de vida equiparadas à dos cidadãos "normais", ou "normalizados". Não é esse tão pouco o desejo do criminoso, mesmo daquele criminoso "menor".
É obvio que o criminoso não escolhe sê-lo por falta de alternativas, porque não obtem um emprego, porque não conseguiu resultados escolares. Associado ao carácter do criminoso, encontra-se um prefil psicológico complexo, que não é possível descodificar para alterar. Creio sim que a reeducação é um caminho, acompanhada de formação profissional e de pedagogia comportamental, desvalorizando aquilo a que nos habituámos a designar por marginalização, termo que actualmente já passou a ser uma ostentação, em lugar de um estígma.
Esta matéria, tal como diversas outras referentes a questões de carácter social, é importante que sejam avaliadas e entendidas sem medos e preconceitos.
Portugal encaminha-se a passos largos para uma situação que se tornará incontrolável e que irá afectar cada vez mais cidadãos, se as medidas necessárias e adequadas não forem rápidamente encontradas e adoptadas. Mas a solução não passa por pegar nos criminosos ao colo, oferecer-lhes subsídios para que gentilmente se dignem frequentar cursos de formação à-la-minute.

lusitânea disse...

Mais inclusão?Mas não vê que aquilo foi num bairrosocial digno e em que todos têm rendimentos do Estado?Quer dizer de mim e de poucos outros?
O que faz falta minha Sra é saber governar e os que nos apascentam e produzem ideias malucas sejam internados!
Mas tenha calma que por agora só foi entre ciganos e africanos.Quando a maioria tirar a canga que lhes querem colocar vai ver com será...

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Bartolomeu
É um gosto voltar a ler as suas reflexões e conversar consigo.
Não há uma única solução para prevenir e combater o crime organizado, a violência criminosa ou a posse ilegal e utilização de armas de porte ilegal. Os criminosos não vivem do rendimento social de inserção, vivem dos saques patrimoniais perpetrados pelas suas próprias mãos fazendo perigar vidas humanas.
O problema é complexo e os factores que explicam o surto de violência criminosa são vários. Tenho muitas dúvidas sobre se a legislação penal é eficaz e sobre se as forças de segurança e os serviços de informação do Estado são eficazes na actuação contra o crime organizado, em particular na vertente preventiva, e desconheço se temos tido bons resultados no combate ao tráfego de armas. "Pegar nos criminosas ao colo" nunca, mas esquecer ou ignorar que a montante do fenómeno do crime também estão problemas económicos, urbanos e sociais seria abdicar de uma intervenção ordenada e preventiva que ao Estado e à sociedade competem assegurar.

Anónimo disse...

Uma das cidades mais perigosas do mundo nos anos 80 era New York. E resolveu esse problema através de uma união de políticas sociais adequadas com repressão policial fortissima numa filosofia de tolerância zero ao crime, património pessoal do governador Giullianni que as desenhou e implementou. De acordo com esta filosofia, deixou de fazer-se vista grossa aos chamados pequenos delitos e passaram a tratar-se todas as ofensas como o que são: delitos. E a punir-se tanto aquele que faz um grafitti numa parede como o que assassina uma velhinha. São crimes de gravidade diferente e, como tal, têm punições diferentes. No entanto, ambos são crimes, logo, ambos têm que per punidos.

Não se pode dizer que apenas a repressão policial é a panaceia para todos os males nem que as politicas sociais por si só o são.

Os criminosos tarimbados, na sua maioria, não são sensiveis a políticas sociais e para esses, claramente, o lugar é na prisão, separados da sociedade no seio da qual não sabem viver e perpetuamente até se necessário for. Conjuntamente com isto, criar efectivamente o medo da punição como dissuassor do comportamento prevaricador. Isto nada tem a ver com a pena de morte mas sim com as condições prisionais. As prisões não devem ser, não podem ser, locais com todas as condições e mais algumas. Têm que ser locais duros, com disciplina férrea, obrigatoriedade de trabalho ou estudo, condições de sobrevivência espartanas na melhor da hipóteses. Têm que ser um local onde aqueles que lá vão parar passem efectivamente mal, sofram efectivamente as consequências dos seus actos. Por um lado para não terem vontade de lá voltar e, por outro, para que os que nunca lá estiveram saibam que ir parar a uma penitenciária não é como ir para um campo de férias com cama, mesa e roupa lavada providenciadas pelo Estado.

Penso que ao longo dos últimos anos e tendo em conta as reincidências ocorridas em criminosos com condenações anteriores por crimes graves contra o património e contra as pessoas decorrentes dos primeiros, já se tornou claro que os actuais príncipios que regem a prisão, a estafada história da reeducação, da recuperação, etc, etc, não têm os resultados esperados e chega-se ao ponto de cá em Portugal os jovens que caem na marginalidade não terem medo da prisão, não ser sequer uma coisa mal vista mas tão somente uma etapa na sua vida criminal.

As políticas sociais podem recuperar aqueles que recorrem à pequena criminalidade como ultimo recurso para a sobrevivencia e podem também evitar que outros, mais novos, caiam nesse mundo, segurando-os a tempo, antes de passarem o ponto de não retorno. Os outros, os que praticam crimes graves com plena consciencia de que os praticam e com total desprezo pela vida humana e pela integridade física daqueles que violentam nas suas actividades já estão para lá disso e nem vejo utilidade no dispêndio de recursos para tentar o impossivel ou quase absolutamente impossivel.

Há muitos críticos de posições duras relativamente ao sistema prisional como aquelas que descrevi acima. Lá vêm os paladinos dos direitos humanos dizer que as pessoas não podem ser tratadas à bruta, etc, etc. A mim isso muito pouco diz. O direito da sociedade como um todo a poder viver em paz, sem medo de sair à rua, sem medo de parar num sinal vermelho, é, para mim, muito superior a quaisquer direitos humanos que quem afronta o direito à paz e ao bem-estar sociais possa ter.

Bartolomeu disse...

Cara Margarida, é sempre com um gosto imenso que regresso a este cantinho, onde sinto que aos autores dos sempre oportunos post, move a vontade de edificar.
Porem, esta foi uma visita de dois dias somente, as férias continuam durante mais uma semana, e este ano decidi que elas (as férias)teriam um carácter monástico. Quase consegui resistir a totalidade dos dias,porem, fraquejei na plenitude dos meus intentos.
Quando os autores do "4R", fizeram a apresentação do seu livro no Colombo, lembro-me de ouvir a Drª. M.F.Leite referir que não tinha aderido (ainda) à blogosfera, porque a considerava viciante. Naquele dia não concordei com a sua opinião, hoje, cedo num ponto: com efeito, existem blog's verdadeiramente viciantes.
;)

Massano Cardoso disse...

O comentário de Zuricher fez-me recordar um post que publiquei há tempos.
Em Nova Iorque a redução de criminalidade foi devido ao fenómeno "Hush Puppies", tal como foi descrito no livro, The Tipping Point, de Malcolm Gladwell. Transcrevo parte desse texto: ...O autor conta igualmente a história, segundo a qual a criminalidade e o número de assassínios diminuíram de uma forma impensável na cidade de Nova Iorque num curto período de tempo. Claro que as interpretações foram as mais diversas entre as quais se destacam um melhor policiamento, a diminuição do consumo de droga e o envelhecimento da população, entre outras. Mas estas medidas, após análise adequada, revelaram ser muito pequenas para justificar tamanhos efeitos. O que aconteceu de facto foi que certos grupos de risco mudaram de comportamento e esta mudança propagou-se a outros bandos como se tivessem sido atingidos por um verdadeiro vírus anti-crime...
http://quartarepublica.blogspot.com/search?q=hush+puppies

jotaC disse...

Costumo dar como exemplo de um bairro social bem planeado e executado - o bairro dos olivais, construído durante o estado novo.
Neste bairro, construíram-se vários tipos de habitações de acordo com estatuto remuneratório das pessoas.
Claro que o drº juiz, não vive no mesmo prédio do cigano, mas ambos, residem no mesmo bairro, vão ao mesmo café e ao mesmo super...
Desta “mistura” é óbvio que acaba por beneficiar a sociedade em geral, dado que os grupos mais propensos a desacatos, acabam por absorver comportamentos diferentes e integram-se melhor na sociedade.
Agora se construímos guetos para a cambada, sem pensarmos a sério em termos de inclusão social, o resultado está à vista…

Suzana Toscano disse...

O Bairro da Quinta da Fonte serviu para realojar inúmeras famílias que viviam em barracas que ocupavam os terrenos da expo e arredores. Na sua grande maioria famílias ciganas e africanos, que nunca se entenderam entre si,embora também muitos apartamentos tivessem sido comprados por quem ali tencionava viver. Nos últimos anos tem havido um grande esforço de integração social e, sobretudo, de apoio aos jovens, que constituiram associações cívicas que lutam contra a violência e o abandono escolar. Tive oportunidade de conhecer alguns deles e me inteirar do trabalho notável que realizam, sobretudo com o apoio da escola. Do que todos se queixam é do estigma terrível que há sobre eles, do facto de só serem notícia quando há sarilhos, de verem repetidamente na televisão imagens como as que vomos ontem e que põem em causa tudo o têm feito. Há pouco tempo a rtp 1 deu uma reportagem longa em que comparava o que era a escola e o que faziam aqules jovens há dois anos e o modo como se comportam hoje, como procuram agir no bairro, ajudar os mais pobres, integrar os imigrantes e, sobretudo, dar um ar mais humanizado ao Bairro. Fiquei desolada com as cenas de violência que vimos ontem vezes sem conta, uma rixa entre famílias, e pensei como aqueles jovens devem ter ficado desanimados por ver o seu esforço assim posto em causa.Já agora, podiam gastar mais uns telejornais a mostrar o que ali se faz de positivo, talvez seja mais útil socialmente do que organizar mesas redondas sobre a degradação nos subúrbios e fazer apelos a acções que nunca vão chegar. Começar pelas pequenas coisas, ajudar os que tentam, talvez isso acabe mais depressa com a violência do que ficarmos eternamente a discutir os modelos de intervenção policial.Aos jovens da Associação da Juventude da Apelação e a todos os que dia a dia querem fazer do sítio onde vivem um local tranquilo e solidário este alarido incrível só pode trazer desânimo.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Continuação de boas férias Caro Bartolomeu. Cá o esperamos, sempre. Obrigada pelo seu estímulo...

A repressão policial não é, como muito bem aponta o Caro Zuricher, "panaceia para todos os males". A exclusão social associada à pobreza é um fenómeno que em determinados contextos económicos e culturais incentiva comportamentos desviantes e delinquência. Essas colónias sociais acabam por constituir uma fonte de recrutamento do crime violento.
É por isso muito importante que a sociedade tome consciência que o combate à exclusão social é importante e que o Estado não deixe de assumir as suas responsabilidades.

Se o exemplo do nosso jotaC evidencia a diferença que pode fazer um bairro bem planeado de um ponto de vista de integração e harmonia social, o mesmo não se pode dizer de um bairro pensado de raiz para acolher famílias de relacionamento tenso e rival. Com esta decisão as autoridades públicas assinaram uma sentença de problemas muito graves.
Nestas circunstâncias, o trabalho de apoio social que a Suzana destaca ganha maior necessidade e importância.
Se as imagens violentas que as televisões não se cansaram de transmitir podem ter causado um efeito de desânimo nos jovens e voluntários do bairro, empenhados em trabalhar para combater a violência ou o insucesso escolar, também não é possível esconder o clima de violência que no bairro se vive. Hoje mesmo ouvi na televisão que há famílias ciganas que decidiram abandonar o bairro com receio de represálias.