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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A Canja de Galinha - II

Gracinha, então com 17 anos, começou a ir à casa grande, onde o filho do lavrador se fazia encontrado sempre que a sentia por perto. Ora para lhe gabar o asseio da sala, ora para lhe pedir que trouxesse da capoeira da mãe uma galinha para o jantar, ora para conversar, esquecido do pretexto que o tinha encorajado a falar-lhe. No Inverno apareceu uma vez a esperá-la ao fundo da rua, vinha ela com a merenda para o pai, chovia e abrigaram-se sob os ramos frondosos de uma árvore, a sentir a proximidade cálida um do outro, numa perturbação que a ruborizava e o emudecia.
Dessa vez o pai dela notou uma estranheza, alguma coisa que não conseguia definir mas que o fez retrair no cumprimento que habitualmente dirigia ao filho do patrão, reforçou o tom respeitoso, como que a marcar as distâncias, e deu pressa à Gracinha para voltar para casa antes que a tempestade piorasse.
Nessa noite, já no recato do quarto, confiou à mulher aquela vaga angústia que sentia, um não-sei-quê que lhe dizia que a filha estava em perigo, tinham que a vigiar e acabar com aquele serviço à casa grande. Uma menina, ainda, e o filho do patrão sem mulher, seria boa pessoa, não duvidava, mas a sua Gracinha havia de casar com um rapaz novo, na flor da idade, que lhe desse filhos e tivesse força e saúde para os amparar na velhice.
A mulher ouvia-o e calou o que sabia, há muito que notara como a Gracinha falava no filho do patrão, como lhe lembravam sem razão nem porquê os ditos dele, as qualidades que lhe descobria nas poucas falas, o trato de bom filho que era. Mas, sobretudo, via como o riso dela empalidecia quando ele ia de viagem a Lisboa, deixando-a vaga e distraída, de olhar comprido na linha da estrada empoeirada que se perdia no horizonte, a debruar as colinas esparsas.
O certo é que as visitas dele a Lisboa eram cada vez mais curtas. E ganhara o hábito de vir por casa dos caseiros, parava ali a conversar, fingindo sempre um recado a dar mas demorando-se em trivialidades, como se quisesse dizer alguma coisa para a qual lhe faltava a coragem, e os seus olhos perdiam-se a olhar a rapariga. (continua)

11 comentários:

Pinho Cardão disse...

Oh Suzana, olhe que a história tem que alegrar o pessoal!...
Por isso, nada de grandes dramas.
Nem quero pensar que o Pai vai contrariar a moça e prejudicar-lhe o futuro.
Além do mais, no tempo dos folhetins é que a história pertencia ao autor. Agora não, há interactividade.
Por mim,e sem mais delongas, oficializava já o namoro, embora com todas as naturais cautelas de aproximação a que os costumes, o recato da moça e a vergonha do moço obrigavam. Caírem nos braços um do outro, só lá mais tarde, concedo.
Mas nada de dramas, Suzana, nada de dramas!...
Quem manda é o leitor. Entendido?

Catarina disse...

Agradável leitura. Muito bem! Tem outra “fã” aqui!
E vem muito a propósito desta minha “nova” inclinação para ler “folhetins” bucólicos! Mas nada de dramas... concordo! Ainda existem resquícios, na minha memória, das consequências trágicas do grande amor proibido no “Barranco de Cegos”!
Aguardo, então, com ansiedade desmedida o(s) próximo(s) capítulo(s)! : )

Bartolomeu disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bartolomeu disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bartolomeu disse...

Que é lá isso, caro Dr. Pinho Cardão e Catarina? A tentarem asfixiar a criatividade da autora?
Venham lá os dramas e os sofrimentos e os desaires e as lágrimas, que no final tudo se haverá de compor... o amor vence todas as barreiras, basta-lhe que seja verdadeiro.
E para ilustrar este capítulo aqui deixo uma musequinha de Dulce... saborozaaaaaaa!!!
;)))

http://www.youtube.com/watch?v=nWFKJQvoqtI&feature=related

Suzana Toscano disse...

Pois é como diz o caro bartolomeu, então o Pinho cardão e a Catarina querem "influenciar" descaradamente o desfecho da novela? Então e a criatividade, os estados de alma, etc, etc, nada?Em primeiro lugar gostaria de esclarecer que é tarde para cunhas, o texto está escrito já há algum tempo e agora mesmo que quisesse não tinha condições para mudar, por isso verão por si o que resulta do meu guia mental. Mas não excluo nada a hipótese do Pinho cardão de fazermos um teste á escrita criativa, os leitores dão o mote e depois o desenvolvimento é ditado pelo que os caros leitores decidirem. Vi uma vez um teatro assim, na América, em que o povo votava por quemd evia ser o assassino, se era condenado ou não, qual era a explicação para a trama. Foi muito divertido, podemos tentar, mas isso implica compromisso de parte a parte, para não se perder o ritmo...;)

Suzana Toscano disse...

...além disso quero esclarecer que esta novela, se bem que muito romanceada, é inspirada em factos da vida real.

Bartolomeu disse...

Eu, voto que seja concedida (e exigida)à autora a total liberdade de criação!
Até porque só podemos esperar d'ela, uma escrita de nível inexcedível, e uma construção plástica expressiva.

Catarina disse...

Que venha esse desfecho tal como foi concebido originalmente! Tem razão... onde se viu agora “encomendar” folhetins “sob medida”!... : )
Mas é verdade... os leitores/telespectadores têm muita influência, por vezes, no desfecho de algumas séries de televisão (e teatro, etc) . Tem havido “finales” que tiveram mesmo que ser reescritos para satisfazer os fãs!

Suzana Toscano disse...

Pois, este vai mesmo ter que ficar como está, correndo o risco de acabar a minha carreira antes de começar...:)
Mas o modelo que referi e a que assisti, participando também, era um espectáculo de improviso e punha à prova a capacidade dos actores de, no imediato, continuarem a representação de acordo com os votos acabados de conhecer, foi um coisa notável que evidenciava a rapidez criativa e a inteligência de conseguir surpreender masmo quando se conhecia antecipadamente o guião, não foi uma operação de marketing com uma novela "feita à medida", sem desprimor para estas, claro.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
O conto está a seguir pelo caminho que eu suspeitava...
Espero agora que tenha um final feliz, depois de vencidos os obstáculos próprios da época...