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terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O Rapto de Ganímedes


Hoje, após provas académicas na Universidade do Porto, a segunda no prazo de uma semana, fui almoçar a um restaurante simpático, comer tripas. Uma delícia. Após o almoço, embora estivesse frio, o sol convidava a dar uma volta. Ainda entrei nalguns alfarrabistas, que estavam abertos, mas não senti grande vontade em adquirir qualquer obra. Habitualmente tudo começa com um livro que me atrai sobremaneira, e depois, depois devo desencadear alguma reação meio esquisita e compro uma série deles. Desta feita não houve nenhum que tivesse despoletado a ignição. Fui por aí acima. Muitas lojas, casas antigas a precisar de cuidados, um certo desleixo a esconder nostalgias de um passado rico e febril. É pena. Acabei por ir até à Praça da República. Espaçosa e “habitada” por muitas pessoas. Algumas eram velhas, mas outras eram novas com aspeto de estarem habituadas a navegar, ociosamente, naqueles espaços, chupando cigarros e escapando-se de vez em quando até alguma taverna perdida nas ruas transversais. O jardim merecia um pouco de mais cuidado. Uma estátua chamou-me a atenção. Era do padre Américo que, transformada em verdadeiro altar, denunciava sinais evidentes de fervorosa devoção à sua figura. Gostei da beleza da estátua. Um sentido estético profundo. Continuei a marcha em direção ao topo. Foi quando vi um bronze a acenar-me. Aproximei-me e fiquei embasbacado. Que obra mais bela! “O Rapto de Ganímedes”. O que é que faz aqui uma preciosidade destas? Quem é que a terá parido? Porquê na Praça da República? Não vejo qualquer relação com a república! Incrível. Tenho a sensação de que fiquei durante alguns minutos a olhá-la. Tirei uma foto que reproduzo aqui. Depois fui ver e acabei por ler que é uma escultura de um artista de Avintes, António Fernandes de Sá.

Em 1898 nascia a primeira obra de Fernandes de Sá, “O Rapto de Ganímedes”, uma prova admirável de assimilação do espírito da arte francesa de então, ensinada pelos Mestres Falguiére e Puech, dois vanguardistas de oposição ao revolucionismo estético de Rodin. “Serviu-me de modelo para o Ganímedes um lindo rapazinho italiano. Trabalhei dias e dias com todo o ardor e toda a vontade. Por vezes, esquecia-me de comer e ia almoçar às três e quatro horas da tarde. Ah, mas valeu a pena! O Rapto de Ganímedes, para deslumbramento dos meus 23 anos, foi admitido no Salon (1989), na Exposição Universal de Paris (1900) e na Exposição da Sociedade de Belas-Artes de Lisboa (1902).”

Quando voltar ao Porto, vou dar uma saltada até aquele espaço e deliciar-me com o efeito produzido por uma excecional obra de arte...

9 comentários:

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Professor Massano Cardoso
Quando menos esperamos descobrimos coisas que nos alimentam a alma! Não nos faltam talentosos artistas e belas obras de arte. Pena que sejam tão anónimos e que o património artístico não seja devidamente acarinhado, conservando-o e visitando-o. Não é, a ver pela fotografia, o que acontece com a bela estátua "O Rapto de Ganímedes" a precisar de reparar o verdete que avança sobre o bronze.
Li com fascínio a lenda do rapto de Ganímedes por Zeus, apaixonado e desejoso de possuir tão jovem e belo rapaz...

jotaC disse...

Concordo com a Dra. Margarida Aguiar, a estátua está a precisar de cuidados...agora o que eu não sabia é que o Zeus gostava de dar conselhos a fedelhos!...

Catarina disse...

Mas eu também não! Zeus?! Ah!
Sempre disposto a compartilhar connosco as suas descobertas, o seu conhecimento! Obrigada! : )

Fenix disse...

Caro Professor,
Sinto-me agradecida e envergonhada!
Agradecida porque pela PRIMEIRA VEZ VI esta estátua, apesar de a ter OLHADO inúmeras vezes; pois sendo eu natural do distrito do Porto e tendo trabalhado largos anos na Praça da Liberdade, muitas vezes passei e ainda passo na Praça da República, sem nunca ter atravessado o seu jardim! Quanto ao autor da obra, nasceu numa terra (Avintes,em V.N.Gaia)cujos habitantes, na m/ infância (nasci e estudei em V.N. Gaia)eram conotados com o que vulgarmente se chamam "parolos"...devido ao atraso da terra, apesar da sua famosa "broa de Avintes". Afinal, tal terra tinha "gerado" um tão grande artista. Fiquei envergonhada porque não vi com olhos de ver o que estava à frente dos m/ olhos e por ter ideias preconceituosas dessa terra e da sua gente. Obrigada pela sua sensibilidade e partilha.

Catarina disse...

Fenix, não posso ler o seu comentário sem lhe dizer que gostei!
Já me tem acontecido, admito: olho mas não “vejo com olhos de ver”!

Massano Cardoso disse...

Não falei da sujidade da estátua porque era mais do que evidente. O verdete, a face direita enegrecida como se fosse um lenço de negras lágrimas e o guano recente das pombas, e outra passarada, a borrar Ganimedes não conseguem, mesmo assim, roubar o encanto que emana da escultura. Agora imaginem-na limpa e cuidada! No fundo reflete muito do que nós somos: enquanto uns são excelentes artistas, outros não respeitam e nem cuidam de um património valioso capaz de contribuir para a cultura de um povo.
Há tempos - cheguei mesmo a escrever neste blog -, denunciei o estado de sujidade em que se encontrava a bela estátua de Brotero, “amante dos mortais”, no Jardim Botânico em Coimbra. Também consegui que fosse publicado num jornal da cidade. Resultado? Passados uns dias a estátua recuperou a sua “cor” original. Seria interessante que Ganimedes e Zeus, neste caso transformado em águia, pudesse recuperar a sua “pureza” inicial. Patine ou sujidade?

Massano Cardoso disse...

Fenix

A emoção que sentiu ao ler esta pequena nota é para mim muito gratificante. Eu é que lhe fico agradecido, porque nunca me passou pela cabeça que pudesse desencadear tamanha sensação. Mas olhe, quem sabe se não foi Ganímedes que a contagiou com a sua beleza..

Bartolomeu disse...

"O Rapto de Ganímedes" é um óleo do pintor Rubens, é do mesmo autor, um outro intitulado "Cristo Triunfando da Morte". Notam-se as semelhanças entre as figuras de Ganímedes e de Cristo, assim como das histórias que lhes deram origem.
Ganímedes fora raptado por Zeus que se seduziu pela sua beleza, o possuiu e o colocou no olimpo. Cristo teria sido raptado pela morte se a força do seu amor pela humanidade, não suplantasse a força da morte.

Lucas Silva disse...

Aproveito para lembrar que a escultura não se encontra mais na praça da República, mas sim no jardim da Cordoaria, em frente ao Centro Português de Fotografia.