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domingo, 24 de janeiro de 2010

Vigarice e evolução

A evolução do homem é uma realidade e tudo aponta para que no futuro a nossa espécie se transforme em verdadeiros “cabeçudos”. Pelo menos é o que dizem alguns antropólogos com base nos seus ensaios e evidências. É provável que assim seja, já que tudo aponta para um aumento e complexidade da nossa estrutura cerebral. De acordo com Yves Coppens, Lucy, australopiteco que viveu há mais de três milhões de anos, se nos visse hoje morreria de susto perante o nosso tamanho e, sobretudo, a nossa cabeça. Passar de 400 cm³ para 1500 cm³ é obra. Há quem diga que um dia teremos uma capacidade da ordem dos 5000 cm³. Para o efeito, o corpo terá de se adaptar às novas circunstâncias. Resta saber se tal aumento da capacidade craniana se acompanhará de uma evolução no sentido de comportamentos diferentes, mais “humanos”. Tenho muitas dúvidas. De facto, os primatas têm, relativamente ao corpo, cérebros grandes. A par da inteligência mecânica há que destacar a inteligência social. Tudo aponta para que o aumento do tamanho do cérebro e, consequentemente, da inteligência sejam devidos mais a exigências sociais do que mecânicas.
Segundo a hipótese da “inteligência maquiavélica” – curiosa designação! -, os mamíferos sociais, com necessidades que os animais solitários não têm, foram obrigados a desenvolver a inteligência a fim de manter as relações próprias de grupos, que são cada vez mais complexas e exigentes, dentro das quais se destacam, prioritariamente, manipular e explorar os colegas, conseguindo, assim, alcançar evidentes vantagens a menor custo. Se este aspeto é uma exigência, logo, surge outra como resposta, ou seja, a capacidade de evitar a tal manipulação e exploração.
Manipular e explorar são frutos do verbo enganar, fácil, de baixo custo e grandes benefícios. Verdadeiro sentido económico. Deste modo, a vigarice foi, é e será determinante para o desenvolvimento das espécies sociais que dependem da inteligência e do tamanho do seu cérebro, ao contrário de outros seres sociais baseados na química como alguns insetos. Somos enganados? Constantemente, e em todas as épocas. Como reagimos? Descobrindo as vigarices e tentando evitá-las. Comportamentos que revelam inteligência, sem sombra de dúvida. É a necessidade imperiosa de manipular e enganar os outros que leva ao desenvolvimento da inteligência e, assim, num crescendo, lá vamos subindo na escala da evolução à custa de um processo que nunca se irá extinguir, mesmo que alcancemos um dia uma capacidade craniana de 5000 cm³! Nessa altura as vigarices deverão ser muito sofisticadas. Nesta perspetiva tenho que dar razão à minha avó que me dizia em pequeno que andava meio mundo a enganar outro. Na altura não percebi bem o que queria dizer e perguntei-lhe se pertencia aos que andavam a ser enganados, porque não a via enganar quem quer que seja. Riu-se e disse que sim, que fazia parte do mundo que os outros queriam enganar. Mas para evitar que tal acontecesse, ser enganado e vigarizado, era preciso estar atento, olho aberto e estudar muito, porque quanto mais estudássemos e lêssemos mais dificilmente seriamos vítimas das más intenções. E, ato contínuo, perguntou-me se já tinha feito os deveres e se tinha lido as notícias da primeira página do O Primeiro de Janeiro. Uma espécie de exame oral que fazia antes do jantar, porque como já tinha lido o jornal, ficava a saber se eu entendia o que tinha lido. E se não compreendia bem, não havia problemas, porque logo de seguida explicava-me por “miúdos” as mesmas, não deixando de lançar as suas interpretações pessoais, eivadas de histórias, algumas verdadeiras encantadoras e, até, meio mirabolantes – um timbre muito pessoal -, como se estivesse a iniciar-me na arte de como evitar ser vigarizado, não obstante ter apenas a quarta classe. Às tantas, tenho de lhe agradecer ter adquirido – quem sabe? -, umas gramitas a mais de córtex cerebral...
Não me posso queixar-me muito, apesar de já ter sido vigarizado... Mas a evolução humana é isso mesmo!


"O aumento da inteligência é o resultado de dois imperativos: conspirar mais do que ser vítima da conspiração e mentir mais do que ser vítima de mentiras (Mark Rowlands, in O filósofo e o lobo)"

4 comentários:

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Professor Massano Cardoso
As variáveis com que nos temos de confrontar, os múltiplos factores que condicionam as nossas decisões acabam por ser, simultaneamente, causa e efeito. É um desafio à nossa inteligência, à nossa capacidade de processar uma realidade cada vez mais mutável, e por isso mesmo mais complexa, é também uma prova da necessidade de "sobrevivência".
É pena que nesta luta, cheia de justiças e injustiças, ande meio mundo a enganar o outro, como já dizia a sua Avó. Mas terá sido sempre assim...

Bartolomeu disse...

Eis mais um tema do nosso estimadíssimo Professor, a exigir dos leitores a aplicação de toda a capacidade de reflexão e de introspecção.
Somos dos que tentam enganar, dos que evitam ser enganados, ou dos que não o conseguem evitar?
Não é para me "armar aos cucos" mas, geralmente "topo-os à distância"... os que vêm com o "andamento" próprio e as "falinhas" características de quem anda a enganar.
Mas, quando nos sentamos numa pedra e pensamos no mundo, acabamos a encolher os ombros e concluir: se o mundo é assim... é porque não ha outra forma de ser.
Mas acerca dessa "teoria" antropológica, ainda lhe quero dizer uma coisa, caríssimo Professor. Eu sou cabeçudo, tenho um "melão" de todo o tamanho, aliás, a direcção da ANA, enviou-me uma notificação, exigindo-me que não me aproximasse menos de 2000 metros de qualquer pista de aterragem, para evitar a desorientação dos pilotos. No entanto, esta minha encefálica proeminência, não me garante um nível superior de inteligência, antes pelo contrário.
De todo o modo, se as previsões de a capacidade cerebral vir a atingir os 5000 cm3 se confirmarem... já imaginou quanto é que irá custar um capacete de motard?
Bom, por outro lado, imagino que por essa altura já não existam guerras, porque se existirem... vai ser muito fácil acertar na carola do inimigo...

jotaC disse...

Caro Professor Massano Cardoso:
Sem dúvida que teve uma avó atenta que o ajudou a ser mais “cabeçudo”. Abençoada avó!
Já tinha lido, por diversas vezes, que estamos num processo evolutivo e faz parte desse processo o aumento do nosso córtex, aumentando ao mesmo tempo a capacidade de inteligência.
Era bom que esta evolução ocorresse mais rapidamente, talvez tivéssemos a sorte de surgirem uns “cabeçudos” que nos ajudassem a banir outros tantos, que por cá andam a chagar, burros que nem portas!…

Suzana Toscano disse...

Ui, se a relação entre o tamanho da cabeça e a capacidade de detectar e aprender a defendermo-nos de vigarices for correcta então vamos ser um povo de cabeçudos num espaço de tempo recorde. Talvez com uma distribuição um tanto desequilibrada, porque há alguns especialmente dotados nessas artes...