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quarta-feira, 6 de março de 2013

Novela no Minho

O anfitrião caprichava em reunir anualmente os amigos para um almoço de lampreia na sua quinta junto a Ponte do Lima. Uma quinta do Minho: muros altos, casa apalaçada, campos de cultura e vinha e árvores de fruto, uma zona de pinhal e até alguns sobreiros e chaparros. Vinham uns de Lisboa, em excursão de fim-de-semana, autocarro alugado ou em transporte próprio, outros de Barcelos, da Póvoa, dos mais variados sítios, até de Madrid. Se o tempo estava bom, mesa e bancos corridos, o almoço era ao ar livre; se chovia, aninhava-se o pessoal na adega. Há uns anos, o anfitrião comemorou os 25 primeiros ininterruptos almoços com a distribuição de diplomas aos que sempre estiveram presentes. Um momento alto de enorme afectividade.
Entretanto, pela lei da vida, o patriarca foi enfraquecendo, mas ganhava cor e ânimo na reunião anual, que nunca abandonou. E deixou o legado ao filho: por alturas de Março, continuar o ritual. Que o filho alegre e rigorosamente cumpre. No sábado passado, lá estivemos reunidos umas dezenas de amigos e amigos dos amigos.
Invariavelmente, com a chegada do anfitrião no autocarro vindo de Lisboa, dá-se início ao ritual: as saudações da praxe são acompanhadas por uns nacos de chouriço local, umas pataniscas de confecção exemplar, broa minhota, mais um verde da quinta, branco ou tinto, na obrigatória caneca de barro. Sentam-se então os convivas para o caldo verde, seguido do arroz de lampreia, que chega em grandes e bem apresentadas travessas que se vão substituindo à medida do apetite que as consome. Rapam-se seguidamente os pratos para a lampreia à bordalesa que se segue na ementa. Ninguém quer mais, mas todos se abalançam a novas doses. E o leite-creme e as clarinhas de Fão, que um grupo de convivas tradicionalmente apresenta, não demoram tempo demasiado na mesa. Agradece-se a hospitalidade, enaltece-se a simpatia de quem serviu, louvam-se as cozinheiras que fazem a melhor lampreia que é possível neste mundo, lampreia do Rio Lima, nas bordas da quinta.
Uma quinta com tradições. Por lá morreu, ainda não há muito, um diplomata da família, ilustre e muito viajado, várias vezes arruinado ao jogo, e que aí procurou refúgio quando já mais nada podia perder. Tendo tido tudo, aguentou anos sem nada, afável e sem um queixume. Um exemplo, dizem, de resignação. Deixou saudades e simpatia na terra.
Simpatia também visível na familiaridade espontânea entre o velho dono e caseiros e que o novo dono assume por inteiro. No fim, uma família.
Tanto como o convívio, é este espírito de proximidade que se vê e sente que deixam sempre a vontade de regressar. Até para o ano. Se Deus quiser!

11 comentários:

Rui Fonseca disse...

"lá estivemos reunidos umas dezenas de amigos e amigos dos amigos."


Ó António!!!

Se é assim,
esqueceste-te de mim!

Bartolomeu disse...

E de mim...
Afinal, este tratamento do "caro", não corresponde ao que eu imaginava.
;)))
A propósito de caro... os produtos que entraram na confecção dos petiscos para a confraternização, foram acompanhados de factura?
É que, a lampreia está ao preço do kaviar...
;)))

Pinho Cardão disse...

Caro Rui:
Coubesse-me a mim fazer os convites e claro que lá estarias... e fazias parte dos amigos dos amigos. Mas, porca miseria, anfitrião é que manda. Vou procurar meter uma cunha...mas não sei se pagará imposto...

Caro Bartolomeu:
Pois digo-lhe o mesmo que ao Rui.
Quanto à factura, pois não sei, creio até que foi o pessoal da casa que pescou o artigo no rio que passa ao lado. Se é preciso licença e pagar imposto, pode estar certo de que o anfitrião nunca falha!...

Bartolomeu disse...

Dou a sua resposta por boa Estimado AMIGO, Pinho Cardão.
No entanto, não quero deixar de referir que hesitei escrever o anterior comentário, quando ao princípio do post li que na quinta do Minho existe «uma zona de pinhal».
A primeira impressão foi de que existiria uma zona de ex-banqueiros, com reformas milionárias, memebros-fundadores de movimentos de Reformados Indignados. Mas depois de reflectir um pouco, pensei: o meu AMIGO, António Henriques de Pinho Cardão, apesar de também ter sido administrador do BCP, não pertence a esses "movimentos".
Indignados... pfhhh!!! lembram-se de cada uma... lá porque recebem uma reforma miserável de 200 ou 300 euros, já pensam que se podem considerar indignados.

Pinho Cardão disse...

Caro Bartolomeu:
Fez bem em colocar o meu nome completo. É isso mesmo, sem tirar, nem pôr.
Quanto ao resto,bom,acho que o meu amigo se meteu por atalhos e o caminho certo não vai por aí. Mas cada qual segue o que quer.
No mais, sempre a considerá-lo.

Bartolomeu disse...

A consideração é mutua, Sr. Dr. Pinho Cardão e a estima... acredito na solidez daquela que tenho pela sua pessoa.
Quanto ao resto... concordo, o caminho não devia ser este, devia ser outro, mais de acordo EM TUDO com os estatutos de empresas privadas que os bancos (privados) possuem. Se assim fosse, se fossem privados EM TUDO, então, ninguem se indignaria, com as reformas "matulonas" que os seus administradores e membros de conselhos, etc, viessem a auferir.
Mas como sempre que é preciso "injectar" dinheiros em bancos PRIVADOS ele sai sempre do montinho que está reservado para pagamento das pensões miseráveis que o estado paga aos desgraçados que que passaram uma vida a trabalhar no duro e a ganhar misérias...
Quanto ao nome; acho-o até bonito, se bem que o "de" lhe dê um tom aristocrático, mas que cumpre uma função certamente, a de dar a conhecer, a quem pertence o estimado António Henriques.
Tudo na vida faz sentido, mesmo daquilo em que não o conseguimos vislumbrar.
;)

jotaC disse...

Já nem sei se gulosei o texto se as iguarias! Quanto a estas (às iguaria), a esta hora (11,30), que bem que já corriam!, e não é por alarvice, pois já conto 5 horas com os pés de fora, aqui trabalha-se a sério, 12 a 14 horas dia, sáados e domingos, tanto trabalho exige alimento, não acha, Drº Pinho Cardão?.
Tive o privilégio de passar alguns períodos (visitas) em Ponte de Lima. Lembro-me muito bem de ter estado na propriedade do conde de calheiros, no palácio da brejoeira e em muitas outras quintas de sonho, sempre bem recebido, uma gastronomia fantástica, anfitriões de luxo, gente boa e hospitaleira como esse anfitrião a que refere…

Henrique Pereira dos Santos disse...

Comentário totalmente irrelevante de corrente de deformação profissional.
Parece-me que o seu "até sobreiros" traduz alguma perplexidade por encontrar ali uma árvore do Sul. Se assim for, pode tirar o até, porque o sobreiro é sub-dominante ali (junto ao rio, ou nas encostas mais quentes, pode mesmo ser dominante) mas a falta de interesse económico empurrou-a para uma quase clandestinidade a que o abandono agrícola a está a resgatar (não será o caso dos tais sobreiros, que podem ser árvores tamanhas que ficaram mais ou menos isoladas aqui e ali para dar uns cortiços quando fosse preciso).
As minhas desculpas por este desvio.
henrique pereira dos santos

Henrique Pereira dos Santos disse...

decorrente, claro

Pinho Cardão disse...

Caro Henrique Pereira dos Santos:

Pois muito obrigado pelo esclarecimento.
De facto, o "até" reflectia alguma admiração por ver tais árvores no local. A partir de agora, vou estar com mais atenção. Abraço

Suzana Toscano disse...

Mas que saborosa novela!