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sábado, 31 de maio de 2014

Forais




Fui convidado para participar, como moderador, num colóquio sobre os 500 anos dos forais manuelinos atribuídos a Santa Comba Dão e a cinco das suas atuais freguesias outrora também concelhos. Um pequeno concelho possui no seu cofre e na sua história seis forais. Estas cartas de direitos e de deveres, que outorgaram a identidade administrativa, civil e judicial, constituem um fator de coesão e de identidade regional base de qualquer desenvolvimento e cooperação. 
Se analisarmos bem podemos verificar a existência de vários tipos de identidade, biológica, familiar, cultural, profissional, religiosa, ideológica, política, clubista, para falar das mais importantes. Todas as identidades enunciadas, se virmos bem, estão, de algum modo, subordinadas à identidade regional. Hoje já não se nasce nas aldeias, nas vilas e cidades do interior. A conquista em termos de saúde exige cuidados que só podem ser ministrados em unidades adequadas que estão concentradas em urbes com determinadas dimensões e importância. A desertificação do interior leva ao envelhecimento demográfico. Este, por sua vez, contribui, a par de medidas humilhantes, caso de poupanças do poder central, ao roubo e encerramento de serviços vitais para a coesão social e desenvolvimento local. 
Ao comemorar em ato solene, académico e popular a outorga da personalidade jurídica, civil e administrativa aos concelhos, traduzidas pelos forais manuelinos, podemos concluir pela existência de uma brutal diferença de comportamento e de atitude entre a forma de ver do poder central de então e o atual. Ao respeito, incentivo e carinho de antanho, contrasta a "destruição", humilhação e ofensa aos que por aqui ficaram, vivem e querem morrer. Gente esquecida, que se sente ameaçada por cortes e pela supressão de vários serviços. 
Não sei se as comunidades locais irão no futuro comemorar este facto, nem sei se irão existir, mas mesmo que não existam sob a forma atual, o que é perfeitamente natural, provavelmente não serão capazes de sentir essa força telúrica e social, que está desaparecer por não nascerem nesses locais e por desaparecerem para outras pátrias.
Sem identidade regional não é possível construir a memória coletiva e sem memória o futuro morre às mãos do presente. 

2 comentários:

JM Ferreira de Almeida disse...

Completamente de acordo, meu caro Professor. Falta cumprir o desiderato da democracia territorial. Todos falam do interior e da necessidade do seu desenvolvimento, mas o recuo na autonomia local e o empobrecimento humano são manifestos. Cada vez que se encerra um serviço básico com o argumento de que hoje as distâncias foram encurtadas pelo tempo de deslocação, é um foral que se retira.
Vinha a ouvir na rádio um depoimento de alguém que dizia que tem consciência da perda progressiva da sua terra natal na província pelo silêncio que ali impera. Um silêncio terrível que testemunha o abandono de muitos locais por este interior...

Suzana Toscano disse...

Sem dúvida, o problema é que hoje jã ninguêm procura a razão de ser das coisas, contam-se pelos dedos tantas freguesias, tantas comarcas, compara-se com outro país qualquer e conclui-se que não tem razão de ser. É assim e mais nada , parte-se do princípio de que o que náo se compreende é porque é absurdo, em vez de se ir estudar e ver.