Descobri que escrever depois do almoço é uma forma de saborear uma doce sobremesa. Como não “devo” comer doces, julgo ser uma forma intelectual de satisfazer o estômago e libertar a alma imbuída dos segredos de um agradável e espirituoso vinho. Ainda bem que nasci nesta parte do mundo. Assim consigo enganar muitas pessoas, inclusive o Filho de Deus que libertou ou liberta o mundo através do seu “sangue”. E se acompanhar estes pensamentos no final da refeição com um delicado e suave “alimento do espírito”, caso de um bom charuto, tanto melhor. Violo as regras de saúde, mas liberto-me, momentaneamente, da prisão da vida. É isso mesmo, não nasci para viver numa prisão, seja ela qual for, anseio pela liberdade total, talvez a do esquecimento, de mim próprio, obviamente. Sou invadido por emoções, lembranças, desejos, medos, alegrias, areias grossas de um rio e sombras da noite perdidas nos braços do amor, mas também cheio de esperança em me libertar um dia da alegoria da vida, parida com dor e alimentada com muito amor. Os meus amigos vão-se libertando, quase sempre com muita dor. Não lhes digo nada. Também não me conseguiam ouvir. Se pudessem sentir, sentar-se-iam a meu lado, bebiam um copo de vinho, fumavam um charuto e olhariam em silêncio, com a alma impregnada de paz, o céu que nos acobertou no dia em que nascemos. Julgo que sim. Recordo de um escritor, com o qual me cruzei algumas vezes, trocando apenas “bom-dia”, nada mais do que isso, embora tenha lido toda a sua obra, que disse, “a alma procura, desesperadamente, libertar-se no local onde nasceu”. Não sendo religioso, peço a Deus que considere o local da morte de alguém como sendo o mesmo aquando do aparecimento neste mundo. Não posso fazer mais. Mas penso vivamente nisso. Afinal de contas as almas são telúricas…
2 comentários:
Não há dúvida, um copo de bom vinho, tomado no final de uma agradável refeição, ou num momento de descontração, é a garantia de que o espírito se liberta e que essa libertação pode transportar-nos para além das dimensões que delimitam o corpo e a existência.
Eu, um médico — um chato, aborrecido e maçador — não faço ideia do que são almas telúricas. Nem indo aos dicionários. Pode ser só para encher chouriços.
Cumps
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