A primavera começou ontem à noite. Coisas do calendário, mas hoje é o verdadeiro dia da primavera, 21 de março. Recordo as datas do começo das estações. Era pequeno e fixei-as com carinho. De todas as estações a que mais me seduzia era a primavera. Lembro-me de olhar através da enorme janela da sala de aula. Via o meu pequeno horizonte. Ao fundo corria o rio da minha vida, o delicado e amoroso Dão. Dávamo-nos muito bem. Verdadeiros cúmplices. Lançava-lhe pedras do alto da ponte, quando a atravessava, no frio do inverno, tentando quebrar a fina camada de gelo que se formava nas suas margens à sombra do nascer de um novo dia, pensando, “daqui a uns meses mergulho no teu seio como se fosses o ventre da minha mãe”. Uma delícia mergulhar nas suas águas, doces, cálidas e cheias de um odor único que continua a perseguir-me. Amar um rio é o mesmo que amar a vida. Nesta altura do ano já as mimosas tinham nascido. A janela semiaberta da sala permitia saborear odores únicos impregnados da beleza do rio. Claro que não dava atenção ao que os professores cantarolavam. Para quê? A sabedoria dos mestres não era capaz de substituir o vigor, o calor e o amor convidativo das suas águas. As minhas memórias eram ainda pequenas, simples e voláteis, mas mesmo assim enchiam a minha pobre alma de beleza. A beleza sempre me seduziu. Apetecia-me ir até ao seu encontro. Estou longe, mas consigo estar perto da alma de um rio que tanta felicidade me deu. Não conhecia o mundo e nem as pessoas.
Já entrei no inverno da existência. Hoje, senti alegria ao saber que os meus textos, quais orações, reflexões, manifestações de desejos e de apelos, para tentar compreender o sentido da existência, conseguem dar prazer a algumas pessoas. Para mim é uma forma de pintar e desenhar o amor. Viver é isso mesmo, conseguir despertar emoção, alegria, paz e explicar, sem saber a razão, o odor primaveril da vida que um dia me tomou ao olhar e cheirar um quadro pintado por alguém que disse, “O bem e o amor existem. Não te esqueças”! Não. Claro que não me esqueço…
2 comentários:
Só um doente mental pode pensar que quer o Bem quer o Amor não existem.
Um bom apontamento da sua Infância — agora já na terceira vaga...
abraço
Recordo-me claramente do cenário que tive o prazer de admirar, quando pela primeira vez percorri a ecovia que acompanha esse maravilhoso rio, bordejado pelas mimosas floridas. O Dão é diferente dos outros rios. Talvez o seu encanto se deva mais às margens, que ao leito. Embora, certos trechos, semeados de enormes pedras graníticas, nos deem uma visão aproximada do que seria esse rio, antes, muito antes de por ali haver gente.
Devo dizer que já percorri aquela ecovia por três vezes, entre Viseu e Santa Comba e vice-versa. Devo dizer também, que tenciono voltar a percorre-la.
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