Em tempos anotei neste blog que um dos grandes problemas das decisões sobre grandes investimentos públicos é a circunstância de os factores ambientais serem entendidos não como parte do procedimento decisório, mas como algo que lhe é externo e que funciona, na prática, como uma outra decisão de carácter prejudicial.
O Senhor Ministro do Ambiente veio hoje dizer, a propósito da hipótese de nos terrenos do campo de tiro de Alcochete vir a ser construído o novo aeroporto, que é ele que, sobre a matéria, tem a última palavra.
Aos analistas da praça interessarão, sobretudo, as repercursões que estas declarações do Ministro terão no seio do Governo, designadamente a notória falta de articulação entre os ministérios mais directamente envolvidos que delas se surpreende. E não faltará quem, agendando a saída deste quase inexistente governante numa próxima remodelação governamental, veja no anúncio de uma "última" palavra a propósito de Alcochete, a consciência que o estimável Professor Nunes Correia tem de que se aproxima o fim do seu mandato.
Mas a declaração tem uma dimensão e um significado que vão muito para além destas conjecturas da pequena política. Ao reclamar para o Ministro do Ambiente a palavra definitiva sobre a localização de uma infra-estrutura tão relevante como o novo aeroporto, subtraíndo à política uma decisão baseada na ponderação, do ponto de vista do interesse nacional, de inconvenientes e vantagens, afirma-se mais uma vez, e de uma forma clara, a visão de que as questões ambientais não devem ser entendidas como pressupostos ou condicionantes, a par de outras, mas que são elas a decisão.
Esta forma de entender as competências do Ministério do Ambiente como última ratio das políticas do desenvolvimento, afasta a visão correcta da tranversalidade das boas práticas ambientais. Isto é, uma visão que implique a ponderação das questões do ambiente e da conservação da natureza nos processos decisórios sectoriais, fazendo afinal de cada ministro um ministro do ambiente.
A prática tem revelado que estas esganiçadas proclamações de poder só contribuem, no final das contas, para desacreditar os valores que as políticas ambientais deveriam afirmar.
2 comentários:
Aqui está um ponto de vista exigente, caro Ferreira d'Almeida, que eliminaria algum folclore que há à volta do tema ambiental e defenderia o que é de preservar.
Caro Ferreira de Almeida:
De facto, a autonomização das questões ambientais em relação a todas as outras variáveis em jogo no estudo de um projecto é uma aberração completa. Com a agravante de estar estabelecida na lei. Nunca me passaria isso pela cabeça, caso não tivesse aprendido isso consigo, num dos posts que fez para o 4R.
Daí que o Ministro tenha fundamento para dizer que a última palavra é sua. Erradamente, é!...
Mesmo que, no caso concreto, essa palavra possa ser, pelo que ouvi, a palavra certa!...
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