Tanto quanto as preocupações profissionais de final de ano me têm permitido, venho procurando entender as razões do falhanço histórico que constituiu a conferência de Copenhaga sobre as alterações climáticas. Certo é que o insucesso, em particular da cimeira das lideranças mundiais, era há muito vaticinado. Aqui, na 4R, demos conta desse pessimismo meses antes da abertura dos trabalhos. Esperava-se, porém, que os encontros ao mais alto nível, entre chefes de Estado e de governo permitisse lançar as bases para a celebração ulterior de um tratado substitutivo do Protocolo de Quioto na fixação de metas de redução dos poluentes atmosféricos, desiderato primeiro desta reunião. Afinal, a cimeira teve o efeito contrário ao avolumar o pessimismo, faltando saber em que medida a incapacidade de entendimento revelada pelas lideranças dos principais responsáveis pelas emissões tornará ou não reversível este sentimento.
A verdade é uma, e é insofismável por muito que se queira dar a entender que os resultados não foram maus de todo. Este modelo de discussão de grandes questões internacionais dá evidentes sinais de esgotamento. Dificilmente se consegue, numa cimeira à escala planetária, superar as diferenças e divisões entre os novos blocos surgidos neste século XXI, num crescente movimento de regionalismo internacional que parece contrariar a tendência para a globalização. Curiosamente, a última vez que uma conferência internacional alcançou sucessos visíveis, convocada pela ONU e de acordo com este modelo, decorreu também sob a égide da emergência ambiental universal. Foi há 17 anos, tratou-se da Cimeira da Terra realizada no Rio de Janeiro, e foi responsável pelos mais relevantes instrumentos de regulamentação internacional em vigor sobre ambiente e biodiversidade.
O ´Público´ na sua edição de hoje, lança uma interrogação fundamental, que é afinal a interrogação que suscita o fracasso de Copenhaga depois do anterior flop que constituiu a conferência convocada sobre o combate ao racismo ou perante incapacidade manifesta de liderança na erradicação do terrorismo: estaremos a caminhar para a irrelevância da ONU tal como a conhecemos?
6 comentários:
Dr. José Mário, estimado amigo.
Está mesmo convencido que os chefes de estado participantes da cimeira de Copenhaga, levavam na bagagem algo mais que a vontade de conseguir reterirar dali um resultado compatível com o comprometimento com os seus apoiantes eleitorais?
Não podemos fechar os olhos à evidência dos nossos tempos, caro Doutor.
A "força" dos países económicamente mais fortes, assenta essencialmente na produção e essa, para mal dos nossos pecados, depende totalmente de fontes de energia altamente poluentes.
Daí, no meu ponto de vista, qualquer cimeira, não passa de um incomensurável golpe teatral.
O exemplo mais... semelhante que encontro é quando alguem está hospitalizado, vítima de uma doença terminal, e os amigos o visitam e... numa tentativa de lhe dar ânimo, lhe dizem: força que vais melhorar, dentro de pouco tempo vais estar aí novamente para as curvas.
Em minha opinião, caro Dr. J. Mário, enquanto não se descobrir uma fonte alternativa, tão ou mais rentável que a queima de combustíveis líquidos ou fósseis, podem chover cimeiras, podem ser gastos milhões de euros ou de dólars, ou de libras, em estadias, viágens, estudos de impacto, seminários, conferências, pareceres, etc, etc. que o problema irá manter-se. Quer dizer... se se mantiver já não é xita.
A alternativa, bom, essa está nas mãos do próprio ambiente, que ao que me parece está a reagir à ignomínia humana.
A ver vamos...
Caro Ferreira de Almeida:
Mas pode haver alguma conferência séria com o folclore dos milhares de ONGs e outras Associações ambientalistas cá fora a darem opiniões, a pressionarem, a contestarem, a condicionarem, a quererem dirigir ou sobrepor-se aos trabalhos e à decisões dos políticos?
Assim a modos como o Parlamento português, em 1975, sequestrado pelos operários da construção civil?
Meus caros Bartolomeu e Pinho Cardão:
Têm razão. Não estavam criadas as condições para o consenso gerador de um tratado dotado de efectividade. E tratado não efectivo já temos um, o Protocolo de Quioto, que se ficou pelo mérito de, pela primeira vez ter posto de acordo um número significativo de Estados - que não os Estados necessários - quanto à emergência de reduzir as emissões poluentes.
O problema da efectividade das convenções internacionais não é um problema novo, nem tão pouco uma questão que surgiu por causa deste problema. É quase inerente ao direito internacional público e depende muito dos Estados que outorgam os tratados, designadamente os de carácter universal como aquele que se tentou aprovar em Copenhaga pretendia ser.
Quanto às dificuldades que referem, naturalmente que estou de acordo, genericamente, com elas. Outras existem que significam fortissimos condicionamentos à obtenção de um acordo exequível. A principal das quais é, sem dúvida, o facto de a consolidação da China e da India como potências económicas não meramente regionais, e outros emergentes, basearem o seu crescimento na economia do carbono e assim continuar a ser por muitas décadas.
Independentemente disso e de inumeros outros factores que pesam na decisão de restringir as emissões, estou convencido que mais tarde ou mais cedo, se calhar com lideranças mais esclarecidas, o mundo tem de caminhar para uma plataforma de entendimento. É inevitável.
Falta, talvez, a orgânica. Falta uma organização internacional liderante, à qual os Estados emprestem autoridade e a ela se submetam. Já que me parece que a ONU não tem condições para desempenhar esse papel. Essa é uma constatação que Copenhaga permite.
Quanto às ONG, meu caro Pinho Cardão, também julgo que não acrescentam nem consciência nem serenidade à dsicussão sobre as melhores (possíveis) soluções. Os exageros - que, sendo justos, são mais devidos a movimentos neo-anarquistas, muito activos, que a comunicação social agiganta - criam sobretudo desconfiança na opinião pública acerca da razoabilidade do que está em causa. E sem a confiança da opinião pública nenhum dirigente político se sente confortável na defesa de medidas que impõem sacrifícios. É assim na cena internacional como no domínio interno...
Porém, meu caro Pinho Cardão, as ONG e os grupos sociais não organizados, fazem parte deste mundo. E ai dos dirigentes políticos se o barulho inconsistente dessa gente perturbar a sua capacidade de bem decidir sobre questões decisivas para o nosso futuro e dos que herdarão o planeta!
De facto, diz bem, caro Ferreira de Almeida, muitas ONG mais não fazem do que criar desconfiança sobre a razoabilidade do que está em causa. Mas os governos são fracos e as ONG fazem muito barulho. Barulho financiado pelos subsídios que os governos lhes atribuem...
Se o objectivo da cimeira fosse a “fixação de metas de redução dos poluentes atmosféricos” era um bom objectivo. Mas o objectivo era reduzir as emissões de CO2, que, por sinal não é um poluente, mesmo em concentrações muito superiores à que hoje se observa na atmosfera.
No interior de uma sala de conferências a concentração de CO2 é muitas vezes maior do que a que se verifica na atmosfera e se alguém cai para o lado na cadeira é mais por sonolência provocada pelo orador do que por via do CO2.
A propósito desta cimeira falou-se muito de objectivos ambiciosos, mas nunca se referiu em detalhe o que era necessário fazer para os cumprir. E muito menos se falou das consequências que teriam as medidas a tomar para o efeito. A razão é simples. Se a generalidade das pessoas soubesse o que as esperava, não daria o seu acordo.
Meu caro Jorge Oliveira, como sabe não é só o CO2 que está em causa, mas um conjunto de emissões poluentes. A expressão não foi utilizada por acaso.\
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