O Tribunal Constitucional diz que há uma inconstitucionalidade no Código da Estrada, quando este diploma não prevê um direito de recusa dos condutores a efectuar o teste de recolha de sangue, perante uma fiscalização na estrada por parte das forças policiais. Segundo o Código da Estrada a recusa é um crime de desobediência.
Mas não foi este o entendimento do Tribunal da Relação do Porto que determinou que o condutor tem o direito de recusar, não havendo crime de desobediência.
Segundo entendi há inconstitucionalidade porque a não previsão de recusa do direito não é competência do governo mas sim da Assembleia da República.
Vai continuar a ser possível a um condutor recusar-se a fazer o teste de recolha de sangue, invocando junto de um tribunal que tal comportamento constitui um direito e não um crime de desobediência. Pode acontecer, no entanto, que o tribunal que julgar o caso venha a ter um entendimento diferente do Tribunal da Relação do Porto.
Pergunto: se é importante em termos de prevenção rodoviária precaver a recusa do teste de recolha de sangue por parte de um condutor porque é que a lei não é alterada? Para que serve uma lei que pode ter entendimentos diferentes por parte dos visados e estar sujeita a interpretações distintas por parte dos tribunais, impedindo assim que a sua aplicação seja universal? Uma dúvida tão importante parece estar instalada desde 2005, ano em que foi aprovado o novo Código da Estrada.
Fazer leis é uma actividade em que nos especializámos, em particular quando se trata de cuidar dos aspectos formais. As formalidades têm a sua importância, com certeza, mas não menos relevante deveria ser a eficácia das leis que produzimos.
Mas não foi este o entendimento do Tribunal da Relação do Porto que determinou que o condutor tem o direito de recusar, não havendo crime de desobediência.
Segundo entendi há inconstitucionalidade porque a não previsão de recusa do direito não é competência do governo mas sim da Assembleia da República.
Vai continuar a ser possível a um condutor recusar-se a fazer o teste de recolha de sangue, invocando junto de um tribunal que tal comportamento constitui um direito e não um crime de desobediência. Pode acontecer, no entanto, que o tribunal que julgar o caso venha a ter um entendimento diferente do Tribunal da Relação do Porto.
Pergunto: se é importante em termos de prevenção rodoviária precaver a recusa do teste de recolha de sangue por parte de um condutor porque é que a lei não é alterada? Para que serve uma lei que pode ter entendimentos diferentes por parte dos visados e estar sujeita a interpretações distintas por parte dos tribunais, impedindo assim que a sua aplicação seja universal? Uma dúvida tão importante parece estar instalada desde 2005, ano em que foi aprovado o novo Código da Estrada.
Fazer leis é uma actividade em que nos especializámos, em particular quando se trata de cuidar dos aspectos formais. As formalidades têm a sua importância, com certeza, mas não menos relevante deveria ser a eficácia das leis que produzimos.
Não sendo jurista fico sempre perplexa com tanta confusão legislativa e pergunto-me sempre porque é que o legislador é um ente tão complexo? Um "simplex" legislativo era capaz de ser uma boa ideia...
9 comentários:
Não é o legislador que é complexo. É a renda que dá tornar complexo o legislador.
Cara MCA
Enquanto duas figuras proeminentes da Justiça, como o são o pSTJ e o PGR, se entretiverem a dar exemplos pouco abonatórios do entendimento das leis, como o tem feito no caso Face Oculta, creio bem que não haverá "simplexes" legislativos que nos valham.
Cordialmente
Na realidade a confusão legislativa e o desentendimento entre os seus aplicadores e intérpretes é chocante.
Perante este “post” não resisto a contar um facto em que de uma maneira, não sei se directa ou indirectamente, entrei.
Há alguns bons anos (ainda os agentes da autoridade cassavam a carta de condução no acto da autuação) fui abordado por um colega que, exibindo uma notificação, me pediu para fazer uma exposição aos responsáveis dos Serviços de Viação pedindo “clemência”para o que lhe acontecera. Havia sido multado e punido com uma proibição de conduzir por 60 dias ao ser apanhado a conduzir em excesso de velocidade e embriagado, quando regressava de uma festa na madrugada de 01/Janeiro. Acresça-se que o homem era o motorista do serviço e estava completamente em pânico.
Eu, pobre de mim, que alguns meses antes havia sido punido com uma apreensão de carta por 15 dias por excesso de velocidade, quando levava a minha mulher ao médico (absolutamente verdade) e esse argumento de nada me valera, fiquei atarantado. No entanto, perante o desespero e insistência do homem, resolvi fazer algo. Enchi-me de “coragem” e, num grande arrazoado, fiz notar que tal actuação das autoridades era inconstitucional porquanto não permitia a opção de defesa. Quem garantia que o radar que mediu a velocidade estava aferido? Como poderia o autuado provar que não estava embriagado se o retiveram durante horas sem lhe permitir a possibilidade de uma contra-prova?
E , embora descrente, lá seguiu a exposição…
Surpresa das surpresas, na volta (sem exagero) do correio, veio o perdão da multa e a carta devolvida. Sem mais palavras.
Elucidativo, não???
Salvo melhor opinião, a norma do Código da Estrada continua plenamente em vigor.
A decisão do Tribunal Constitucional não tem, por enquanto, força obrigatória geral. São precisas três decisões no mesmo sentido, proferidas pelo TC e isso ainda não aconteceu. Por consequência, os agentes fiscalizadores podem continuar a aplicar a lei que está em vigor e a processar por desobediência os prevaricadores. Os processados podem sempre recorrer. Não há, nem nunca houve, leis perfeitas. Se as leis fossem perfeitas, para que serviriam os tribunais?
Caro Tonibler
Assim sendo, tem alguma receita para baixar a "renda"?
Caro Insatisfeito
O estado da Justiça está a todos os níveis com problemas graves. Quando os exemplos não vêm de cima...
Caro SLGS
Se a sua táctica pega, lá se vão as receitas das multas por excesso de velocidade!
Imagino que tenha tido honras de herói!
Caro Parker
Não ponho em causa que a dita norma esteja em vigor.
A razão do meu texto era, a bem dizer, outra.
Leis mal feitas e um sistema judicial que funciona mal são factores que convergem para o aumento da conflitualidade. Não são por certo as melhores razões para justificar a existência dos tribunais.
Margarida, as leis nunca são perfeitas quando as pessoas estão muito mais determinadas em incumprir do que em agir como deve ser. Uma pessoa que conduz embriagada é uma ameaça aos outros condutores e aos transeuntes e o teste do álcool não é uma violência mas uma acção preventiva e dissuasora, por isso até acho muito estranho que seja considerado um "direito" a recusa do teste, desde que solicitada no âmbito das competências e devido e correcto uso da autoridade.Muitas das leis são complexas e obscuras precisamente porque são feitas a pensar nas mil e uma formas de as incumprir, o que as torna labirínticas e burocráticas, falta a censura social aos comportamentos que põem em risco os outros e violam as leis.
Tal como a Suzana Toscano referiu, também eu duvido que a recusa a fazer o teste de alcoolemia possa constituir um direito. Foi outra a decisãodo TC e da Relação? Pois foi. Mas não é um dado adquirido que outras decisões do TC venham a ser proferidas no mesmo sentido. Sendo certo que sofremos de "legislativite aguda" e que boa parte das leis são feitas em cima do joelho, não posso, em consciência, acusar disso a norma em questão do Código da Estrada. É razoável para cada qualquer pessoa de bom senso. E como referiu a Suzana, o teste obrigatório não é uma violência mas uma acção preventiva e dissuasora.
Caro Parker
Concordo plenamente que a referida norma é necessária e que o direito de recusa é um absurdo, retirando-lhe a eficácia para que foi criada.
Mas parece que os diversos legisladores estão muito mais preocupados com os aspectos formais da dita norma do que com a sua substância, retirando-lhe as funções dissuasora e correctiva para que foi criada.
Ñão conheço a decisão do TC e por isso não me pronuncio sobre o caso concreto. Mas a prevalência das formalidades sobre a substância é um atavismo muito nacional, talvez consequência do medo de tomar decisões, porque na verdade as formalidades deviam ser apenas um modo de organizar o processo de decidir, garantindo as suas várias etapas e a possibilidade de serem verificadas. A questão é que ganham vida própria e tornam-se elas próprias "substanciais", dando a aparência de que tudo foi cumprido...e que o fundamental vem por acréscimo!
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