1.A edição do F. Times de 3 do corrente inseriu um artigo da autoria de José Maria Brandão de Brito, quadro superior do BCP, intitulado “New rules on liquidity culd do more harm than good”.
2.Não me recordo de ter lido neste jornal um artigo de opinião de autor português…acrescentando a esse dado o facto de se tratar de um artigo de elevada qualidade, em minha opinião, entendi que era mais do que justificado deixar-lhe uma referência especial, embora breve (não dispensa a leitura do mesmo) neste nosso espaço de comentário.
3.No essencial o Autor põe em causa os fundamentos de uma medida que conheceu a primeira aplicação no Reino Unido em Outubro último, por iniciativa da Financial Services Authority e que visa reforçar a liquidez dos bancos em geral, obrigando-os a investir parte significativa das suas disponibilidades em dívida pública (“high-quality government bonds”), criando uma almofada de liquidez para utilizar em tempos de eventual crise…
4.Brandão de Brito chama a atenção para diversos problemas que esta nova regulamentação coloca, nomeadamente se a sua aplicação alastrar à generalidade dos outros países - o que parece muito provável dado que goza do apoio do Committee of European Banking Supervisors.
5.Entre outras consequências, estas novas regras deverão afectar os resultados e a capacidade dos bancos concederem crédito às empresas, uma vez que terão que consignar uma parte importante das disponibilidades – B. Brito refere um montante da ordem de 10% do total dos activos – à aquisição de dívida pública. Os bancos terão assim que conceder menos crédito à economia e esse crédito será tendencialmente mais caro para compensar a perda de rentabilidade com juros muito inferiores pagos pela dívida pública adquirida “à força”.
6.Outra consequência será o efeito redutor no custo das dívidas públicas consideradas de “high-quality” – a dívida grega não deixará por certo de figurar neste quadro de honra – incentivando ainda mais as práticas despesistas dos governos dos países emitentes…e desincentivando os esforços de consolidação orçamental que têm sido apontados como essenciais no médio prazo pelo menos.
7.Estas regras podem ainda vir a ter efeitos perversos em caso de uma futura crise de liquidez…nesse eventual cenário, os bancos tenderão a precipitar-se na venda desses activos “high-quality”, criando uma situação de excesso de oferta e de ausência de compradores, reduzindo consideravelmente o valor de mercado dessa dívida e a sua liquidez…
8.Brandão de Brito comenta, a este propósito, que a liquidez de um activo não é uma qualidade estática, aquilo que hoje é muito líquido pode vir a tornar-se um “mono” se as circunstâncias do mercado se modificarem…estaria a pensar, sem o dizer abertamente, nas dívidas grega e quejandas?
9.Em suma, um artigo de opinião muito actual e de qualidade – devo esclarecer que não conheço o Autor - perfilhando ideias que se afiguram sensatas e a merecerem especial atenção…embora me pareça que os reguladores, na sua estratégia característica de “casa assaltada trancas à porta” bem pouca atenção irão dar a estes avisos, até um dia…
12 comentários:
Caro Tavares Moreira:
Também li o artigo e achei-o, para além de excelente, muito oportuno clarificador.
O Dr. Brandão de Brito é o Director do Research do BCP e, quer por preparação académica, quer pelas funções que desempenha, conhece muito bem o tema.
Aliás, o teor do artigo, muito bem sintetizado pelo meu amigo, demonstra-o cabalmente.
Como todas as boas contribuições, provavelmente não irá ter eco em Portugal. Lamentavelmente.
...a não ser nas publicações atentas como o 4R, pela mão do meu amigo...
Bem, na realidade a FSA só tem seguido as directivas de Basileia relativas à liquidez e nem por isso é muito original. O Banco de Portugal, por exemplo, tem obrigado a Caixas de Crédito Agrícolas independentes a colocarem metade da sua liquidez em locais seguros como o BPP e AIG, porque instituições tão pouco seguras (apesar dos 50 anos de solidez imaculada) devem colocar os depósitos dos clientes em sítios seguros...
Mas, folclore nacional à parte, não acho que a situação inglesa possa ser vista de um ponto de vista meramente de mercado (com a ressalva de não ter lido o artigo). O autor tem razão quanto à possibilidade de o mercado ser inundado de títulos supostamente líquidos, mas quem é que, no fim do dia, garantiu a liquidez dos bancos no passado? Pois, o emitente desses títulos! Na realidade, aquilo que a FSA está a fazer é impor um mega fundo de liquidez o que, face ao passado, significa que os bancos vão colocar nos balanços, não puros títulos de dívida, mas um misto de título de dívida e unidades de participação de um fundos de estabilidade. Em tempo bom, são títulos de dívida, em tempo mau são unidades de participação.
Resumindo, sem ler o artigo em causa, as reservas do autor aqui transmitidas fazem algum sentido mas se a liquidez não é uma qualidade estática dos activos, as regras de estabilidade, paradoxalmente, também deixaram de o ser.
PS: BCP sempre foi um banco à parte. Sempre foi líder de facto devido aos seus quadros são 40 vezes melhores que os seus homólogos dos outros bancos, porque não têm medo de falhar. Não conheço o Brandão Brito pessoalmente, mas ser HR do BCP é posto!
A não perder, também, os artigos que Brandão de Brito escreve regularmente no jornal i.
Suspeito que terá razão, caro Pinho Cardão, este artigo não terá qq eco em Portugal: é bem elaborado, está publicado num órgão de comunicação de máximo prestígio...mas sustenta uma tese que vai contra a corrente, logo não interessa citar.
Essa análise dicotómica dos títulos de liquidez forçada, entre títulos de dívida em tempos de bonança e unidades de participação de um fundo de e(ins)stabilidade em tempos de turbulência, é mesmo original caro Tonibler...mesmo não concordando, reconheço a criatividade da ideia!
Ao contrário do Banco de Portugal, caro Tavares Moreira, os tipos da FSA percebem de banca. Podem não ser tão certeiros nas previsões macroeconomicas, mas de finanças eles sabem.
Caro Tonibler,
*#£%»§&{]}«~@;.......!?!?!?
Neste caso, quem me parece ter razão é Brandão de Brito, não a FSA...porque não usam o velho sistema das reservas de caixa, em função das responsabilidades por depósitos?
Caro Tavares Moreira,
Mas é isso que estão a usar, de forma reforçada. Vamos imaginar que os depósitos interbancários passavam a ser transaccionados numa bolsa sem risco, como acontece com os títulos de capital, isto é, quando compro liquidez recebo um título de liquidez. Os títulos que a FSA força os bancos a comprar são títulos do estado que, se o problema de liquidez for desse banco em particular é transaccionado como título de dívida, se o problema é sistémico, é a contribuição do banco para a bolsa de liquidez que, no fundo, foi esse o papel dos estados no passado.
Na realidade, Brandão Brito tinha razão há 2 anos, hoje ninguém acredita que existam riscos sistémicos de liquidez. Isso já não existe. O que vai acontecer se o mercado for invadido de OT's é que o emitente desses títulos vai encher os bancos de dinheiro na mesma.
Caro Paulo,
Vem levantar um ponto de grande interesse e actualidade...
Tenho a percepção de que a Irlanda está assumindo medidas de contenção da despesa pública de "se lhe tirar o chapéu"...se fossem tomadas entre nós fariam cair "Carmo e Trindade" para além de "S. Bento & Cª"...
Não me espantaria se daqui por um ano a Irlanda volte a ser apontada como um notável exemplo de correcção estrutural, enquanto que nós, pelo andamento que levamos, seremos um exemplo notável de patinagem estrutural...
Caro Tavares Moreira,
Eu percebo e até acho oportunas as razões evocadas. No entanto, pergunto se não faz algum sentido, dado que quando os bancos se encontram em má situação financeira, é o Estado que injecta dinheiro para os salvar. É como diz o ditado, "temos de ser uns para os outros".
Por outro lado há a desvantagem de aumentar o espírito já consumista dos Estados e poder tornar o dinheiro mais caro para os futuros empréstimos.
Caro Tavares Moreira,
Eu percebo e até acho oportunas as razões evocadas. No entanto, pergunto se não faz algum sentido, dado que quando os bancos se encontram em má situação financeira, é o Estado que injecta dinheiro para os salvar. É como diz o ditado, "temos de ser uns para os outros".
Por outro lado há a desvantagem de aumentar o espírito já consumista dos Estados e poder tornar o dinheiro mais caro para os futuros empréstimos.
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