Parece uma garotinha, com o seu corpo miúdo, sorriso largo e cabelo apanhado com um elástico, os traços nítidos da mistura de raças que se cruzaram pelos confins do Brasil. Veio da Rondónia, um estado que fica para lá da Amazónia, entre Mato Grosso e a Bolívia, mas nunca tinha saído da sua aldeia, onde o chão é de terra batida e distante três horas de carro da capital, Porto Velho. Nunca tinha saído até que as amigas começaram a vir para Portugal, primeiro uma, depois muitas, ela decidiu que não podia ficar ali, onde nada tinha mudado desde que se lembrava, ao longo dos seus pouco mais de vinte anos. Foi à escola para apenas saber ler e escrever e começou a trabalhar aos 12 anos, na “faxina”, como ela diz, casou aos 16 mas não teve filhos, ali não há médico, era preciso ir à cidade, “tanta pobreza, agora é que vejo”, diz com tristeza.
O marido hesitou quando foi preciso decidir, ela tomou a iniciativa, “as mulheres são mais corajosas, não sabe? eles leva mais tempo a querer muito uma coisa”, pegou na malita, no pouco dinheiro e disse “eu vou à frente, se correr bem eu te chamo e tu vai”. Viajou com uma amiga até Porto Velho, Brasília, Itália, aí separaram-se, continuou sozinha até Barcelona, o avião era muito caro, veio de camioneta com outra brasileira que a ajudou “foi Deus que a colocou no meu caminho, eu ia ficar ali mesmo, a chorar”. Quando chegou a Sete Rios, doze horas depois, eram seis da manhã e ligou à amiga que devia esperá-la, mas ela não atendia. Esperou numa paragem de autocarro horas a fio, sem fazer ideia de onde estava e apavorada de medo que a polícia lhe perguntasse o que fazia ali. Quando a outra atendeu, disse-lhe que fosse ter com ela perto de Sintra, de Lisboa não sabia quase nada. Tomada de pânico, chamou um táxi para a levar à morada e isso custou-lhe todo o dinheiro que tinha para aguentar os primeiros tempos. Quando finalmente viu a amiga, desmaiou de fome e de esgotamento, “mas Deus me ajudou, eu consegui”.
Foi assim que ela contou como chegou a Portugal, há 4 anos. Já está legalizada, o marido veio meses depois, é canalizador e conseguem viver “bem demais, aqui não há falta de nada, temos trabalho, água na torneira, uma cama com lençóis e mesa com toalha, aqui há gente boa, tudo o que preciso eu tenho porque me deram”.
Mas as saudades são muitas e os pais e os irmãos precisam de muitas coisas que ela foi juntando para lhes levar. Vai hoje de viagem, com quatro malas, “tudo o que eu recebi eu vou levar para eles, só comprei duas blusas com marcas de futebol para os meninos” e “vou tirar foto de tudo o que vir no caminho porque da outra vez eu não vi nada não, era só medo”. À despedida, um último sorriso e a insistência receosa “eu vou voltar, me espera mesmo”.
Até Janeiro, boa viagem, é incrível como a vontade encurta as distâncias!
O marido hesitou quando foi preciso decidir, ela tomou a iniciativa, “as mulheres são mais corajosas, não sabe? eles leva mais tempo a querer muito uma coisa”, pegou na malita, no pouco dinheiro e disse “eu vou à frente, se correr bem eu te chamo e tu vai”. Viajou com uma amiga até Porto Velho, Brasília, Itália, aí separaram-se, continuou sozinha até Barcelona, o avião era muito caro, veio de camioneta com outra brasileira que a ajudou “foi Deus que a colocou no meu caminho, eu ia ficar ali mesmo, a chorar”. Quando chegou a Sete Rios, doze horas depois, eram seis da manhã e ligou à amiga que devia esperá-la, mas ela não atendia. Esperou numa paragem de autocarro horas a fio, sem fazer ideia de onde estava e apavorada de medo que a polícia lhe perguntasse o que fazia ali. Quando a outra atendeu, disse-lhe que fosse ter com ela perto de Sintra, de Lisboa não sabia quase nada. Tomada de pânico, chamou um táxi para a levar à morada e isso custou-lhe todo o dinheiro que tinha para aguentar os primeiros tempos. Quando finalmente viu a amiga, desmaiou de fome e de esgotamento, “mas Deus me ajudou, eu consegui”.
Foi assim que ela contou como chegou a Portugal, há 4 anos. Já está legalizada, o marido veio meses depois, é canalizador e conseguem viver “bem demais, aqui não há falta de nada, temos trabalho, água na torneira, uma cama com lençóis e mesa com toalha, aqui há gente boa, tudo o que preciso eu tenho porque me deram”.
Mas as saudades são muitas e os pais e os irmãos precisam de muitas coisas que ela foi juntando para lhes levar. Vai hoje de viagem, com quatro malas, “tudo o que eu recebi eu vou levar para eles, só comprei duas blusas com marcas de futebol para os meninos” e “vou tirar foto de tudo o que vir no caminho porque da outra vez eu não vi nada não, era só medo”. À despedida, um último sorriso e a insistência receosa “eu vou voltar, me espera mesmo”.
Até Janeiro, boa viagem, é incrível como a vontade encurta as distâncias!
10 comentários:
Não há como a Suzana para nos contar estas histórias de vida, que juntam drama, tristeza, amizade, ternura, compaixão, medo e esperança,e muitas vezes, como agora, a alegria de um fim feliz.
Cara Dra. Suzana Toscano:
Foi assim, nos idos anos sessenta, também milhares dos nossos compatriotas procuraram em países estrangeiros melhorar as suas condições de vida. Talvez por isso mesmo sejamos tão receptivos e compreensivos a fenómenos migratórios como este, e, por consequência, ao multiculturalismo que já começámos a detectar a cada lugar onde vamos.
Até somos capazes de ter muitos defeitos pois, não evoluímos, não aproveitamos as oportunidades...mas que somos desde há séculos cidadãos do mundo, lá isso somos!
Cara Dra. Suzana Toscano:
Foi assim, nos idos anos sessenta, também milhares dos nossos compatriotas procuraram em países estrangeiros melhorar as suas condições de vida. Talvez por isso mesmo sejamos tão receptivos e compreensivos a fenómenos migratórios como este, e, por consequência, ao multiculturalismo que já começámos a detectar a cada lugar onde vamos.
Até somos capazes de ter muitos defeitos pois, não evoluímos, não aproveitamos as oportunidades...mas que somos desde há séculos cidadãos do mundo, lá isso somos!
Embora nos queixemos (tendência constante de muitos), há situações piores que as nossas. Apesar de Portugal estar a passar por uma fase muito difícil (que já se vai arrastando há muito), é um país de acolhimento, que dá as boas vindas a todos aqueles que procuram um lugar melhor onde viver.
Não tenho nada contra o multiculturalismo nem contra a imigração.
Somos, indiscutivelmente, cidadãos do mundo - como diz JotaC - somos generosos e amigos dos nossos amigos.
Mas considerando a fase precária do país, quais as vantagens (para Portugal, neste caso) de receber novos imigrantes?
Suzana
A história que nos conta lembra-nos que há vidas muito difíceis e que a vontade de viver uma vida melhor é tão grande que a coragem supera o medo do desconhecido. E quando corre bem, a alegria deve ser muito transbordante.
Ao mesmo tempo que acolhemos essas "vidas" e lhes damos uma oportunidade, os nossos partem, também à procura de um futuro, por não sermos capazes de os acolher na nossa própria casa. Estranha constatação!
Somos um país de acolhimento?! Somos. Porque infelizmente há realidades piores que as nossas. Dá-mos as boas-vindas!? Hum...isso já duvido...Ou não. Pois há sempre uns empregadores disponíveis e sedentos de mão-de-obra mais barata! Felizes dos que partem hoje de Portugal, mesmo sem terem grandes qualificações e especialmente por isso, pois aqui se "caem" no desemprego ou na doença... lá se vai a máscara do acolhimento e das boas-vindas, e atiram-nos para a sarjeta, revelando-se um país no seu pior. E olhem que eu sei do que estou a falar...
Considerando a grave situação económica do país, a entrada de mais imigrantes não será uma sobrecarga na economia e não irá fragilizar as infraestruturas já débeis.
De acordo com estudos realizados por George Borjas, economista de renome da Universidade de Harvard, a imigração só tem um impacto significativo: reduz os salários dos nativos desse país.
Há quem diga que quanto maior for a força laboral, maior será o progresso do país de acolhimento. Há quem discorde alegando que países como a Finlândia, a Suiça e o Japão, por exemplo, não dependem da imigração.
Existem sempre as situações de cariz humanitária...
Gostaria de ler uma opinião sobre este tema: imigração em Portugal.
Cara Catarina, não sei dar-lhe uma opinião "científica" sobre um tema tão complexo. No entanto, a mobilidade intensa que hoje existe a n+ivel global torna quase impossível que se estabeleçam na secretaria as regras ideais para cada país. Além disso, se aqui não houvesse trabalho, os imigrantes não vinham e a prova é que, agora que há muito menos actividade com mão de obre pouco qualificada muitos já se foram embora. Mas para o nosso País, assim como foi para Espanha, a entrada de imigrantes sustentou muitas actividades que os portugueses já não querem assegurar e hoje já não sabemos como viveríamos sem eles (só a título de exemplo, nas lojas, restaurantes, serviço doméstico, acompanhamento de idosos, comércio, pequenas empresas, etc. O El Páis trouxe há tempos um artigo em que dizia que se os imigrantes em Madrod saíssem todos em 15 dias a cidade pura e simplesmente paralisava, além de que mais de metade das casas construidas nos últimos anos foram compradas por imigrantes. Para não falar da ajuda aos níveis de natalidade...
Obrigada, cara Suzana, por dispender alguns momentos do seu tempo para me responder. Não me tinha apercebido até este preciso momento que o tinha feito.
cara catarina, é sempre um ganho de tempo conversar consigo.
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