Os franceses são um povo que sempre admirei, mesmo se considerados fora de moda e em declínio, porque a verdade é que souberam manter o culto do pensamento e da reflexão, esse gosto esquecido pela filosofia, pelo sentido da História e pelo estudo da razão de ser das coisas. O Governo francês constituiu um Conselho para Análise da Sociedade (CAS), presidido por Luc Ferry, filósofo e antigo Ministro da Educação, com a missão de “pensar a sociedade e esclarecer as escolhas e as decisões do governo quanto aos efeitos sociais”. Esse Conselho, composto por universitários, cientistas, artistas e representantes da sociedade civil de várias sensibilidades políticas nos domínios das humanidades, publica regularmente uma colecção de cadernos intitulados "Pensar a Sociedade" onde analisa as várias questões que hoje estão no centro dos debates, e esses textos, muito simples e claros de modo a que a maioria dos cidadãos possa entendê-los, estão associados a propostas concretas de iniciativas políticas a adoptar.
O relatório de Maio, da autoria de Luc Ferry, intitulado“Face à la crise – Materiaux pour une politique de civilisation”, defende que a crise actual não deve ser atribuida ao sector financeiro, que é apenas uma expressão da crise, mas antes que foi a economia real que deu origem à crise financeira e em seguida à crise de confiança que se reflectiu por sua vez na economia real.
Segundo o autor, a primeira globalização começou há vários séculos com a revolução científica que culminou no século XVIII com o Iluminismo e que iria permitir que a ciência moderna aproveitasse a todos e conduzisse o mundo ao desenvolvimento, à felicidade e ao progresso. Esse ideal seria alcançado através da acção política que daria um sentido à História, no caminho da humanismo, da democracia, da igualdade, com um papel fundamental do acesso à educação e ao conhecimento.
No entanto, esse objectivo transcendental sofreu uma grave ruptura com a segunda gloalização, a do séc. XX, com os mercados financeiros e as tecnologias de comunicação a determinarem uma competição feroz e generalizada, cada vez mais desprovida de sentido e de direcção. Esta lógica competitiva não admite escolha ou possibilidade de resistir, é um imperativo absoluto de sobrevivência das empresas e dos consumidores. Quem não inova em permanência, quem não se adapta consumindo o que é posto no mercado, desaparece ou fica excluído, por muito absurdo que seja o produto ou inútil no que acrescenta ao bem estar. É a “mercantilização do mundo” e o abandono dos valores que conferiam algum sentido humano ao progresso, o sentido da felicidade dos povos. “Já ninguém sabe onde nos leva um mundo mecanicamente engendrado pela concorrência e que escapa à vontade consciente dos homens dotados de uma aspiração comum”.
O relatório de Maio, da autoria de Luc Ferry, intitulado“Face à la crise – Materiaux pour une politique de civilisation”, defende que a crise actual não deve ser atribuida ao sector financeiro, que é apenas uma expressão da crise, mas antes que foi a economia real que deu origem à crise financeira e em seguida à crise de confiança que se reflectiu por sua vez na economia real.
Segundo o autor, a primeira globalização começou há vários séculos com a revolução científica que culminou no século XVIII com o Iluminismo e que iria permitir que a ciência moderna aproveitasse a todos e conduzisse o mundo ao desenvolvimento, à felicidade e ao progresso. Esse ideal seria alcançado através da acção política que daria um sentido à História, no caminho da humanismo, da democracia, da igualdade, com um papel fundamental do acesso à educação e ao conhecimento.
No entanto, esse objectivo transcendental sofreu uma grave ruptura com a segunda gloalização, a do séc. XX, com os mercados financeiros e as tecnologias de comunicação a determinarem uma competição feroz e generalizada, cada vez mais desprovida de sentido e de direcção. Esta lógica competitiva não admite escolha ou possibilidade de resistir, é um imperativo absoluto de sobrevivência das empresas e dos consumidores. Quem não inova em permanência, quem não se adapta consumindo o que é posto no mercado, desaparece ou fica excluído, por muito absurdo que seja o produto ou inútil no que acrescenta ao bem estar. É a “mercantilização do mundo” e o abandono dos valores que conferiam algum sentido humano ao progresso, o sentido da felicidade dos povos. “Já ninguém sabe onde nos leva um mundo mecanicamente engendrado pela concorrência e que escapa à vontade consciente dos homens dotados de uma aspiração comum”.
Neste contexto vertiginoso, a política é quase irrelevante, as ideologias são impotentes e as consequências culturais e sociais são tão impressionantes que "é impossível enfrentá-las (...) Este é um século de inovação e de tábua rasa, de mudança e de desconstrução de valores, como o das autoridades tradicionais, num grau absolutamente inédito na história dos homens, gerando um sentimento de “perda de referências” invocado pelas gerações mais velhas”.
É nesta gigantesca sociedade de consumidores que procuramos, desesperados, encontrar espaço para novos valores que nos orientem ou nos agarramos, como náufragos, aos escassos vestígios dos que aprendemos a respeitar. Porque, na ausência de um sentido para as coisas, cada um de nós não é mais do que um autómato de consumo, capturado pelo marketing e reduzido a um egoísmo estéril e deprimente.
É nesta gigantesca sociedade de consumidores que procuramos, desesperados, encontrar espaço para novos valores que nos orientem ou nos agarramos, como náufragos, aos escassos vestígios dos que aprendemos a respeitar. Porque, na ausência de um sentido para as coisas, cada um de nós não é mais do que um autómato de consumo, capturado pelo marketing e reduzido a um egoísmo estéril e deprimente.
7 comentários:
Suzana
É muito interessante, mas também difícil, a reflexão que nos trouxe.
Em cada momento da história da humanidade, os homens são como que centrifugados na sociedade em que vivem. É mais fácil estar dentro do que estar fora. É uma questão de sobrevivência. A centrifugação é uma engrenagem imparável, em que ainda que as pessoas sintam algum desconforto, não têm como a travar e para ela acabam por contribuir. É um facto.
Parece-me, no entanto, fatalista pensarmos que há um "abandono dos valores que conferiam algum sentido humano ao progresso, o sentido da felicidade dos povos".
Não sei se podemos concluir que a vida decorre sem um sentido de felicidade, incluindo uma felicidade colectiva. Podemos dizer que é uma felicidade, porventura, diferente da felicidade, por exemplo, do tempo da revolução francesa. Mas não é possível afirmar qual delas é mais "feliz". O consumismo tem aliás implícita uma ideia de felicidade, porventura, aparente ou provisória, aceite pela sociedade, em que não releva quem produz ou quem consome. Somos todos nós!
Interessante o tema apresentado que nos faz reflectir. Relativamente a consumismo, esta época natalícia, é a mais evidente deste frenesim que observamos e vivenciamos; os valores tradicionais nunca estiveram mais longe da sua verdadeira essência. É assustador pensar que há equipas de especialistas em marketing que nos observam, que nos estudam de forma a criar os mais sofisticados métodos de persuação ao ponto de concluirmos, que, de facto, não podemos viver de maneiríssima nenhuma sem um determinado produto. Como diz, é, na verdade, deprimente apercebermo-nos da possibilidade de também nós (como elementos da sociedade) nos tornarmos autómatos de consumo.
Simples exemplo: a nossa ida a um supermercado. A nossa intenção, num determinado dia, é apenas comprar leite. Saímos do nosso local de trabalho e vamos directas ao supermercado. Quando entramos, detectamos logo um cheiro agradabilíssimo: tartes de maçã acabadas de sair do forno! Cativam-nos através do olfacto. Mesmo à nossa frente deparamo-nos com uns pimentos vermelhos e amarelos e cor de laranja, uns cogumelos, uns dióspiros... frescos e luzidios – sabemos que temos pimentos e cogumelos e dióspiros em casa, mas não resistimos àquela frescura! Cativam-nos através dos olhos! À saída... mesmo quando estamos prontas para pagar... então não é que se encontram à nossa frente umas lindas caixas de bombons, de chocolates, com desenhos de cores vivas, atraentes?! Não devemos comprar! Lá se vai a dieta! Mas espera... e se aparece alguma visita, assim, sem contarmos?! Será melhor comprar umas quantas... pelo sim, pelo não.... E saímos, muito contentes, porque fizemos boas compras: leite, pimentos, cogumelos, dióspiros, bombons, e ..... e......
Será que nessa altura nos sentimos manipuladas?!
Os outros comentadores abordarão os outros aspectos do seu post Cara Suzana que muito interesse me suscitou!
Cara Catarina
Depois de ler o seu comentário, onde descreve maravilhosamente o empolgante frenesim que nos leva a comprar as coisas que já temos em casa ou que nem sequer necessitamos, só vejo uma solução para travar o consumismo: à falta de autocrítica e de autocontrole só mesmo "decretar" o salário mínimo para todos sem excepção... (pois pelos vistos aos olhos dos governantes há quem consiga sobreviver com ele)!
Compreendo o que está a dizer.
... para abandonarmos...
O contexto vertiginoso
de valores degenerados
revela o lado pantanoso
de ideais desesperados.
A perda de referências
no mundo mercantilizado
é uma das inferências
do mercado “marketizado”.
O egoísmo deprimente
do consumo esterilizado
é um resultado demente
de um ideal banalizado.
O progresso colapsado
e o povo empobrecido
deixam o país amassado
num tom embranquecido.
Adenda:
No horizonte avistados
os valores tradicionais
devem ser acalentados
nestes tempos infernais.
Margarida, é verdade essa imagem da centrifugação, as sociedades nunca são donas da História, os factos ganham vida prórpia e fogem-lhes da mão mas o que se pensou desta vez, talvez porque a tecnologia e a ciência nos tornaram arrogantes, foi que seria possível orientar o futuro com toda a segurança. Talvez como nunca se tivesse sonhado com uma felicidade global, com um mundo para todos, igualdade, justiça e progresso, sem exclusão e tudo se precipitou. Não temos as velhas referências (que também tinham muitos preconceitos e muitos tabus à felicidade individual, é certo) mas sentimo-nos perdidos porque parece que tudo é permitido sem que nada se alcance. Os tempos da História são lentos e nós temos pressa.
Catarina, é isso mesmo que se diz no livro, com vários exemplos como o dos telemóveis e gadgets que se sucedem, mas também lembrando que se levássemos um dos nossos avós a um centro comercial ele ficaria horrorizado perante o nosso interesse em comprar tanta coisa inútil e sem valor, nem compreenderia como as pessoas se privam do que é essencial para comprar, comprar, comprar. como refere a Fénix, desde que tenham dinheiro, mas o pior é que se endividam, mais e mais, porque sentem-se à margem da sociedade se não puderem comprar o que todos têm. Nos garotos é muito evidente, nos adolescentes chega a ser um problema se não têm coisas de marca ou o último grito em telemóveis e ipods.E o que devia ser uma fonte de felicidade tornou-se uma fonte de infelicidade, e todos à procura dos culpados como se a prisão de meia dúzia nos defendesse de nós próprios.
Caro manuel brás, os seus versos podiam ser acrescentados ao livro!
Enviar um comentário