1. Em entrevista concedida a um jornal alemão, durante o fim-de-semana natalício, o Presidente do BCE recomendou aos países europeus a correcção dos défices orçamentais excessivos até...2011, começando esse trabalho já em 2010!
2. Esta tese de Trichet deve ter apanhado de surpresa os responsáveis governamentais, que não tiveram qualquer tipo de reacção (que se conheça), habituados que estavam à ideia de em 2010 não terem de fazer nada ou quase nada, deixando para 2011-2013 o principal trabalho de saneamento dos défices excessivos....claramente à espera da boleia da recuperação económica que torne esse trabalho menos ingrato.
3. A posição de Trichet deve partir de uma desconfiança em relação a planos de correcção dos défices excessivos que esperam a ajuda do ciclo económico e que por isso não atacarão, como o BCE desejaria, o excesso de despesa que está subjacente aos desequilíbrios orçamentais correntes.
4. Por outro lado, o adiamento do processo de ajustamento para 2011, 2012 ou 2013 tornará mais difícil a vida ao BCE no que se refere à retirada gradual das medidas excepcionais de acomodação monetária que estão em curso e que deverão ser eliminadas ao longo do próximo ano.
5. Entre essas medidas avultam as linhas de crédito facilitadas aos bancos da zona euro com caução de títulos da dívida pública. A redução destas linhas de crédito irá certamente ter impacto negativo na procura de dívida pública por parte dos bancos tendo como natural efeito uma subida da respectiva taxa de juro e maiores encargos orçamentais.
6. Esse efeito poderá ser agravado pelo facto de as necessidades de financiamento dos défices orçamentais deverem atingir valores “record” em 2010, dificultando ainda mais os esforços de correcção dos défices.
7. Este problema é especialmente delicado para os países do “arco da dívida”, com a Grécia à cabeça, que poderão ver os encargos com a dívida pública subir muito acentuadamente em 2010 e seguintes, tornando o esforço de ajustamento orçamental especialmente penoso e de resultado muito contingente...e exigindo eventualmente aumentos da carga fiscal que seriam um verdadeiro flagelo para economias frágeis e ainda mal curadas da crise.
8. Daí a advertência que Trichet deixou a alguns países que, na sua opinião, deveriam começar já em 2010 um esforço muito especial de ajustamento...nesta advertência Trichet tinha certamente em vista estes países do “arco da dívida” ao qual nos podemos orgulhar de pertencer.
8. Esta posição de Trichet é compreensível e aparentemente sensata...só que vem ao desencontro dos planos de (pelo menos alguns) líderes políticos que esperavam ter folga para iniciar o “trabalho de casa” e até para se envolverem em adicionais aventuras despesistas de grandes obras públicas (em nome do santo combate à crise, claro), como bem sabemos...
9. Percebe-se, a esta luz, o silêncio dos políticos em relação às declarações de Trichet, mas esse silêncio não poderá durar sempre – e vai ser curioso avaliar as suas reacções, sobretudo daqueles que estão em atraso na apresentação das propostas orçamentais para 2010...Trichet troca-nos as voltas?
14 comentários:
A desejada recuperação económica, adquiriu já, contornos Sebastianísticos, caro Dr. Tavares Moreira.
Por mais teses que se consumam, por mais engenharias financeiras que se projectem, por mais rectificações que se desenhem, a recuperação económica, da forma como os financeiros a desejam, não voltará!
Eu imagino que esta minha afirmação mereça por parte da opinião de muitos economistas, banqueiros e financeiros, a condenação à pira, sem direito a julgamento sumário.
Mas, se pensarmos um pouco, percebemos com facilidade que o capitalismo continuará a existir à custa da falência dos antigos capitalistas e nunca mais à custa da capitalização obtida pela procura da produção.
Dito isto, sobra uma questão pretinente... então, qual o futuro da economia?
Esse mesmo, caro Dr. Tavares Moreira. Economia!
E em que moldes? Sujeita a que modelo?
Ao da sustentabilidade, obviamente. Ao do corporativismo.
Ao do municipalismo.
Não preciso de recorrer às brumas do indefinido para encontrar exemplos sobejamente ilustrativos do resultado que este modelo pode alcançar. Assistimos à recuperação da produção, do investimento e dos postos de trabalho, em zonas onde as autarquias decidiram acompanhar e apoiar os empresários.
É por aqui, a meu ver que a nossa economia pode recuperar e o país pode voltar a pensar em estabilidade.
Caro Tavares Moreia,
Será que Sócrates irá acusar Trichet de ser um dos culpados da ingovernabilidade deste país? Sim, porque até Trichet lhe faz oposição. Quando vinha por aí o "Programão" das Obras Públicas, eis que surge Trichet a dizer, " Calminha que agora é altura de poupar."
Agora falando sério, julgo que Trichet fez bem em alertar os países, mas , no entanto, não sei se estas medidas não poderão ser negativas para os países que pretendiam fugir da crise através da injecção de dinheiros público.
caro Bartolomeu,
Nem julgamento sumário nem, muito menos, condenação à pira!
Tem todo o direito, pelo menos neste forum, de exprimir as suas opiniões sem receios censórios...a não ser de alguns comentadores regimentais/arregimentados que por aí vão aparecendo de quando em vez...
Quanto à sua tese de uma nova estrutura produtiva, de base corporativa/muncipalista, sempre lhe direi, meu Caro, que daí à economia fechada (modelo autarcico) vai um passinho tão curto que a tentação será enorme...com os resultados nada recomendáveis que num passado não muito distante se conheceram!
Caro André,
A fase de fuga da crise através da arte de injectar dinheiros públicos está praticamente terminada...
Doravante a injecção de mais dinheiros públicos dará como resultado não a fuga da crise mas sim a fuga para a crise...é isso que Trichet também quis dizer!
Outros tempos... outras vontades, caro Dr. Tavares Moreira.
Sabemos perfeitamente que são as conjunturas que ditam os processos.
Aquilo que sucedeu, não pode ser considerado, mais do que foi, num momento conturbado da nossa democracia.
Aquilo que proponho, é algo muito diferente. Algo mais maduro, responsável, coerente.
Algo que a existir, terá forçosamente a coroa-lo a figura regulamentadora de um presidente/monarca e nunca, comissões seja do que for.
;)
Caro Tavares Moreira
O Sr. Trichet veio tornar mais fácil a resposta à principal questão, política, subjacente nas decisões dos governos europeus a 27 para o orçamento de 2010: quem vai ceder: as regras do pacto de estabilidade ou os governos?
Um parte dos comentadores e actores europeus achavam que seriam as regras, outros, os segundos.
Incluiu-me no segundo grupo.
Porquê:
Um pequeno "lembrete" histórico: nos idos de 2005 o BCE definiu o rating de A-. como limite mínimo para aceitar o aval do Estado para financiamentos junto do banco.
( A crise veio apenas "suspender" essa regra, ao contrário do que supunham os governos, e não eliminá-la.)
Aparentemente essa regra vai voltar a estar em vigor, pelo que a Grécia, não pode usar esse mecanismo, pelo menos é uma das consequências, lógicas,das declarações do Sr Trichet.
Nesse sentido, os mercados, as agênicas de rating, as interpretaçoes restritivas do art 100º do tratado que institui o euro e a manifesta falta de vontade dos parceiros com liquidez em emprestar a irresponsáveis envelhecidos, vão encarregar-se de impôr a necessária disciplina financeira aos governos.
No nosso caso, acho que o principal responsável político pela governação, tinha considerado uma variante, (como descrita atrás), desta opção na sua actual estratégia: supunha que seria a Comissão, através de missiva a ser publicada, a enviar o sinal...
Não considero que este governo tenha, sequer, as qualificações, para alêm da óbvia falat de legitimidade, para gerir politicamente uma conjuntura como a que aludo acima.
Mas, há sempre um lado bom para que o "spin" surta efeito, também não estão à altura o Sr Zapatero e o Sr Papandreou; resta-nos o consolo bem democrático ( e neurótico) de não estarmos sós....
Cumprimentos
joão
Caro Tavares Moreira,
Toda a Europa pode contar com Portugal, naquilo que nos for possível, para ultrapassar esta crise e, nesse sentido, as palavras do Sr. Presidente do BCE devem ser vistas como indicando uma meta desejável e não vinculando a política dos estados membros no combate, sempre difícil, a esta crise. Portugal, o primeiro país a sair da crise, estará sempre solidário com os seus parceiros europeus que estejam em maiores dificuldade e, nesse sentido, achamos que essas metas poderão sofrer algum ajustamento em função, claro, daquilo que se for observando em cada um dos países.
Não se preocupem, estou a treinar a canção do bandido para o dia em que formos só nós no buraco...
Caro João,
Bem observado, como é hábito...
Penso todavia que o BCE vai ter dificuldade em repor em aplicação essa regra do A-, dada a terrível pressão que vai sofrer das instâncias políticas da União...se estou a pensar bem...
Quanto ao caso da Grécia, se bem reparou a Moody's parece por agora ter salvo a situação - por agora repito - ao atribuir A- ficando assim a República Helénica no arame, com BBB+ da Fitch e do S&P...
Caro Tonibler,
Genial, simplesmente genial, dá para perceber que lhe correu bastante bem a quadra do Natal, vem de lá com inspiração reforçada...
A Fitch e a S&P não sabiam ainda da total solidariedade portuguesa para com os parceiros europeus em maiores dificuldades.
Caro Tavares Moreira
Atrevo-me a recordar que, este Sr Trichet, manteve a taxa directora, quando todo o mundo, incluindo a incontornável Merkle e o dinâmico Sarkozy, ululavam pela baixa...
A longo prazo, isto é em 10/15 anos, a moeda de reserva tem de ser substituída; os SDR do FMI podem ser um substituto, assim sendo, só um euro credivel poderá tornar-se a parte mais importante do cabaz...
Por outro lado, acredito que o Sr Trichet, ou alguêm por ele, já estudou, a fundo, a história da defunta União Monetária Latina...o não cumprimento das regras que eram negociadas e aceites pelos seus membros aderentes, foi o elemento mais importante para o fim dessa União..por isso, acho que vai repôr a regra...
Cumprimentos
joão
Caro Tavares Moreira
ADENDA
Tem toda a razão quanto ao rating da Grécia..no entanto, não creio que o rating do Moody's se mantenha muito mais tempo, de todos os modos, o BCE não poderá nunca priveligiar uma agência em detrimento das restantes, era um precedente perigoso...
Cumprimentos
joão
http://toucamosca.blogspot.com
Caros João e Tavares Moreira:
Estou convencido que só uma orientação musculada de entidade exterior, com as devidas sanções em caso de incumprimento, que bem pode ser o BCE, nos faria arrepiar caminho. Mas creio que, infelizmente, esse "comando" não surgirá, com a devida força, do BCE. A não ser que a senhora Chanceler alemã o imponha, com o sólido argumento de que os alemães estão fartos de "dar" dinheiro a países que não o aproveitam, como é o caso de Portugal, quando na Alemanha, na parte leste, ainda existem "regiões" com um rendimento p.c. desfavorecido em relação à média europeia.
O governo socialista de Guterres deixou o país a contas com sanções da Comunidade Europeia . O governo socialista de Sócrates vai deixar o país bem pior. Triste sina a dos governos socialistas: deixam sempre o país na necessidade de intervenções externas.
Caro Dr. Pinho Cardão,
Não sendo crente, tenho todavia alguma fé que a Senhora Merkel, brevemente, com aquela serenidade que a caracteriza, afirme: Das ist genug!
A bem de Portugal.
Caro João,
Permito-me duvidar, sem ofensa, que o Presidente Trichet tenha a musculatura suficiente para impor a sua vontade nesta área mais financeira que monetária...
Quanto às taxas de juro aí estará sempre mais à vontade, mas contribuir, de forma visível, para rarefazer a procura de dívida pública impondo um considerável agravamento do seu custo requer uma preparação física só ao alcance de um S. Stallone ou A. Schvarzeneger...e no seu melhor!
Caro Eduardo F.,
Também tenho alguma dúvida que a Snra. Merkel venha a assumir uma postura tão frontal, dizendo basta...é bem provável que siga uma via mais dialogante, o que não quer dizer mais concessional entendamo-nos...
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