O ´Publico´ de hoje publica um extenso dossier sobre as ´secretas´ portuguesas, um dos temas mais apetitosos para os media. De facto, há algo mais estimulante para quem tem de noticiar para vender publicidade, do que transformar matéria muito séria numa novela de espiões? Do que desvendar os desvios de organizações criadas actuarem discretamente?
O trabalho jornalístico sobre os serviços de informações da República visa sublinhar a ideia com que abre uma das caixas a partir do depoimento de um dos muitos especialistas nacionais, surgidos ultimamente, sobre os serviços de inteligência: "estes serviços, aparentemente, têm acomodado mais interesses diversos do que servido directamente o interesse nacional". O assunto tem muito que se lhe diga muito para além da superficialidade como vem sendo assim tratado no espaço público, sobretudo no plano da interferência das actividades de recolha e tratamento de informações com os direitos, mas sobretudo com as liberdades e garantias dos cidadãos. Mas para além da leveza com que é abordado pelos media que dão voz a inúmeros novos gurus, o que mais choca é uma notória ausência do sentido do dever de gente que se supunha estar consciente da necessidade de a ele permanecer estritamente vinculado. E isso explica muito. A mesma edição do ´Publico´ no intuito de sublinhar a ideia essencial que perpassa pelo dossier, foi ouvir um "antigo alto responsável". Pois bem, essa personalidade não se coibiu de fornecer ao jornal a sua interpretação de factos que confirmam a tese. Mas não o fez de cara destapada. Fê-lo sob anonimato pois, segundo o ´Publico´, solicitou que assim fosse "devido ao dever de sigilo". Veja-se bem que sentido do dever tem este ex-alto responsável de serviços tão sensíveis como os de inteligência: para ele a obrigação de sigilo não o impede de falar sobre as matérias em que interveio. Impede-o de dar a cara! Eis uma prova mais que o problema não está nem na lei nem na organização das instituições. Está em quem as corporiza. Nenhuma razão existe para pensar que esta personagem de cara coberta, aparentemente afastada dos serviços, não teria do dever de sigilo o mesmo entendimento quando era um alto responsável no activo.
10 comentários:
Ferreira de Almeida: concordo. Mas, mais longe...no caso concreto há uma colisão, o segredo jornalístico garante da liberdade de informar e o interesse público concretizado no crime de violação de segredo. É de ponderar se o último problema é superior. A meu ver ainda não...pois não foram revelados factos.
"sentido do dever", pois.
Isso é capaz de levar tempo.
Capaz de ter de ser ligado a uma "mentalidade" e sabemos como a evolução das mentalidades pode ser lenta.
Com o que tem vindo a público, parece termos ali actividades mais próprias de simples agências privadas de detectives que do Estado.
Mas enfim, é o estado para que tem evoluído este Estado.
A par de um "profissionalismo" que não parece muito cultivado, mas sobretudo falta de "Liderança".
De quem selecciona, escolhe, nomeia tais funcionários.
Dos próprios altos funcionários nomeados.
Um excelente quadro de (ir)responsabilidades.
Felizmente, com uma Comissão de Fiscalização na AR.
Feita uma Lei e uma Comissão, fica resolvido o problema.
Sina lusitana.
Caro Ferreira de Almeida:
Diz, e bem, que o problema não está nem na lei nem na organização das instituições. Está em quem as corporiza. E eu juntaria, em quem divulga.
Porque, pelos vistos, a obrigação do sigilo desaparece quando o beneficiário é um órgão da comunicação social. Que aproveita para fazer negócio.
Pois meus caros, eu acho toda esta trama em torno das secretas interessantíssima. Não faço a mais pálida ideia sobre o que é ou como começou, nem quero saber mas tenho uma curiosidade mórbida em saber qual é o alvo.
Estas pequenas indiscrições não são lançadas cá para fora se não existir um propósito e convenhamos, não se tratando de uma matéria vital para a segurança nacional, isto não passa de uma pequena indiscrição que revela, no máximo, uma utilização inadequada da coisa pública. É claro que é chato, mas seria bem pior se fosse um caso em que documentos comprometedores fossem parar à Wikileaks.
Uma operação secreta de fiscalização às secretas não aparece nos jornais. A menos que não seja secreta e seja propaganda da mais pura, uma qualquer manobra mediática com o objectivo de passar a mensagem “eles estão a trabalhar bem” e fazer esquecer atropelos à democracia noticiados anteriormente.. Nesse caso, a notícia lá aparece com o espalhafato encomendado, computadores e telemóveis apreendidos e uma linha bem metida no meio do texto que diga que foi o senhor Primeiro-ministro que mandou fiscalizar. Com Sócrates tínhamos teatro, com Passos Coelho temos teatro. Teatros secretos, bem entendido...
Operação secreta de fiscalização às secretas? Se se soube pelos jornais acredito que era mesmo secreta. Já duvido que tenha sido operação...
Caro JMFA,
O Wegie tem razão. Mesmo na realidade portuguesa, quando há algo que é secreto então não sai cá para fora assim de qualquer maneira.
Estas coisas só se sabem, quando há uma intenção por trás. Além disso, veja bem, esta história - se lhe retirarmos o arraial mediático à sua volta - não é nada. Mesmo em termos de notícia, há esqueletos muito, mas muito, mais interessantes para desenterrar do que o A ter andado a ouvir os telefonemas do B e agora deixou de trabalhar no sítio X e foi contratado para trabalhar no sítio Y.
Veja as coisas por este prisma JMFA, se esta história fosse realmente importante para os desígnios nacionais, já não havia A nem B e muito menos "ex", porque nestes serviços nunca há "ex".
Desculpem lá, mas esta é mesmo uma secreta portuguesa. A única coisa que deve ter feito para além de ler mails das suas congéneres estrangeiras deve ter sido andar a escutar quem diz mal delas. E mesmo assim foram apanhados....Cena de Jonhy English! :) Alguém acredita que uns funcionários públicos cujo trabalho é suposto não se ver realmente trabalham ?!?? Ter um trabalho que não se vê é o sonho de um funcionário público! Pode sempre dizer que aquilo é um stress...
Cara Anthrax, não sente que entre nós acontece exactamente o contrário? Isto é, quando se quer divulgar algo com amplitude nada melhor que fazer constar que é coisa sigilosa?
Ora meu caro JMFA :)
Mas isso é o princípio dos rumores. :D
Quando queremos fazer passar uma mensagem que seja levada a sério, chamamos uma pessoa (de preferência a mais linguaruda) e falamos baixinho como se estivessemos a contar um segredo. A cereja no topo do bolo é acrescentar a famosa frase: "Não contes a ninguém".
Isso é uma técnica de manipulação e confesso que é muito giro vê-la a funcionar. :)
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