No meio da confusão generalizada com que nos confrontamos sempre que abrimos a televisão nos noticiários, perguntamo-nos cada vez mais “aonde é que isto vai parar”? E não é só por cá, ouvimos os grandes lideres mundiais e ficamos na mesma, perplexos, duvidosos, a achar que não percebemos bem ou então foram eles que não disseram absolutamente nada de relevante. O breve ensaio do filósofo Peter Sloterdijk, “No Mesmo Barco – Ensaio Sobre a Hiperpolítica” tem uma interessante reflexão e uma proposta de explicação sobre este tempo de incerteza absoluta. Aqui vos deixo um pequeno extracto:
“Mas que os políticos em funções raramente estejam à altura dos desafios da nova situação – intelectualmente quase nunca, moralmente de vez em quando, pragmaticamente mais mal do que bem -, tal dá origem a um descontentamento massivo, que se vai agudizando cada vez mais relativamente à classe política. Ainda que não se saiba indicar detalhadamente o que este ou aquele político deveria fazer de diferente, qualquer observador do que se passa nas capitais modernas nota, porém, que não é suficiente, que os representantes do povo passam longos dias de trabalho sentados em comissões, tomados de uma espécie de disposição para a realização de pseudo-actividades. (…) Quanto a mim, estou ciente, de um modo muito claro, da existência de um estado crepuscular, de alcance mundial, assente em insuficiências antropológicas. Pois aquilo que salta aos olhos dos seus contemporâneos – o eles tão raramente parecerem estar à altura dos desafios globais -, aplica-se, na mesma proporção, ainda mais aos não políticos.
Seria de considerar se as crónicas recriminações contra a classe política não são a projecção de uma cultura mundial, que apenas se cristaliza nas personalidades políticas. (…) Não sabemos, de facto, que tipo de homem seria necessário para preencher os espaços vazios e que treinos deveriam ser desenvolvidos para que fosse reduzida a gigantesca lacuna entre a forma global do mundo e as psiques locais. (…) Já o atletismo de Estado (*) antigo se confrontava frequentemente com os limites da sua universalização e o globo-atletismo mais recente vai repetir a mesma experiência em proporções intensificadas. Toda uma série de epidemias de resistências vindas das periferias, dos pequenos espaços, das esferas privadas, anunciam-se inequivocamente – e não são de hoje. Grandes regiões irão afastar-se da imposição da forma do mundo própria do capital globalizado em lutas latentes e manifestas. E partes substancias das populações irão, como se pode verificar desde há muito, virar as costas a todo o político, manifestando uma indiferença hostil. (…) Na mudança de forma do mundo, numerosos indivíduos e famílias vêem-se repentinamente abandonados por todos os bons sensos políticos. A ajuramentação de muitos a uma forma de grande coesão torna-se num perjúrio ou numa hipnose soçobrante. (…) Do que se está à espera, “em teoria e na prática”, é da implantação de uma política para a idade da ausência de impérios”.
“Mas que os políticos em funções raramente estejam à altura dos desafios da nova situação – intelectualmente quase nunca, moralmente de vez em quando, pragmaticamente mais mal do que bem -, tal dá origem a um descontentamento massivo, que se vai agudizando cada vez mais relativamente à classe política. Ainda que não se saiba indicar detalhadamente o que este ou aquele político deveria fazer de diferente, qualquer observador do que se passa nas capitais modernas nota, porém, que não é suficiente, que os representantes do povo passam longos dias de trabalho sentados em comissões, tomados de uma espécie de disposição para a realização de pseudo-actividades. (…) Quanto a mim, estou ciente, de um modo muito claro, da existência de um estado crepuscular, de alcance mundial, assente em insuficiências antropológicas. Pois aquilo que salta aos olhos dos seus contemporâneos – o eles tão raramente parecerem estar à altura dos desafios globais -, aplica-se, na mesma proporção, ainda mais aos não políticos.
Seria de considerar se as crónicas recriminações contra a classe política não são a projecção de uma cultura mundial, que apenas se cristaliza nas personalidades políticas. (…) Não sabemos, de facto, que tipo de homem seria necessário para preencher os espaços vazios e que treinos deveriam ser desenvolvidos para que fosse reduzida a gigantesca lacuna entre a forma global do mundo e as psiques locais. (…) Já o atletismo de Estado (*) antigo se confrontava frequentemente com os limites da sua universalização e o globo-atletismo mais recente vai repetir a mesma experiência em proporções intensificadas. Toda uma série de epidemias de resistências vindas das periferias, dos pequenos espaços, das esferas privadas, anunciam-se inequivocamente – e não são de hoje. Grandes regiões irão afastar-se da imposição da forma do mundo própria do capital globalizado em lutas latentes e manifestas. E partes substancias das populações irão, como se pode verificar desde há muito, virar as costas a todo o político, manifestando uma indiferença hostil. (…) Na mudança de forma do mundo, numerosos indivíduos e famílias vêem-se repentinamente abandonados por todos os bons sensos políticos. A ajuramentação de muitos a uma forma de grande coesão torna-se num perjúrio ou numa hipnose soçobrante. (…) Do que se está à espera, “em teoria e na prática”, é da implantação de uma política para a idade da ausência de impérios”.
(*) Os agentes da política clássica de alta cultura são os atletas políticos, os quais são amdurecidos num treino de grandezas, existencialmente abrangente, para a permanência num mundo de perpsectivas e preocupações grandes e abstractas (op.cit. pág. 41)
14 comentários:
Santo Agostinho, porque se achava atormentado pelos desejos carnais, orava. E nas suas preces, rogava a Deus que o tornasse casto mas, terminava sempre o pedido dizendo: Mas não hoje, Senhor!
;)
Os grandes lideres mundiais que ouvimos? Quem são, Suzana?
A falta de grandeza das lideranças é o problema que Sloterdijk e outros vêm justamente apontando. A última década do século XX e sobretudo a primeira do século XXI foram períodos de falta de grandeza nas lideranças, em especial no mundo ocidental. A "indiferença hostil" em relação aos políticos é uma realidade sentida no dia a dia, afinal o resultado mais palpável da mediocridade de quem foi escolhido para guiar, para conduzir. O pior de tudo é que não se vê que o futuro próximo nos traga novos impérios da razão e da inteligência.
"império da razão"... é essa 4ª dimensão que nos falta desenvolver, caro Dr. José Mário.
Meus caros amigos,
De facto tenho de concordar com o JMFA, as lideranças são frágeis e o amigo Bartolomeu anda a ler as "Confissões"... bom antes isso que a "Cidade de Deus", porque este último é mais pesado... literalmente... no outro dia andava a tirar os livros das estantes, caiu-me o 3º volume em cima dos deditos dos pés, até fiquei verde!
Mas ainda a propósito das lideranças, eu não estou a ver como é que é possível emergir um líder forte e carismático sem uma conjuntura adequada. Os grandes líderes surgem sempre em situações altamente conturbadas e de uma ameaça real iminente. Não é, certamente, o caso de nenhum dos nossos políticos actuais nem dos políticos europeus. Como diria Fukuyama, falta-lhes o thymos.
Sinceramente, já passaram 66 anos desde o fim da 2ª Guerra Mundial. É muito tempo sem um conflito desta natureza. Entre o fim da 1ª GM e o início da 2ª, decorreram 21 anos e nós já levamos mais 45 em cima (a guerra-fria não conta), é natural que os políticos se tenham tornado moles, vazios de conteúdos e incapazes de gerir a herança que lhes foi passada. São gordos, acomodados e na maioria dos casos, incompetentes porque não têm necessidade de sobreviver. Falta-lhes o medo.
Enfim, tanta coisa que se poderia dizer em relação às lideranças, ou falta delas.
Cara Anthrax,
suponho que ainda não visitou a caixa de comentários a este post do Dr. Tavares Moreira; http://quartarepublica.blogspot.com/2011/09/precisamos-de-penalidades-orcamentais.html
Em minha opinião, deveria fazê-lo, pois alguns comentários desafiam-na a "limpar a honra"... ou a "aura".
;))
Amigo Bartolomeu,
Por acaso só lá fui dar um ar da minha graça agora que falou nisso. Já tinha lido o post, mas não vi os comentários :)
Digamos que isto por aqui anda de pernas para o ar e não é por causa da CE :)
Enfim, mas já lá fui ver e já lá deixei qualquer coisita. ;)
Pois, pois, mas acerca do que interessa, a Amiga Anthrax mantem o silêncio.
Golden silence...
Fá-lo-ei meu caro amigo :)
Mas deixe-me mudar primeiro para a minha nova, velha, casa que logo a seguir eu lanço outro repto. Para aí na primeira semana de Outubro.
E para que fique registado, ali na Taverna de Alcântara também não se come nada mal.
Vou lá, de longe a longe, empanturrar-me do cozido à portuguesa.
Por sinal, até nem é iguaria que aprecie sobremaneira... é mais pela companhia... e tal...
;)
Mmmmmmm.... cozido à Portuguesa.... yummy :D Também não é nada mal pensado.
O meu amigo devia experimentar era carne de rena. Uma vez ultrapassada aquela sensação estranha de que estamos a comer o Rudolfo (a rena do pai natal), devo admitir que é bom.
Minha cara Anthrax, fez bem em esclarecer que se referia "à rena do pai natal" ;)
Suzana
A insatisfação com a classe política é o reflexo também de uma concepção de vida pública e política em que é reduzida a participação dos cidadãos. No final é o descontentamento, a desconfiança, mas sem vontade de alterar o sistema.
Nem mais, caro Dr. José Mário... numa época de tão grandes incertezas, torna-se fácil comer gato por lebre... neste caso... UMA rena, com UM nome masculino... exige no mínimo uma inspecção prévia... antes de ser comida... perdão. Comido... heee, quero dizer, comida... comido...
Aiiiiiii!!!
Cara Margarida,
A isso chama-se, em linguagem corrente, comodismo.
Resulta de décadas e décadas de uma educação orientada para a "papagaização" (termo agorinha inventado por mim) do indíviduo. O coitado do cão do Pavlov também foi "papagaiado", o pobre bicho mas o homem chamou-lhe condicionamento.
Em bom rigor, foi este processo de "papagaização" que me levou a mandar o meu mestrado, na UCP, para as urtigas e vá lá, não ter insultado ninguém foi uma sorte porque eu estava mesmo irritada com aquilo.
Na minha óptica, existe uma diferença abismal entre a produção de conhecimento e a reprodução de informação. Nós apostamos na reprodução de informação. É assim na escolinha, é assim na Universidade, é assim em praticamente todos os sectores da sociedade.
Pessoalmente, é hilariante observar uns e outros a gritar que as pessoas têm de ser capazes de produzir, mas depois está tudo orientado para reproduzir. É, sem dúvida, uma contradição que me fascina, principalmente quando ficam surpreendidos com os resultados do PISA, quando estes apontam para uma incapacidade generalizada para resolver situações complexas ou estabelecer relações de causa-efeito.
Não se pode pedir às pessoas que tenham vontade de alterar o que quer que seja quando durante anos, a fio, cultivaram o individualismo exacerbado, a mímica, a despreocupação ou a falta de criatividade. Destruíram uma peça essencial ao funcionamento da sociedade, que é a família (e não me refiro à família apenas no seu conceito tradicional), destruíram o sentido de comunidade, isto é, basicamente destruíram tudo o que apela a um sentimento colectivo de pertença e agora querem participação?
Bom... no caso português, cheira-me a que - efectivamente - terão participação. Pode é não ser do tipo que desejariam, no entanto continua a ser um exercício de cidadania activa.
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