É demolidor o Relatório da Inspecção Geral da Administração Interna aos Vistos Gold. Não fica pedra sobre pedra. As conclusões da auditoria não deixam dúvidas sobre a falta de uma actividade devidamente organizada e estruturada de atribuição dos Vistos Gold. É vasta a lista de irregularidades em vários planos de intervenção, de procedimentos inexistentes mas necessários e de indefinições em matérias essenciais ao rigor da condução dos processos e do controlo da atribuição das autorizações. Há desconformidade de procedimentos, há desarmonia na aceitação/valoração dos meios de prova necessários, há inexistência de regra claras quanto ao modo de tramitação do processo e à unidade orgânica que deve proceder a instrução, há desorganização no modo de instrução dos processos, há falta de definição quanto a problemas materiais associados à autorização de residência, há falta de definição quanto à forma de arquivamento dos processos, há incumprimento das regras de competência estabelecidas para a decisão, o controlo interno é muito incipiente e fraco, há inexistência de modos internos de controlo, etc.
É de facto surpreendente, ou nem por isso, que a medida política de atribuição dos Vistos Gold não tenha sido acompanhada, desde o início da sua aprovação, da preocupação de lhe conferir controlo, fiabilidade, rigor e transparência. Encurtando explicações, o governo criou a medida, fez dela uma bandeira política, mas não cuidou de se preocupar em garantir o funcionamento responsável da respectiva administração. Como se por milagre, um decreto-lei fosse só por si suficiente para que a medida tivesse êxito e, particularmente, fosse executada sem abusos, desvios, irregularidades e incumprimento da própria lei.
Quer dizer, foi preciso a operação Labirinto para que o MAI se questionasse sobre a organização da actividade, sobre o sistema interno de controlo, sobre as competências de quem faz e o quê. Um caso lamentável, que desprestigia a administração pública e que cria um caldo de facilitismos e de dúvidas que põem em causa a segurança e a eficácia de uma medida, que gostemos ou não, não poderia ser administrada de forma had-hoc e sujeita a níveis de arbitrariedade decisional que são contrários à confiança que os cidadãos e o próprio Estado esperam do funcionamento dos serviços públicos.
Agora, o relatório de auditoria recomenda a elaboração urgente de um Manual de Procedimentos e a adopção de medidas de reforço do acompanhamento e escrutínio da actividade da atribuição dos Vistos Gold. Mas fica uma pergunta: quais as razões que justificaram que estas preocupações não tivessem sido acauteladas antes da entrada em vigor dos Vistos Gold...
8 comentários:
Afinal, quem disse que o céu é infinito, podia não se ter explicado bem. Ha sempre um ponto onde tudo acaba, recomeçando imediatamente de forma a que o cíclo não chegue a ser interrompido.
;) ;) ;)
2 visões sobre este caso:
1ª Visão é preciso mais supervisão, se calhar mais uma comissão de acompanhamento, mais um instituto contra a corrupção, mais uma comissão coordenadora e de acompanhamento, mais uma entidade reguladora e de supervisão, e mais uma comissão de ...
2ª minha visão: todo o funcionário público, ( e neste caso em concreto estamos a falar de altos cargos na função pública, corrupção de juízes)que seja provado a corrupção terá condenação exemplar.
Eu não consigo perceber o que correu mal, cara Margarida. Ninguém mandou reorganizar o sistema de saúde ou o plano de defesa nacional. Era uma coisa extraordinariamente simples. Não consigo imaginar tarefa mais simples que se possa atribuir à administração pública. Se o chinês comprar isto neste montante, metam-lhe um carimbo.Se isto é uma tarefa demasiado complicada para a administração do estado, então temos mesmo que o fechar. O que correu ma,l correu numa parte da administração pública. A outra a quem competia fiscalizar apanhou as ilegalidades e a outra a quem competia penalizar, está a actuar, tanto que já engavetou uns quantos funcionários públicos demasiado bem pagos.
Mas a preocupação eu percebo. Se nem isto o estado português consegue fazer como deve de ser sem meter as culpas no patrão, então serve para quê?
Cara Margarida, sou forçado a concordar com o Cruz. A implementação dos vistos Gold não foi nada de inovador. É algo que existe em muitos países pelo mundo fora. Não havia que inventar.
Agora, um Estado que não consegue sequer atribuir residência a estrangeiros sem fazer disso uma confusão digna das maiores inovações da humanidade não é um Estado sério. É um circo de palhaços simplesmente.
Caro João Pires da Cruz e Caro Zuricher
O espanto é necessariamente grande. Não se trata de ter uma organização burocrática, com muitos papéis, muitos processos, muitas regras, muitas filas de espera. Não, trata-se de ter uma estrutura organizada, de modo a evitar confusões, ilegalidades e riscos desnecessários. Pelos vistos não fomos capazes ou não quisemos. Foi feita uma auditoria. Agora já podemos ficar descansados?
O défice de gestão na administração pública continua a ser um problema. Somos bons a fazer auditorias e a listar falhas de gestão e irregularidades para se concluir que não deveriam existir. Paradoxal, no mínimo!
Cara Margarida:
Desta vez não concordo com a minha amiga. E creio que o JPC e o Zuricher estão cheios de razão.
A legislação sobre os vistos gold, ao que me têm dito advogados que têm tratado de processos, até é das mais simples e claras deste país. O que não é difícil, pois a matéria não apresenta qualquer complexidade.
Mas acontece uma coisinha simples: é que os burocratas não se dão com leis claras e fáceis de entender. Eles gostam de normas de interpretação complicada, mal elaboradas, pois essas é que são a sua fonte de poder.
Apareça-lhes uma lei simples e eles trituram-na em dois tempos.
Ao que me dizem, e pessoas de bem, é o que se passa.
Tanta complexidade vão meter na lei que ela deixa de cumprir o seu objectivo. Ou melhor, cumprirá, mas com uma corrupção directamente proporcional ao "aperfeiçoamento" que lhe introduzirem. Ficam satisfeitos burocratas e opinadores da transparência. Aliás, para estes, quanto pior, melhor, é a sua área de negócio.
Caro Dr. Pinho Cardão
Discordar também é bom!
Uma coisa é a lei. Pode e deve ser simples. Totalmente de acordo. Outra coisa é a organização da actividade tendo em vista a sua aplicação. Deve existir um mínimo de regras. O dito relatório de auditoria veio mostrar que os minímos não existem, fornece uma imagem de uma actividade que não está estruturada. Sou contra a burocracia, aliás não há nenhum cidadão neste país que não seja vítima da burocracia do Estado e do mau funcionamento dos seus serviços. Mas não devemos abdicar de exigir do Estado organizações que funcionem bem. Haveria muitos exemplos para dar, de boas e de más práticas.
Concordo com a Margarida, a burocracia, no sentido de atos inúteis e complicações que empecilham a tomada de decisões, resulta quase sempre da falta de organização dentro da instituição. Competências bem definidas, chefes à altura das funções, hierarquias que saibam delegar e distribuir o trabalho. Como diz o ditado "chacun à sa place et les vaches seront bien gardées". E a burocracia nunca impediu a corrupção, bem pelo contrário, abafa quem quer fazer as coisas bem, o problema é que por cá confundimos organização com comandos absurdos, sobreposição de poderes e em cima da balbúrdia fiscalizamos, incluindo com leis e mais leis e regulamentos.e também gostamos de confundir eficácia com voluntarismo e com pressa.
Enviar um comentário