Já aqui manifestei e expliquei, em diversas ocasiões, a
necessidade de fazermos uma reforma do sistema de pensões. Sendo verdade que o
sistema de pensões (refiro-me ao sistema previdêncial da segurança social)
apresenta problemas financeiros estruturais (isto é, as contribuições não são suficientes para fazer face, no médio e longo prazo, às despesas com as pensões prometidas), é
igualmente verdade que a insustentabilidade financeira está e vai
continuar a gerar iniquidades entre gerações. Este é um problema de que pouco
se fala, muitas vezes secundarizado.
Ora, é uma questão da maior importância. A iniquidade intra e
entre gerações está na base da perda de confiança no sistema de pensões. A desconfiança que está instalada é legítima. O que
está em causa é o “contrato social” que une gerações, no qual assenta o
mecanismo de repartição através do qual as gerações no activo que fazem
contribuições para pagar as pensões dos pensionistas esperam (no nosso caso, já
não esperam!) que as futuras gerações de activos financiem as suas pensões
mantendo o mesmo nível de benefícios.
Já há muito tempo que o “contrato social” se quebrou,
devido justamente às recorrentes medidas e reformas paramétricas que têm vindo
a ser introduzidas, reduzindo crescentemente benefícios de geração em geração, justificadas pela necessidade de dar sustentabilidade financeira ao sistema de pensões, acomodando de forma
administrativa e parcial as condições económicas e demográficas e outras (ex.
finanças públicas) que afectam a capacidade de fazer despesa e de realizar
receita. Simplesmente, estas alterações não só não resolveram os desequilíbrios financeiros de longo prazo, como aprofundaram as iniquidades intergeracionais e
estão a mostrar não ser capazes de garantir a adequação do rendimento na
reforma. As taxas de substituição aferidas ao último salário estão num trajecto decrescente, estimando-se uma evolução de 50% em 2020, 43% em 2030 e 31% em 2060 (*).
Os problemas não se podem reduzir à dimensão financeira e
não podem ser atribuídos, como alguns querem fazer crer, à crise que o País
atravessa. Ou seja, basta retomar os níveis do emprego antes da crise e os problemas desaparecem! A crise veio, sim, antecipar ou evidenciar a necessidade de
repensarmos o caminho que tem vindo a ser seguido.
A dimensão financeira é uma
consequência de outras dimensões: económica, demográfica e política. A pegada demográfica vai-nos roubar progressivamente cerca de 800 mil pessoas até 2030 e 2,4 milhões de pessoas até 2060, a população com mais de 65 anos será o triplo da população jovem e a população activa sofrerá uma redução de 1/3 face à situação actual (*). Sabemos que estas datas ainda estão longe, mas falar de pensões implica justamente a capacidade de olhar para lá do imediato e dos períodos eleitorais.
A dimensão
social vai-se progressivamente complicando e a margem de manobra política
vai-se estreitando com o agudizar de um processo de perda de valor já de si
crónico.
A prioridade está, a meu ver, na construção de um projecto
para o sistema de pensões que seja capaz de reestabelecer a confiança, que seja financeiramente sustentável, que assegure a equidade entre gerações e a adequação do rendimento na reforma. Que não
se resuma à coisa financeira, mas que tenha também objectivos macro económicos:
promover a competitividade, a poupança de longo prazo e a valorização do
capital humano.
Reestabelecer a confiança significa as pessoas compreenderem
quais são os problemas e acreditarem em mudanças capazes de repor a equidade e conferir
estabilidade. Sem estas condições os participantes do sistema não se comprometem positivamente. A ideia de que as pensões são um fardo
social e um peso para a despesa pública e um entrave à economia está errada. Um
olhar assim é a prova de que muitas coisas não estão bem. Ora, um sistema de pensões deve ser parte activa no desenvolvimento económico e social.
As gerações mais novas deixaram de acreditar que valha a
pena fazer contribuições, duvidam, até têm certezas, que o sistema lhes venha a
pagar uma pensão quando um dia chegarem à idade da reforma e temem que lhes
seja exigido mais esforço contributivo, por via do aumento da taxa contributiva
e/ou por via do aumento dos impostos. O princípio da contributividade
perdeu-se, a relação entre as contribuições e as pensões tem-se vindo a
desmoronar, com a interferência dos impostos para resolver défices financeiros
do sistema. A promessa de um benefício definido estabelecido por uma fórmula de
cálculo que não pára de ser alterada vai subvertendo passivamente o sistema,
transformando-o num benefício indefinido. É isto que queremos?
Os programas eleitorais da coligação PSD/PP e do PS
reconhecem a existência de problemas financeiros estruturais, colocando a
tónica na demografia, mas não apresentam, para já, um plano ou uma visão para
estabilizar o sistema de pensões. Os plafonamentos de ambos os programas
(leia-se tectos às contribuições a receber e tectos às pensões a pagar), no
primeiro caso horizontal e no segundo caso vertical, sendo actuarialmente
neutros no tempo - isto é, o que determinam em redução de contribuições actuais
tem como contrapartida no longo prazo uma redução das correspondentes pensões
futuras - não são, a meu ver, nem uma solução nem uma prioridade.
É verdade que há muitos países europeus - alguns deles
citados como exemplos de modelos de Estado Social a seguir, como é o caso da
Suécia (não consta que tenha feito uma qualquer privatização da segurança social) e para não ir tão longe olhe-se para a vizinha Espanha - que
introduziram mecanismos de plafonamento e/ou taxas contributivas diferenciadas
em função dos níveis salariais. Mas fizeram-no inseridos numa lógica de reforma
dos seus sistemas de pensões e/ou dispondo de recursos financeiros/reservas
financeiras para o efeito e/ou em circunstâncias orçamentais de alguma
distensão na escolha de opções de políticas públicas.
Nestes países, o
plafonamento foi acompanhado de outros mecanismos visando a efectiva poupança
privada para a reforma, colectiva ou individual, de modo a melhorar a pensão
global. Em Portugal este pilar não está desenvolvido, reduz-se a pensão pública
sem cuidar de a complementar com outro tipo de poupança. É, a meu ver, uma prioridade inverter esta cultura. O simples facto de
vivermos mais tempo deveria suscitar a necessidade de transferência de mais
rendimento da vida activa para a vida na reforma.
O denominador comum da aceitação
da existência de dificuldades estruturais levará, julgo, mais tarde ou mais
cedo, a uma reforma que envolva pelo menos os partidos do arco da governação.
Talvez, a seguir às eleições. A coligação já lançou o repto e no seu programa
eleitoral explícita um conjunto de princípios que deverão ser mantidos na
realização de uma reforma, mas não concretiza.
Diz o ditado popular que “a necessidade aguça o engenho”. Aplica-se neste caso? Gosto do caso da Suécia para ilustrar que é politicamente possível numa sociedade democrática fazer reformas – no caso da Suécia uma reforma politicamente difícil, mas bem sucedida - quando as elites políticas trabalham de uma forma catalisadora, longe dos olhares mediáticos e no local apropriado, o parlamento.
Diz o ditado popular que “a necessidade aguça o engenho”. Aplica-se neste caso? Gosto do caso da Suécia para ilustrar que é politicamente possível numa sociedade democrática fazer reformas – no caso da Suécia uma reforma politicamente difícil, mas bem sucedida - quando as elites políticas trabalham de uma forma catalisadora, longe dos olhares mediáticos e no local apropriado, o parlamento.
(*) Projecções Comissão Europeia, 2015
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