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quarta-feira, 17 de agosto de 2005

“Discrepância paterna”

A Suzana Toscano fez um comentário interessante ao post “Quimeras”. Tal facto originou esta reflexão.

A desconfiança quanto à certeza da paternidade é muito antiga e tem a sua explicação em termos evolutivos. O investimento na descendência exige um grande esforço e dispêndio de energia, pelo que o pai necessita ter a certeza de que o filho é mesmo seu.
Esta breve observação resulta da publicação de um estudo efectuado na Grã-Bretanha em que os autores concluíram a existência de “discrepância paterna” na ordem dos 3,7%. Ou seja, um em cada 25 pais britânicos está a criar um filho que não é seu. Outros estudos já efectuados permitem concluir que a taxa de “discrepância paterna” pode variar entre 1 a 30% de acordo com as culturas e povos deste planeta.
Hoje, com as novas tecnologias, é possível avaliar com elevada precisão o grau de parentesco graças aos estudos do ADN.
A possibilidade de criação de registos de ADN para fins criminais, doenças hereditárias, base de dados que permitam a identificação de vítimas em caso de acidentes e de catástrofes e dadores de tecidos podem provocar alguns “incidentes”, não obstante todas as “garantias” dadas nesse sentido. Além de mais, através de sites na Internet podem ser enviadas amostras que permitem provar se um filho é ou não seu.
O risco de paranóia sobre a incerteza da paternidade pode ser facilmente despoletada provocando situações delicadas.
A este propósito ou despropósito, recordo-me de uma situação ocorrida há alguns anos, quando uma senhora, acompanhada da sua irmã me apareceu com todos os sintomas de uma depressão. Como tinha acabado de dar à luz pensei que poderia tratar-se de uma depressão pós parto. E, comecei a explicar à senhora que estas coisas ocorrem com uma certa frequência. De imediato, respondeu que os seus problemas não tinham a ver com o parto, até, porque já tivera outros filhos, mas sim devido ao filho. A resposta pôs-me confuso. Mas não deu tempo para permanecer neste estado, porque adiantou de seguida: - Oh senhor doutor, eu não sei se o bebé é filho do meu marido! – Como? – É verdade, não sei se o meu homem é ou não o pai. Explicou-me, então, que o marido era uma boa pessoa, mas às vezes ficava bruto e dava-lhe cabo do juízo. Há uns meses atrás, na sequência de uma grave discussão acabou por se envolver com uma pessoa conhecida que lhe tinha dado boleia. – Sabe, fomos para aquela zona da estrada velha que já não tem uso. – O senhor conhece, não conhece? – Claro que conheço! Passei por esses lados durante muitos anos. – Oh senhor doutor, não sei o que me deu. Foi só essa vez! Agora tremo toda de medo se o miúdo vier a ser parecido com ele e o meu homem descobrir que não é o pai. – Mas olhe, minha senhora, muito provavelmente o pai da criança é o seu marido. Vai ver que o miúdo vai parecer-se consigo. Já viu que na sua família quase todos se parecem uns com os outros? E, se não apresentar quaisquer semelhanças nem consigo, nem com o seu marido, lembre-se do velho ditado que diz que, quando um filho não é parecido nem com o pai, nem com a mãe, então dizemos, “é parecido com o padre da freguesia”. Riu-se.
Passados alguns anos vejo-a acompanhado do filho. – Viva! O seu catraio está crescido. É mesmo parecido consigo! – É verdade, senhor doutor, é muito parecido comigo. Riu-se e foi à sua vida acompanhada do gaiato meio endiabrado. E, enquanto via a afastar-se, ri-me ao mesmo tempo que recordava o velho ditado: “Filhos das minhas filhas, meus netos são. Filhos dos meus filhos serão ou não”…

2 comentários:

Suzana Toscano disse...

É verdade, concordo com o Pinho Cardão, que sorte ter um professor que torna tão interessantes todos os assuntos de que fala.

crack disse...

Faço minhas as elogiosas palavras dos comentadores anteriores.