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domingo, 28 de agosto de 2005

Autarquias: uma agenda para o debate político – 3

A ingenuidade "independente" de Carmona Rodrigues revelada pela negociação abortada de lugares nos órgãos de gestão das empresas municiais, recebendo em troca o apoio político do PND e do PPM, é pretexto para um novo ponto da agenda para o debate político sobre as autarquias. Já abordámos este tema das empresas municipais em posts anteriores (consulte-se aqui, aqui e aqui), mas pelo que aconteceu entretanto julgo que vale a pena voltarmos ao assunto.

A participação dos Municípios no capital de empresas cujo fim é o de satisfazer de forma mais eficaz e com valor acrescentado as necessidades de defesa do interesse público e a qualidade do serviço prestado às comunidades locais, é, a meu ver, benéfico e vantajoso para esses mesmos municípios, desde que a gestão empresarial, em confronto com a gestão administrativa, se traduza em vantagens iniludíveis para o interesse público. Esta última condição é decisiva para a viabilidade de uma empresa municipal.

Neste contexto, não é compreensível que a designação dos gestores dessas empresas se submeta ao primado da lógica política. Aceito que essa nomeação se oriente por critérios de confiança política, mas é indispensável que eles se sujeitem prioritariamente a critérios de competência de gestão.

No caso da nomeação de vereadores para os órgãos de gestão das empresas municipais o efeito parece-me ser ainda mais perverso: um membro de um órgão (Câmara) que tutela a empresa é ao mesmo tempo tutelado, gerando uma promiscuidade pouco saudável. É razoável a nomeação de vereadores para órgãos de representação dos accionistas (AG’s) ou de fiscalização (CF’s), nunca para órgãos executivos.

Infelizmente não é este o princípio que orienta as nomeações para cargos executivos de empresas municipais nem a sua lógica tem a ver com a defesa do interesse público.

Seria bom que os diferentes candidatos às presidências camarárias das mais importantes autarquias pudessem ser questionados sobre esta opção. Esclareceriam decerto muitas dúvidas que por aí andam.

5 comentários:

O Reformista disse...

E o que dizer do aproveitamento dos lugares nas empresas camarárias para recrutar militantes partidários "fieis" (agradecidos ou expectantes) que vão servir de tropa eleitoral nas eleições nas secções?
Aparelho Partidário=>Camara=>Empresas Camarárias=>Promessas=>Recrutamento de militantes=>vitória nas eleições no Partido=>conservação do poder

Anónimo disse...

Independentemente de se não ter feito uma avaliação da lei que enquadra as empresas municipais (e já lá vão 7 anos desde que entrou em vigor) torna-se imperiosa e urgente a sua revisão, pelos menos em cinco aspectos. Primeiro, para tornar incompatíveis os exercícios de cargos no Executivo camarário e nos órgãos sociais da empresa de carácter igualmente executivo, pelas razões que o David Justino apontou e às quais nada acrescento. Segundo, para limitar a possibilidade de criação de empresas municipais em domínios bem definidos e delimitados, que correspondam ao nível de algumas atribuições municipais onde faça sentido a "empresarialização", para evitar que suceda o que hoje acontece, isto é, a existência de municipios que detêm no seu universo "empresarial", padarias...
Terceiro, para prever mecanismos de extinção imediata das empresas municipais detidas exclusivamente pelas autarquias ou por associações de municípios, no caso de se virem a mostrar erradas as previsões constantes dos estudos de vaibilidade económica e financeira que fundamentaram a criação dessas empresas, ou quando, por impossibilidade financeira de cumprir os contratos-programa, o Município não esteja em condições de garantir o diferencial de custo social de algumas das actividades prosseguidas pelas empresas municipais que criou.
Quarto, para obter a definição clara de um estatuto do gestor de empresa municipal, fixando direitos e obrigações e garantindo-lhe a autonomia necessária a uma autêntica responsabilização pelos actos de gestão, incluindo a definição de um quadro remuneratório que não perca de vista as remunerações dos titulares dos cargos autárquicos perante os quais respondem.
Quinto, para afirmar o princípio de que as dotações de pessoal das empresas se obtêm, em regra, por recurso aos instrumentos de mobilidade dos funcionários dos próprios municípios, fixando um quota reduzida de novas contratações, que de todo o modo deverá contar, nos casos das empresas exclusivamente detidas pelos munícipios, para o limite de despesa com remunerações de pessoal do município.

Anthrax disse...

Sinceramente, não posso dizer que discorde da opinião de V.Exas. Contudo, há uma coisa onde irão sempre falhar. Na capacidade de execução.

Tudo o que disseram só se traduzirá em resultados (positivos ou negativos), se for aplicado e executado, caso contrário não passam de boas ideias cuja tendência natural é ficarem na gaveta.

Por exemplo, aqui no "Tasco" onde trabalho (sim, sim é relacionado com a Educação mas não sou professor graças a Deus, senão tinha as minhas perspectivas profissionais arruínadas), uma pessoa não pode ter grandes ideias, que envolvam mais do que o simples aperfeiçoamento das suas tarefas diárias, senão está sujeito a que esbarrem na falta de visão estratégica dos elementos da direcção (que por norma não vai mais além da má gestão corrente).

Como quem não tem cão caça com gato e eu tinha que gerir, da melhor maneira possível, o que me tinha sido atribuído, fiz o que até então nunca ninguém tinha feito. Usei o método da "Tábua Rasa". Não podia corrigir o que tinha sido feito de forma errada até então, mas podia impedir que se voltassem a cometer os mesmos erros, interpretando literalmente um conjunto de regras da C.E e fazendo-as valer. Como é óbvio, a direcção não ficou propriamente contente (ao contrário da C.E e dos meus colegas europeus que agora me perguntam como é que fiz), porque acharam que isto devia ser gerido de uma forma mais fléxivel. Acham que tenho falta de sensibilidade para lídar com a 'classe docente' (que consideram ser incompreendida por quem não é do ramo). Bom, como não lhes podia bater (senão despediam-me e o mercado de trabalho está um bocado agreste), tive de me rir e tive de lhes dizer "Pode ser, mas sou um excelente carro de combate não sou?". Mas a verdade é que consegui reverter a situação e estou muito contente com a evolução dos meus números.

Depois desta lenga-lenga perguntam-me vocês, o que é que isto tem a ver com o assunto em debate? Tem tudo;

1º Porque até chegar a um consenso quanto à definição de critérios a aplicar (ou legislação), as probabilidades de esbarrarem nas "Direcções" são, no mínimo, de 75%.

2º Porque até encontrarem alguém que aplique eficazmente os critérios previamente definidos, pode demorar anos (e isto é já ser bastante simpático, porque estamos a falar de 'função pública', logo pode demorar séculos).

3º Porque gostava mesmo de ver, executarem um processo de selecção, para órgãos de Direcção, imparcial e com base nas competências do candidato. Até porque é a única maneira de garantirem o sucesso do ponto 2.

Até lá, podemos achar que somos geniais e temos óptimas ideias, mas como não as aplicamos, não podemos avaliar os resultados nem verificar se de facto a ideia era boa ou não.

Anónimo disse...

Meu Caro Anthrax, como a única coisa que não vale é mesmo bater, vamos usando a cabeça, com a humildade de considerar que as ideias que para aqui vertemos e aqui discutimos e partilhamos não são nem para salvar o mundo nem produto de génios ou oráculos.
Não é por acaso que desde a primeira hora se assmumiu que o 4R se situa "no limiar da utopia". No limiar, no entanto...

Anthrax disse...

Caro JM, pois concordo consigo e gosto muito da orientação deste blog (algo que creio nunca ter dito ainda), senão, não passaria por aqui todos os dias.

Por outro lado, gosto também de ver boas ideias a serem executadas, isto é gosto de transformá-las em realidade porque é a única forma de se andar para a frente. E as ideias que aqui discutem até podem nem ser para salvar o mundo (se fossem só para salvar o país já me contentava), nem produto de génios ou oráculos, mas também não devem ser humildes. Porque quando se acredita (verdadeiramente, não é só acreditar por acreditar), nas ideias que se defende, então o caminho é sempre para a frente.