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quarta-feira, 14 de setembro de 2005

Base de dados genéticos

A importância da genética para fins de investigação é muito importante, quer sob o ponto de vista criminal, quer sob o ponto de vista civil. No primeiro caso, é possível “controlar, identificar e vigiar” criminosos ou suspeitos através de análises de ADN. No segundo, em caso de catástrofe ou de situações em que se procura a identificação das vítimas é de uma grande utilidade. Um terceiro ponto tem a ver com a investigação científica.
Relativamente à investigação criminal, utilizando as técnicas mais adequadas e de uma forma perfeitamente controlável, nada haverá a opor. Mas quanto à existência de bases de dados genéticos, que possam ser utilizados para outros fins, o perigo é real se não forem devidamente utilizados.
Nos próximos tempos vai haver muita discussão e debates sobre esta matéria. O que é certo é que com o tempo acabarão por se constituírem as tais bases. As razões assentam na necessidade de controlar a criminalidade e na evolução da investigação científica que pode e deve ser utilizada para controlar aquela. O pior é que os criminosos também sabem utilizar os resultados da investigação científica para baralhar o esquema. Senão vejamos: a divulgação dos avanços científicos, nomeadamente da polícia forense, através de séries televisivas, tais como CSI (Crime Scene Investigation), levam os criminosos, por exemplo, assaltantes de carros, a deixarem beatas de cigarros apanhadas em vários locais, no interior dos veículos roubados, para confundir a polícia. Pode acontecer que um assaltante ou um assassino leve algum produto biológico de um vizinho para colocar no local do assalto ou no corpo da vítima.
A parada de complexidade vai subir. A ciência não é boa nem é má, mas é usada tanto pelos “bons” como pelos “maus”. Sendo assim, a constituição de bases de dados genéticos não vai ser pacífica nem resolver tudo. Resolverá, sem dúvida, muitos problemas, mas não deixará de originar outros, porventura muito graves.
A problemática da utilização dos dados genéticos para fins pouco ortodoxos e a sua fácil aplicação é uma realidade. No Reino Unido, os agentes de tráfico, que são, frequentemente, vítimas de humilhação e abusos, contam agora com uma nova técnica para combater os condutores mais irascíveis: o”kit detector de cuspo”. Assim, no caso de um polícia ser alvo de um condutor-cuspidor, o agente utiliza o material biológico para provar a identidade do autor de tamanha façanha.
Imagino o que poderia acontecer se fossem utilizados kits detectores de escarros, de urina, de fezes e outras coisas, por essas cidades e vilas fora. Cruzavam-se os resultados com uma base de dados genéticos e procedia-se à respectiva contra-ordenação dos prevaricadores. Volta e não volta o cidadão receberia um aviso para pagar uma coima por ter sido detectado no dia tal, no local x a presença de …

13 comentários:

Anónimo disse...

O tema que o Prof. Massano Cardoso aqui nos traz é fascinante e constitui um desafio actual para os cientistas, mas também para os políticos e não deverá alhear os cidadãos.
Torna-se indispensável que o que for sendo feito no sentido de criar as condições para a existência das bases de dados genéticos, seja do conhecimento público. Mas de um conhecimento público conveniente e objectivamente informado.
Entre as muitas interrogações que lança uma há que, por formação, sou particularmente sensível: estará o nosso aparelho jurídico de defesa de direitos, liberdades e garantias - que foi concebido numa altura em que temas destes eram mera ficção científica - preparado para lidar com estas intrusões na esfera da privacidade das pessoas? Que nova dimensão deve ser dada aos direitos de personalidade para que se acomodem com o interesse público que fundamenta a existência destes bancos (onde se recolhe o que de mais pessoal existe)? E que limites se devem traçar a esse interesse público?
Questões que já obtiveram lá fora soluções que importa conhecer, que estou certo que alguns estudaram, mas que de todo o modo importa submeter a debate.

Tonibler disse...

Caros,

Vocês deixam-me em pânico! Que tivesse lido isto noutro lado, ainda vá, agora vocês, gente ponderada....Estou em pânico!

Qualquer pessoa encontra interesse público para que a polícia possa filmar qualquer cama em qualquer momento, ou que possa andar por onde quiser sem mandato. Isto não é possível porque alguém um dia entendeu que há valores mais altos a defender.
Bancos de dados genéticos? Mas podera-se, sequer, que tal monstruosidade fascista seja possível? É óbvio que isto é perfeitamente inconcebível!

Mas se os assuntos em segredo de justiça abrem os telejornais, as declarações sob sigilo fiscal aparecem publicadas, se toda a gente está sob escuta, imagino alguém com isto na mão... É inconcebível e nem percebo como possa ser assunto de debate.

Anónimo disse...

Caro Tonibler:
Sou capaz de perceber o seu pânico pelo que, à primeira vista, o tema convoca. Mas o assunto não é propriamente a revelação de um misterioso segredo. Falou-se aliás disto na última campanha para as legislativas e deu-se algum destaque aquando da discussão do programa deste governo.
A quem interesse uma abordagem jurídica deste assunto recomendo a leitura do artigo do Dr. Carlos Pinto de Abreu, actual presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados publicada em http://www.oa.pt/genericos/detalheArtigo.asp?idc=4&scid=9562&ida=26255

Massano Cardoso disse...

No caso de bases de dados genéticos para fins criminais é utilizado alguns segmentos do ADN – salvo erro dez pequenas zonas – que permitem “apenas” a identificação do indivíduo como se fosse uma impressão digital, ficando de fora toda e qualquer informação genética sensível. Esta é a posição de peritos em medicina legal. Estes bocadinhos não revelam nada sobre as características físicas da pessoa ou sobre as doenças.
O assunto é complicado e muito vasto. De facto, compreendo a preocupação e mesmo a indignação do Tonibler.
O problema consiste quem, como (e durante quanto tempo) controlará essa enorme fonte de informação. Vários países já dispõem este tipo de base. Quanto a uma base mais”alargada”, também fico preocupado (e muito), não vá um dia, alguém apropriar-se de algum elemento que contenha o meu ADN utilizando-o para fins nada agradáveis…
Ah, a propósito! O facto de ter abordado este tema, assim como a posição do Ferreira d´Almeida não nos transforma em pessoas menos ponderadas!
Mas prepare-se, porque o Governo vai mesmo apresentar uma proposta de Lei sobre o assunto. Aliás é do conhecimento de muitas pessoas que o assunto está já há alguns anos no Ministério da Justiça.
Recordo-me de um seminário realizado na AR há cerca de 2 anos, e no qual colaborei na organização, sobre este assunto que foi muito enriquecedor. No final foram esclarecidas algumas dúvidas. No entanto muitas outras brotaram como cogumelos….

Anónimo disse...

O Governo acaba de anunciar que apresentará a proposta de lei em 2006.

Tonibler disse...

Caro Salvador Massano Cardoso,

Não queria que pensassem que lhes estava a chamar imponderados. Não era essa a intenção, peço desculpa. Surpreendeu-me, só isso.

O interesse público é, sempre, operacionalizado por interesses privados. E essa informação estará sempre, em primeira instância, sob interesses privados para, eventualmente, ser usada para o interesse público. Enquanto o interesse privado se cingir ao ordenado no fim do mês, bom. Mas isso ninguém consegue garantir.
Mais, enquanto o ‘driver’ for a criminalidade, são dez peças. Depois é para encontrar doadores de medula, são mais vinte. Depois é para encontrar pais fugidos, mais 30. Depois é para preencher cadernos eleitorais, cartões de contribuinte, ... E ainda não saí do ‘interesse público’. Isto para mim até é muito simples. Não entendo a razão porque semelhante coisa é assunto, mesmo que o resto do mundo o faça.

Quanto ao facto da assembleia da república se estar a ‘debruçar’ sobre isto, e respondendo ao JMFA, é por estas que acho que as leis deviam ser produzidas por matemáticos. Alguém ponha lógica nisto! Se isto não é gritantemente inconstitucional então que a constituição passe a ser impressa em papel macio que não largue tinta. Para mim, pela lógica, o governo apresentar semelhante coisa é mera perda de tempo( para não dizer asneiras ). Isto é o que me diz a lógica. Se a lógica do direito é outra, então desculpem lá, há muito mais revolução por fazer.

Ainda não há muito tempo foi noticiada na televisão a detenção de três pessoas, conhecidas, que estavam separadas por 300 km ainda antes destas chegarem ao local do interrogatório. Esta era ‘informação segura’ que estava na posse exactamente daqueles a quem se quer agora confiar códigos genéticos.

Vocês, que me parecem homens do direito, expliquem-me (se tiverem essa paciência) a lógica de tudo isto.

O Reformista disse...

Sem uma posição definitiva,três perguntas:

Como irá ser feita a colheita dos dados genéticos dos 10 milhões de portugueses?

Como vão ser arquivados? (Quem, como, aonde...)

Quanto vai custar?

Suzana Toscano disse...

Este é sem dúvida um tema que aterroriza se pensarmos "quem guarda o guardião?" e compreendo muito bem a perplexidade de Toniblair. Mas também nesta matéria, uma vez descoberto o filão, a imaginação não tem limites. Lembro-me que conheci melhor o Prof. Massano Cardoso quando, na Assembleia da República, analisámos um diploma sobre bases de dados genéticos para despiste de doenças hereditárias. Lembra-se, Prof? Tratava-se então de procurar estabelecer um modo organizado de permitir que as pessoas com o risco dessas doenças fossem avisadas e acompanhadas na sua doença e também de imputar aos médicos a responsabilidade de avisar e orientar os doentes para as consultas de especialidade.
Como vê, caro Toniblair, há muitas formas de ver o assunto, mas já agora também lhe digo que tive a mesma reacção de temor, mesmo que o dito "interesse" não fosse público mas o da protecção dos possiveis doentes. Mesmo assim, acho que preferia correr o risco da doença, mas reconheço que é discutível...

Suzana Toscano disse...

Peço desculpa, queria dizer Tonibler...

Tonibler disse...

Está desculpada! :)
Até porque parece que o governo me quer chamar TCA-TTG-CUG-TGC-CCG-AAT-GGU-......

Nas várias formas de ver o assunto, não consigo concordar. Até na marcação das pessoas por códigos de barras consigo encontrar vantagens, mas há hipóteses que não se colocam nunca.

Massano Cardoso disse...

Estas matérias do genoma, dos códigos e das bases genéticas são verdadeiramente mirabolantes.
Já há alguns anitos, quando se vislumbrava a hipótese de descodificação do genoma, nasceu logo uma nova medicina: a medicina predictiva. De acordo com os defensores deste novo ramo perspectivavam-se maravilhas. Na altura, li alguns ensaios que focavam e “vendiam” uma ideia aparentemente promissora. Se nós soubéssemos, atempadamente, que somos portadores de certos genes responsáveis pelo aparecimento de doenças graves, então, o melhor seria efectuar uma vigilância activa e contínua, além da aquisição de hábitos e estilos de vida compatíveis com a situação. A mim não me convenceram, nem me convencem da “bondade predicitva”. Nunca faria quaisquer testes desse género. Prefiro viver na ignorância, sobre a boa ou a má qualidade dos meus genes, do que andar constantemente a pensar: é hoje que se vai manifestar a minha propensão para a doença X? Não fazia outra coisa e, consequentemente, tenho a perfeita sensação que perderia a minha qualidade de vida.
Quanto ao comentário da Suzana Toscano, lembro-me perfeitamente das objecções e algumas críticas apontadas ao documento em apreço que acabou por ser aprovado. Neste caso estão em presença duas concepções: a de um médico e a de um jurista. São duas visões que apresentam algumas diferenças. Por isso é que é muito interessante “casar” perspectivas diferentes. De qualquer modo, a sua ajuda foi muito útil, confesso.

Gostei da versão genética do nome Tonibler!

Carlos Monteiro disse...

Concordando com a indignação do tonibler e com as inúmeras reticências em relação aos eventuais desvirtuamentos que se possam verificar na utilização destes dados, mas tendo em conta (e peço a confirmação dos «homens da ciência» deste blog) que uma descoberta científica com este potêncial raramente é deixada sem utilização, para fins louváveis ou não, coloco a seguinte questão:

Não deveria desde já ser promovido um sério debate sobre os termos de utilização da informação, segurança dos dados, fins a que se destinam, quem intervém no processo, e outras demais questões relativas à preservação da liberdade individual?

Porque verifico que este processo me parece imparável, temo que se vá perder tempo precioso a discutir a razão da existência destas bases de dados, em vez de discutir que garantias teremos nós cidadãos, quando elas forem um facto consumado. Que pelos vistos serão.

Boa noite a todos.

Massano Cardoso disse...

Concordo com a pergunta formulada.
A sua observação de que estamos perante um processo imparável e que pode haver uma “distorção”, quanto ao modo como poderá ser orientado o debate, ou seja: “discutir mais a razão da existência destas bases de dados” em vez de se “discutir as garantias quando forem um facto consumado”, parece-me pertinente e uma boa forma de equacionar o problema. A abordagem deste assunto tem de ser equilibrada.
O grave problema destas áreas é precisamente quem garante o quê. A vivência de cada um nós está repleta de exemplos em que a liberdade individual é posta em causa com uma frequência preocupante.