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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Os doutoramentos de valor deteriorado

Que o ensino secundário foi transformado num modo de produção em que a quantidade é o objectivo e a qualidade até pode prejudicar as estatísticas, já é matéria conhecida. Suspeitava que esse processo já tinha chegado aos doutoramentos, tal a ânsia que o anterior Governo em propagandear os “investimentos” em I&D que nos colocavam na vanguarda da Europa. Suspeitava ainda eu que Mariano Gago estava assim a recrear nas universidades portuguesas, fora de tempo e de contexto, os planos quinquenais de produção soviéticos.
Acabo de confirmar tal suspeita, num magnífico texto do Prof. Doutor Pinto de Sá, Catedrático do Técnico, e autor do Blog A Ciência não é Neutra, um grande Blog sobre Ciência, Tecnologia e Políticas Tecnológicas. Num texto, também ele notável, sobre a retirada de Steve Jobs, remete para um outro, em que diz o seguinte:
Ou seja: com Bolonha, a componente curricular do doutoramento totaliza agora 5 anos e meio, menos que um Mestrado dos anos 80/90 e tanto como um Mestrado americano, além de que deixou de existir o requisito de ter feito o grau anterior com pelo menos 14 valores!
Por outro lado,
a Tese que antes não tinha componente curricular mas se estendia em regra por 4 ou 5 anos, agora é para 2 anos.
Em suma: o Mestrado actual curricularmente é menos do que a antiga licenciatura, e o Doutoramento actual totaliza menos cadeiras que o Mestrado dos anos 80/90, para já nem falar no doutoramento americano...
Quanto ao Doutoramento antigo, de tipicamente de 5 anos de Tese, pura e simplesmente desapareceu. Não há. Nem o correspondente treino de I&D!...
E ainda: "a faceta das pós-graduações americanas, que é talvez a mais útil, a da existência de uma componente curricular de elevado nível e exigência, não está interiorizada (diria mesmo que muitas das cadeiras de mestrado das escolas de engenharia portuguesas são uma fraude)".
Por isso, tanto "investimento", tanto "investimento", mas tão pouca inovação. Porque doutoramentos de valor normalizado são gasto puro, fábricas de encher chouriços.

10 comentários:

Caboclo disse...

bando de covardes

Bartolomeu disse...

Mais cobardes, Cavoclo?!
Mazeles nascem debaixo das pedras, ou kê?!
;))))

Bartolomeu disse...

Caro Dr. Pinho Cardão;
Creio que o Senhor Caeiro, antecipando o post que V. Exª publica, compôs um poema com o título "A minha Aldeia", cujo, reza assim:

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo…
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura…
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,


Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe
de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos
nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.

É verdade, Sr. Caeiro, se nos falta o sentido da visão, transformamo-nos nos mais pobres dos pobres...
;))

Tonibler disse...

Caro Pinho Cardão,

Correndo o risco desta não ser a caixa de comentários ao post sobre o post de Pinto de Sá, eu não consigo perceber que contas faz ele. Mas parece-me que o Prof Dr insiste de forma estranha na palavra curricular. Apesar de ter feito a licenciatura pré-Bolonha, em Engenharia (ora, se calhar não na engenharia de que fala o Prof Dr, mas numa menor...) também fiz um Mestrado Pós-Bolonha que tinha de diferente a configuração curricular de ter 1,5 anos de aulas (imagino que seja isto que afecta o Sr. Prof. Dr.) e 1,5 anos de tese, tudo feito em 2 anos de tempo. No doutoramento, que é de 3 anos porque sou mestre (talvez o Sr. Prof. Dr. se esteja a esquecer que Mestres sempre tiveram 3 anos de doutoramento) tem oficialmente uma componente de aulas que só faz sentido se o doutorando e o seu orientador vieram algum interesse nessa componente. Como ninguém é dispensado do que quer que seja na defesa da tese de doutoramento pelo facto de ter tido aulas não se percebe a real preocupação do Sr. Prof. Dr. que me parece mais direccionada pelo Prof. que pelo Dr. No meu caso, que faço o doutoramento numa ciência fundamental sobre os fundamentos de outra ciência atacando o lado matemático desta, tenho que me defender nas três vertentes, perante arguentes internacionais e tendo que ter na minha tese os papers que vou produzindo. O tema é suficientemente original para não haver aulas que me interessem. Se calhar porque o IST é pouco dado a trabalhos científicos originais(só uma farpazinha...) é que entendo esta fixação nas aulas. No que é que a originalidade do trabalho e o trabalho produzido sejam favorecidos por umas aulas para ocupar Srs Profs Drs é algo que me escapa completamente.

Adicionalmente, se calhar para azar do Sr. Prof. Dr., para além de cientista também sou empresário e empregador e conheço aquilo que o IST produzia e produz hoje e aquilo que ele diz não corresponde de todo à minha percepção enquanto cliente dos serviços educativos do instituto. Para acumular, também eu comecei a minha carreira na indústria de defesa e sei o valor económico do que foi produzido pela robótica nacional nesse domínio (pela robótica nacional e não só...) para dizer vamos lá fazer os robots para jogar futebol. Os "drones" não aparecem porque temos o conhecimento como funcionam mas, muito mais difícil e dispendioso, porque temos o conhecimento de como se fazem.

Maria disse...

O autor do post não refere claramente um aspecto fundamental que não está associado à duração da formação académica como se pensa ainda por cá: a qualidade da formação. Os cursos podem ter duração menor mas no geral é a qualidade dos mesmos que interessa, a qualidade das universidades e institutos, a qualidade das bibliotecas e do acesso a informação, a qualidade dos docentes e a qualidade dos discentes. Com a uniformização europeia do ensino superior temos jovens que podem sair das universidades com grau de doutoramento aos 24 anos e entrar no mercado de trabalho com essa idade, se escolherem cursos de qualidade em instituições de qualidade. É na qualidade que Portugal tem que apostar para poder competir a nível europeu ou mesmo internacional. Neste século a formação académica vai ser feita ao longo da vida. Estar a exigir que jovens adultos estejam tantos anos de seguida em meio académico pobre e castrador, como é o português na minha opinião com raras excepções, é prejudicial para a sua vida profissional. O mundo está a mudar mas parece que por cá querem 'continuar no séc XIX' como comentou um cientista europeu, que avaliou há meia dúzia de anos o ambiente científico português. Custou-me ouvir este comentário mas ele não deixa de ter razão, e repito, salvo raras excepções. A inovação e a originalidade perdem-se em tantas horas de doutrinação académica.

Pinto de Sá disse...

Obrigado pelas referências, amigo Dr. Cardão!
Como encontro aqui algumas críticas que os autores não tiveram a oportunidade (ou a coragem?) de me fazer directamente, aproveito a liberalidade desta República para lhes dar algum esclarecimento (ou troco?).
A leitora Maria diz que se "não refere" o aspecto da qualidade da formação; ora não é verdade! Para se poder frequentar o antigo Mestrado (1983-Bolonha), além de se ter de ter uma licenciatura de 4 ou 5 anos (no Técnico era de 5 anos), era preciso ter média de 14 nessa licenciatura!!! Assim como, para se poder frequentar o doutoramento, era preciso ou ter já esse mestrado (2 anos a somar à licenciatura de 5, mas que no Técnico em regra requeria 3, isto para alunos que já haviam sido seleccionados por terem pelo menos 14 na licenciatura), ou ter média de 16 ou superior na licenciatura, caso em que era possível a dispensa do mestrado! E note-se que as médias não tinham sofrido a inflacção actual, pelo que no Técnico, por exemplo, só cerca de 5% dos finalistas atingia os 16!...
Se estas exigências, que desapareceram completamente, não eram sinónimo de exigência de uma qualidade que escorreu pelo cano de Bolonha...
Por outro lado, Tonibler diz que fez um Mestrado pós-Bolonha em que a tese era para 1,5 ano. Gostaria que ele provasse essa afirmação, porque não acredito que isso exista no contexto de Bolonha. Os mestrados são todos de 2 anos, após uma "licenciatura" de 3, e a TEse é de 1/2 ano - o que já havia há muito, nomeadamente no Técnico, e chamava-se "Trabalho Final de Curso" (TFC). A única diferença entre o antigo TFC e a actual tese de Mestrado, é que esta é individual, enquanto os TFC eram em regra feitos por grupos de 2 alunos!
Portanto, é absolutamente inquestionável que os actuais mestrados equivalem exactamente às antigas licenciaturas, aparte, como disse, a individualidade do trabalho final de curso actual (agora denominado "Tese").
A questão essencial, porém, é a qualidade dos doutoramento que são agora feitos após tal mestrado!
Ora é verdade, como reconheci, que antigamene também era possível passar directamente de um curso de 5 anos a um doutoramento sem componente curricular, mas: a) só para quem tivesse média de 16 no tal curso e para fazer um trabalho de I&D com nunca menos de 4-5 anos; b) apesar disso, eu já em 1995 criticava essa falta de componente curricular, como transcrevo no meu post.
O que é indubitável é que o doutoramento bolonhês, com 1 ano de cadeiras pós um mestrado de 5 anos, e uma tese tipicamente de 2 anos, ocupa precisamente o esforço de um mestrado pré-bolonhês, e que o tipo de investigação prolongada e em profundidade do antigo doutoramento cessou de existir, sem que tivesse sido substituída pela componente curricular (pós-mestrado antigo) que eu defendia e defendo.
Mas é claro que denunciar isto incomoda alguns que gostariam que se mantivesse o logro...

Pinho Cardão disse...

Caro Prof. Pinto de Sá:
Obrigado por ter vindo ao 4R. Ainda bem que veio, pois poupou-me a usar alguma bem mais fraca argumentação baseada naquilo que lhe tenho lido e com que quase sempre concordo, como é neste caso.
Gostaria também de salientar o quanto concordo consigo que os doutoramentos,nomeadamente em determinadas áreas de engenharia, deveriam ser também resultado de investigação aplicada ao serviço dasa empresas, e não meros produtos teóricos. Só esse tipo de investigação pode traduzir-se em bens susceptíveis de serem produzidos e comercializados, que geram riqueza e emprego. E justificar muitos doutoramentos. Mas, de facto, é mais fácil fazer doutoramentos com base em papers do que com base nas necessidades reais da economia. O Prof. Pinto de Sá, sendo um académico, é um engenheiro com trabalho na economia real. Fala do que sabe.

Tonibler disse...

Caro Prof. Pinho de Sá,

significa pelas suas palavras que o trabalho do seu doutoramento foi avaliado pelas aulas que frequentou e não pela qualidade do seu trabalho cientifico? Ou quer dizer que os doutoramentos no IST não são avaliados actualmente pelo seu valor científico?
Francamente não consigo entender onde quer chegar com esse tipo de argumento.

Não conheço os actuais doutorandos do IST, mas deixe-me dizer-lhe que relativamente ao mestrado isso deve ser um problema da sua eng. Eu orientei (como externo) vários mestrandos do IST nas suas teses em Eng. Física Tecnológica, Matemática e Aplicações e Eng. Aeroespacial e estou numa empresa privada. As suas teses de mestrado foram apresentadas com dois semestres de trabalho e algumas delas mereceram publicação. Como emprego também mestrados pré-bolonha, não vejo nestes nenhuma inferioridade tirando o facto de serem mais novos e de terem entrado no mercado de trabalho mais cedo. Como a minha perspectiva é a de empregador, desculpe lá mas eu tenho razão por definição.

Quanto à prova, como o Prof. Dr. deve saber da sua formação científica, a generalidade é que carece de prova sendo negada pelo exemplo. E quem lançou a generalidade foi o Prof. Dr.. Faltava-lhe, talvez, uma limitação do âmbito da análise. Mas sem dificuldade encontra vários mestrados nessa situação, basta querer encontrá-los.

No que diz respeito ao que diz sobre doutoramentos, gosto do lema de uma das tropas especiais, creio que os "Rangers" de Lamego, que diz "perguntem ao inimigo quem somos". No fim do dia, pouco interessa que acumule uma carrada de títulos nas costas ou 200 anos de aprendizagem. Vá perguntar ao seu inimigo quem é e isso deverá dar uma ideia do seu valor. Na minha universidade os doutoramentos têm arguentes externos e internos nos 2 anos em que se tem que fazer defesas intermédias e na defesa da tese. Perguntamos aos inimigos quem somos e levamos as provas na forma de publicações sujeitas a peer review para mostrar mais inimigos ainda.Pode-me dizer que no IST se optou por um esquema mais manhoso qualquer porque não sei. Acho estranho que assim seja, mas não sei.

Quanto à oportunidade ou à coragem de o fazer, esteja à vontade. Se tenho medo não é certamente do Prof. Dr nem é por mim. Como referi, tenho responsabilidades de gestão e as pessoas que dependem de mim não têm culpa nenhuma que goste de andar a comentar blogues. QQ pormenor adicional consegue chegar facilmente a mim.

Caro Pinho Cardão,

A IBM tem vários Nobel da física, empregava Benoit Mandelbrot e emprega Greg Chaitin entre dezenas de mais cientistas cujos (muitos) papers mudaram o mundo inteiro. Oldrich Vasicek trabalha na Moody's Analytics e os seus papers definem hoje(mal, mas pronto...) as leis bancárias do mundo inteiro. Não existe nenhuma oposição entre papers e valor económico, pelo contrário. O que existe é quem não saiba gerir as duas coisas em conjunto. E num país em que o estado é o principal empregador de cientistas, essa má gestão aparece naturalmente. Mas isso é válido para os cientistas como é para motoristas de autocarro.

Maria disse...

Pinto de Sá, como professor afirma que as 'médias' actualmente andam inflacionadas, e sabe concerteza que um 16 dos dias de hoje pouco corresponde a um 16 dos anos 80-90 e muito menos a um 16 dos anos 60-70. Por isso mesmo é perigoso usar essas médias para aferir a qualidade académica ou a qualidade de um diploma.
O seu comentário levou-me a recordar a experiência de um colega que, numa candidatura a um pós-doutoramento numa universidade americana, foi submetido a exames escritos de fisíca, química, matemática entre outros, mesmo depois de apresentar todos os diplomas de doutoramento e as cópias dos artigos que tinha publicado. Quando perguntou o porquê de tanta exigência, disseram-lhe que pedaços de papel não têm valor e eles estavam à procura do melhor candidato, o que estivesse bem preparado e que fosse capaz de resolver os problemas que eles tinham que abordar durante os 3 anos do projecto.
O contraste desta situação com a nossa realidade portuguesa onde interessa mais o 'papel' carimbado e não a capacidade de gerir e resolver problemas.
Quando conheço jovens que terminam o 4º ano sem conseguir interpretar textos simples ou resolver operações aritméticas simples, e que continuam pelo ensino básico e secundário com sérias falhas na sua formação académica (a formação pessoal/social é outro assunto espinhoso), chegando à universidade frequentemente sem conseguir interpretar correctamente as perguntas dos testes e exames, ou mesmo redigir um relatório coerente, só posso reclamar que anda a ser negligênciada a qualidade da formação académica em Portugal. E quando vejo estas pessoas chegar a cargos de grande responsabilidade e as consequências das suas incapacidades ainda mais razão terei para reclamar.
Creio que não será a designação pré- ou pós-Bolonha, a duração do curso ou a sua classificação final que vai colmatar todas a falhas que existem na academia portuguesa. Todos os dias somos prejudicados por essas falhas. Políticamente falando, querem-se sempre resultados para amanhã ou para o próximo trimeste/semestre, mas na educação os resultados só se vêem daqui as umas dezenas de anos. Talvez esta seja uma das razões de tanto desleixo por parte de quem tem gerido a educação em Portugal.
No entanto, concordo com Pinto de Sá e Pinho Cardão no que diz respeito à necessidade de investigação que procure resolver os problemas e necessidades da nossa sociedade e não só nas engenharias. Só tenho pena que muitos dos jovens capazes de o fazer estejam a sair do país, e que os que se mantêm por cá ainda sejam vistos como ameaças às 'carreiras' de uns quantos.

Pinto de Sá disse...

Caro Tonibler,
Não vou entrar numa discussão ad hominem consigo nem baseada em argumentos de autoridade. Vejo que nas suas observações está implícita uma visão da minha pessoa, mas não vou esclarecê-lo.
Se quiser discutir os argumentos de base, nomeadamente os que eu carreei e não os o que o meu caro tenta sugerir que carreei, tudo bem. Para outra discussão, desculpe-me a falta de tempo.
Melhores cumprimentos.