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quinta-feira, 4 de agosto de 2022

"A Guerra do Roque"...

Li em tempos uma história interessante numa obra de John Steinbeck. O capítulo intitulava-se "A Grande Guerra do Roque". Acabei por saber que o "roque" é uma forma complicada do jogo de críquete, que para mim já é suficientemente esquisito. Steinbeck diz que este tipo de jogo desenvolve o carácter. Antecipei de imediato ironia que se veio a comprovar no final do capítulo. Tudo começou numa cidade com graves complicações. Quando foi fundada muitos velhos refugiaram-se ali, sem compreenderem do que é que fugiam. Tornou-se numa cidade "rabugenta" em que tudo corria mal. Foi então que um filantropo decidiu oferecer à cidade dois campos de "roque". Como qualquer desporto tem de haver adeptos, necessidade de competição, de luta, e atribuição de prémios para o vencedor. Os cidadãos tinham mais de setenta anos. Uns pertenciam aos Azuis e outros aos Verdes. A rivalidade começou a crescer de tal forma que deixaram de se falar e ser proibido casamentos entre Azuis e Verdes. Passou-se de imediato para a política, e na igreja os Azuis não se misturavam com os Verdes. Houve quem propusesse a criação de igrejas separadas. Tudo girava à volta da rivalidade clubística, que se transformou em rivalidade política e em segregação religiosa e, claro, com o tempo, os idosos chegaram a incendiar as casas de uns e de outros, a cometer atentados e a provocar mortes. O filantropo via tudo aquilo com muita tristeza. Um dia, encomendou um buldózer e mandou destruir os dois campos de "roque". Em seguida abandonou a cidade para sempre. Foi o que fez de melhor. Os Azuis e os Verdes, desde então, reúnem-se naquele dia e queimam uma esfinge do filantropo depois de o enforcar. Este comportamento fez-me lembrar a queima do Judas. Azuis e Verdes unem-se de forma a exteriorizar a sua violência e intolerância na figura e na lembrança de um filósofo que só queria o bem-estar dos seus concidadãos. Dizem os entendidos que a tal variante de críquete desenvolve o carácter. Pois! Nota-se. Há histórias que não sendo verdadeiras assentam como uma luva à realidade. Mesmo assim, prefiro, de longe, as figuras dos Judas que outrora queimavam na minha terra. Todos se uniam em torno da imagem, gostassem ou não da personagem, mas depressa esqueciam-se desta união. Voltavam aos copos, o que também era uma outra forma de união. Neste país, sem rei e sem roque, embora, aparentemente, nos queiram convencer do contrário, a radicalização começa a surgir com alguma veemência. Um problema dos diabos, ou melhor, um problema típico dos homens (neste conceito, gramaticalmente com tendência para o neutro, homens, estão também incluídas as mulheres) …

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