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segunda-feira, 15 de agosto de 2022

“Pormenores da vida” …

Estou atento aos pormenores da vida. Aprendo com eles e acabo por compreender um pouco o que sou. Preciso de explicações, não das sofisticadas, que fazem as delícias dos filósofos ou dos teólogos, já que as dos cientistas são sempre mais humildes e sinceras, mas as dos acontecimentos diários em que os protagonistas são agentes e expressões da vida.

Uma conversa banal na esplanada de um café, um pedido inusitado na rua, uma atenção de respeito no cruzamento patético de entrada ou saída de uma rotunda, uma ajuda espontânea a uma pessoa aflita ou a descrição de experiências pessoais são alguns exemplos.

Sou cuidador, cada vez mais, situação difícil e complicada que é amenizada pelas reações de animais. O meu companheiro é rico e amoroso nas suas expressões. Hoje, tive de tomar conta de uma cadelita de uma filha. Já teve os seus problemas, graves, desde os maus-tratos quando nasceu, é portadora de cicatrizes, até de acidente com fratura e operação aos intestinos. Ajudei-a nessas ocasiões. Não temos convivido, porque raramente a vejo, mas o que é certo é que a cadelita se afeiçoou a mim como se fosse o seu dono desde sempre. Não sei explicar o seu apego. Mas não sei mesmo. Não me larga, pede-me para que a coloque ao meu colo, dorme com felicidade e até suspira, enfim, há coisas que não entendo. Ponho-me a pensar se terá algum sexto sentido ou algo que a leve a ter esta conduta, já que desconfia dos seres humanos e foge deles. Só sei que consegue transmitir algo quente, doce e cheio de paz. Um ser vivo a transmitir o que um humano nem sempre consegue ou conhece.

Esta reflexão foi despertada pelo cantarolar mais estranho que se possa imaginar. Uma muda, munida do carrinho de mão, e acompanhada pelo seu rafeiro, cantava toda feliz ao mesmo tempo que recolhia dos contentores aquilo que pode e lhe serve de sustento. Hoje vinha particularmente feliz. Cantava. Cantava. A muda cantava. Não sabe falar, mas sabe cantar e até avisar com gritos capazes de arrepiar qualquer um em caso de perigo ou se alguém precisa de socorro. Já faz parte da minha paisagem urbana. Tem um belo sorriso, transmite felicidade e está bem com a vida. Uma muda que canta e um animal desejoso de amar, apesar dos maus-tratos que sofreu, dão um significado à vida que os grandes pensadores são incapazes de transmitir…

2 comentários:

mew2 disse...

Salvador Massano Cardoso,
foi bom reencontrá-lo aqui.
Sinto que a sua escrita se libertou, está mais clara, mais humana.
Cumprimenta
ao

Pinho Cardão disse...

Sempre um encanto o que escreve e sente, caro Professor Massano!
Grande e amigo abraço